Em entrevista, por escrito e à distância (possível, lá está, pela desmaterialização dos meios neste mundo cada vez mais digital), o embaixador Eurico Monteiro fala do projecto de Transformação Digital, que está em construção, mas tem já “vários ganhos consolidados”. Os números assim o mostram e o intuito de transformar a embaixada num verdadeiro “portal do cidadão”, é cada vez mais uma realidade.
Fazendo um ponto de situação, quais os principais desafios que os serviços consulares enfrentam e como têm sido resolvidos?
São vários os desafios, mas devo centrar-me naqueles com maior relevância, pela estrutura, mas às vezes também pela conjuntura. Felizmente, tenho contado com o apoio consequente das autoridades cabo-verdianas de uma forma geral, com destaque, em primeiro lugar, para o Senhor Primeiro Ministro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, a Sra. Ministra da Justiça e o Sr. Ministro da Administração Interna. Em certo sentido, há mais Cabo Verde fora do que dentro do país, e isto tem um enorme impacto, o que nos obriga a repensar com serenidade as nossas leis, os nossos procedimentos e as nossas estruturas. Se não faz sentido prestar a um bravense serviços essenciais a partir da Praia, muito menos sentido faz prestar esse serviço a um emigrante em Portugal, nos Estados Unidos, Bélgica, França, Senegal ou Angola, a partir da Praia. É que nesses países temos cabo-verdianos, e muitos, mas também temos o Estado de Cabo Verde, através das Embaixadas. Temos que proceder assim porque desta maneira decidimos mais rapidamente e melhor, porque estamos perto das pessoas e perto dos problemas. E somos também Estado de Cabo Verde, com gente qualificada para prestar uma vasta gama de serviços. Descentralizar, descentralizar, descentralizar. Só centralizamos, quando a descentralização não é possível. Não é bom fazer crescer o centro para evitar a descentralização; pelo contrário, devemos minguar o centro, para mais se descentralizar. A descentralização deve ser procurada, não evitada! Hoje, o mundo é uma rede, um sistema, e não há quer ter receio da descentralização de poderes. Devemos estar mais focados em responsabilizar, acompanhar, corrigir e reprimir quando necessário, mas não é bom ter o monopólio do bem-fazer. Quem tudo quer fazer, acaba sempre por fazer mal. Há vezes em que temos gente com excesso de trabalho, mas que insiste em não partilhar. O mundo digital de hoje permite uma maior democratização dos poderes de fazer. Temos hoje o desafio de prestar serviço público com qualidade e rapidez em matéria de passaporte, cartão nacional de identificação, transcrição de registos, renovação e validação de cartas de condução, certificados de equivalências, certidões em geral, atestados, cartões de inscrição consular, etc. Prestar esses serviços em horas ou escassos dias. E estamos a conseguir! Queremos ser o portal do cidadão. O cidadão no estrangeiro quando tem que lidar com o Estado de Cabo Verde, preferencialmente, deve fazê-lo através das suas missões diplomáticas e consulares, pelo que temos que alargar a nossa rede de serviços públicos.
Em que medida este projecto de Transformação Digital da Embaixada de Cabo Verde em Portugal vai melhorar os serviços? Dito de outro modo, que impactos concretos terá na qualidade dos serviços?
Vamos examinar um pouco os números para compreendermos que são o resultado de um processo de transformação dos nossos serviços: desmaterialização de um conjunto de procedimentos, desmaterialização do arquivo, reengenharia dos processos, simplificação de circuitos de suportes, formação, muita formação dos agentes consulares em vários domínios: atendimento, registo, notariado, informática, validação de passaportes eletrónicos, etc. 1) Entregamos hoje, em Portugal, os passaportes num prazo máximo de 10 dias contados a partir do pedido (na grande maioria em 7 dias); 2) Fazemos a transcrição de registos civis num prazo máximo de 5 dias úteis (antes, eram meses e às vezes anos); 3) Fazemos validação de cartas de condução em 2 ou 3 dias (antes era em 4 meses); 4) Atendemos no espaço de um mês 3.261 pessoas. 5) O tempo médio de espera para ser atendido no consulado é hoje de 42,12 minutos; 6) O tempo médio de duração no atendimento é de 9,45 minutos (ou seja, as pessoas em média ficam menos de 1 h no consulado). 7) E estamos a entregar uma média de 700 passaportes por mês. É verdade que tudo isso só é possível com a colaboração dos serviços centrais de Cabo Verde. Mas o Governo apoiou uma Resolução que nos permite fazer a validação e emissão de passaportes para toda a diáspora cabo-verdiana, porque temos aqui capacidade técnica instalada. Não é mérito propriamente meu, mas da equipa que tem uma grande vontade de aprender e de fazer. Cabe-me apenas desbravar caminhos e estimular as boas práticas. E ouvir, ouvir, decidir, juntar apoios para facilitar os resultados. Vamos conseguir, faltando apenas alguns ajustes. Estou convencido de que com o apoio técnico do NOSi todas as missões estarão a breve trecho apetrechadas para fazerem a recolha de dados para os passaportes electrónicos, enviando para a secção consular da Embaixada de Cabo Verde em Portugal para a validação e emissão. Estou convencido que vamos cumprir o prazo previsto de entrega de passaporte em 15 dias em qualquer parte da diáspora. Sem dúvida.
Mas serão exequíveis outros prazos referidos pelo Primeiro-Ministro, nomeadamente passaportes urgentes ser entregues no próprio dia?
Claro que é exequível aqui em Portugal, porque a imprensa que faz o passaporte tem a sua sede aqui ao lado. Portugal entrega no seu território nacional um passaporte urgente em regra no mesmo dia. E imprime no mesmo lugar em que imprimimos os nossos. Temos que resolver um pequeno problema técnico relativo ao contrato, com uma espécie de adenda, para que isso seja possível. Mas todo esse esforço deve ser feito para os passaportes urgentes. O cabo-verdiano às vezes tem a habilidade de transformar a normalidade em urgência...isso não, são para situações efectivamente urgentes.
Quando será possível ver o projecto 100% operacional?
Dá para ver, em face dos resultados alcançados, que não estamos a falar apenas de um projeto, mas sim de coisas concretas que estão a ser feitas. O importante é sempre saber primeiro o que queremos. Sabemos o que queremos, conhecemos o nosso “processo de negócios”, definimos o nosso modelo e então fazemos recurso a tecnologias para optimizarmos, para potenciarmos. As novas tecnologias são ferramentas muito importantes, mas são ferramentas. Por isso a transformação passa primeiro pela inconformação com a situação, depois pela projeção do que queremos e depois então pela construção, com recurso a vários instrumentos. Estamos já na construção, com vários ganhos já consolidados, mas no decurso deste ano o projecto estará completo nos seus elementos essenciais. Mas não se trata de um projecto para a Embaixada de Cabo Verde em Portugal, e sim deum Projecto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com um forte e decisivo envolvimento do Primeiro-Ministro e do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, para todas as missões diplomáticas e consulares. Começou aqui, mas destina-se a todas as missões, num único sistema de serviço público aos cidadãos residentes na diáspora.
Sobre as actividades da embaixada e os projectos que lhe estão destinados para breve, alguma questão que gostaria de salientar?
Estamos aqui com um interessante projeto de gestão dos doentes evacuados e também um outro relativo à diplomacia económica, mas creio que é melhor deixar esses temas para uma outra ocasião.
Projeto de Transformação Digital da Embaixada de Cabo Verde em Portugal
Projecto da Embaixada de Portugal vai melhorar serviços consulares da “Nação Global”
O Projeto de Transformação Digital da Embaixada de Cabo Verde em Portugal, aprovado pelo Conselho de Ministros na passada quinta-feira, vai trazer uma “melhoria significativa da prestação de serviços consulares” aos emigrantes. A garantia é dada pelo Primeiro-ministro, que avança ainda que “posteriormente, o Projecto será replicado em outras Missões Diplomáticas e Consulares de Cabo Verde no exterior”. Tudo isto acontece dentro de uma visão de Cabo Verde como nação global.
Começa em Portugal, mas é um projecto destinado a todas as comunidades emigradas. E tomando o caso desse país, o governo mostrou as vantagens que a transformação digital, que resulta igualmente numa maior autonomia, trazem aos serviços consulares.
Mais de 6.000 passaportes emitidos em 2017 pela embaixada de Portugal, num tempo estipulado de emissão de sete dias, são números que por si só demonstram a melhoria prometida no serviço.
Além de passaportes emitidos com celeridade, em sete dias ou apenas um para o caso dos passaportes urgentes, o projecto prevê criar condições para a emissão de vários outros documentos, na própria representação diplomática e em prazos que não deverão ultrapassar 15 dias, avançou Ulisses Correia e Silva num post na sua página de Facebook,
O projecto, explicou por sua vez o porta-voz do Conselho de Ministros, Fernando Elísio Freire, na sexta-feira, insere-se na visão de Cabo Verde como uma nação global, sendo que os cabo-verdianos residentes no estrangeiro precisam relacionar-se com o país em pé de igualdade com o cidadão residente, recebendo pois o mesmo tratamento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 850 de 14 de Março de 2018.