Do turismo, à descentralização, e passando, num município “90% agrícola”, por este sector primário, em conversa ao Expresso das Ilhas, o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava fala das dificuldades que o município enfrenta e suas múltiplas necessidades, mas também na perspectiva optimista que tem sobre o seu futuro. É que com o envolvimento de todos, as respostas são possíveis, acredita.
Os sanicolaenses já estão cansados de ouvir falar do potencial da sua ilha. Afinal, o que falta para que esse potencial se transforme realmente em “desenvolvimento”?
O potencial existe e é também reconhecido por todos aqueles que visitam São Nicolau, mas ainda temos essa distância, o grande problema de estrutura da ligação tanto por via marítima como por via aérea. Falta esta articulação entre as ilhas. Se não é possível ligar as ilhas de Cabo Verde e, em particular o nosso município e São Nicolau, não há desenvolvimento e este potencial não aparece.
A falta de transportes é a principal causa do hiato entre o que poderia ser e o que realmente é a ilha?
Os transportes são um grande desafio, tanto para os governantes locais como para o governo central. É necessário ligar São Nicolau ao resto das ilhas, e pôr São Nicolau também no centro, porque, geograficamente, está. E falta um grande projecto que garanta a sustentabilidade das pessoas. É preciso criar sustentabilidade. Temos a saída das pessoas aqui da ilha, e quem sai? Os jovens com capacidade de trabalho, jovens numa idade de escolha. Alguns vão para prosseguir os estudos, outros vão procurar um emprego na ilha do Sal ou da Boa Vista, que são ilhas com um foco turístico diferente. Não há como fixar essas pessoas aqui, porque não há emprego - e as pessoas não querem trabalho, querem emprego. Aqui aparece trabalho esporádico, de vez em quando. Nessa altura de mau ano agrícola aplicamos o sistema de rotatividade, uma pessoa trabalha 15 dias, no fim da quinzena, rodamos para outras pessoas terem também a possibilidade de trabalharem outros 15 dias. É uma dificuldade enorme conseguir manter as pessoas aqui diante deste potencial que realmente existe e que não aparece.
Falando então sobre o emprego. Como se justifica que ainda não haja uma delegação do IEFP aqui na ilha?
Já existe. Assinamos um protocolo com o IEFP e temos um ponto focal aqui, na Ribeira Brava, para ajudar na implementação do centro de formação profissional para nos poder ajudar a formar pessoas com qualidade. Uma formação virada para este potencial da ilha, porque não faz sentido trazer formações que não se adequem. Temos de ter uma formação na área turística, por exemplo, de guia turístico, para ajudar os turistas a percorrerem os nossos caminhos vicinais.
Mas já existe essa formação, na ilha?
Não. O que fizemos este ano, conjuntamente com o Ministério do Turismo, foi uma conexão de modo a ter 19 jovens de São Nicolau na Escola de Hotelaria e Turismo na Praia. Essas formações já aconteceram e as pessoas já estão nos hotéis a fazer o estágio profissional.
Hotéis do Sal e da Boa Vista…
Sim, e está aqui o perigo. Qual vai ser a probabilidade das pessoas voltarem para São Nicolau? Então temos de arranjar formas de fazer essa formação aqui na ilha. O IEFP está numa fase embrionária. Já temos o espaço para instalação para essa equipa de seguimento, não somente de formação, mas também de seguimento dos jovens que fazem as formações para se fixarem na ilha e no município.
Quantas pessoas é que o município tem, neste momento?
Não há possibilidade de ter um recenseamento pontual, temos um desfasamento. De acordo com o Censo 2010, eram cerca de 7.112. Já passaram muitos anos e não temos o controlo do fluxo das pessoas que saem do município. Mas a população está a diminuir com uma velocidade enorme. Muitas vezes, as pessoas vão e voltam novamente. Têm a expectativa de ter um emprego na ilha do Sal, ou da Boa Vista, que é uma ilha mais difícil. Boa Vista é uma ilha emergente, em termos de turismo, que deu um boom, explodiu, de forma complexa. Há problemas sérios a nível social e não é de fácil inserção. No Sal, São Nicolau tem uma comunidade muito grande e a probabilidade das pessoas se fixarem e integrarem é mais fácil. Mas temos esse vai e vem. Vão, dão uma vista de olhos, vêem se conseguem arranjar trabalho, não conseguem, voltam. Ou então conseguem mas o dinheiro é curto, não dá para suportar as despesas, porque na ilha paga-se o custo do turismo e têm de voltar…
Mas há projectos concretos em curso para empregar esses jovens, aqui?
Este é o grande desafio.
Mesmo o turismo, no qual se deposita tanta esperança, parece ser ainda muito incipiente…
Ainda não temos um turismo em São Nicolau, não se pode falar de turismo numa ilha em que não tem condições de acesso, não tem um hospital em condições. O turista é uma pessoa muito delicada, faz pesquisas e vê quais são as condições da localidade para onde vai: tem condições de segurança? tem condições de saúde? São eixos que os turistas preparam antes de viajar. Este é um grande problema. Um turista aqui em São Nicolau, em caso de acidente, por exemplo, tem de ser evacuado. Isto é um problema para o turista, mas não só! É um problema também para nós. Como vamos garantir a esta pessoa, que escolheu uma ilha, um país,para visitar, depois não tenha condições de segurança. Porque não temos condições de segurança para sair da ilha. É necessário arranjar essas condições.
Mas ainda falando de emprego, dizia, há pouco, que “falta um grande projecto” na ilha. O Porto de Águas Profundas, de que se fala para o Tarrafal poderia ser esse projecto, servindo a ilha?
Um grande projecto seria realmente este grande investimento, que é o um Investimento Externo.
Chinês?
Certo. Temos condições ideais, segundo os estudiosos em matéria de portos de águas profundas. E para além disso, temos também a outra condição que é o território, o espaço para albergar o produto que eles vão armazenar. O que se pretende fazer aqui em Cabo Verde é uma plataforma para chegar a outros destinos, nomeadamente África. Esta é a visão dos investidores. Sendo São Nicolau uma ilha que fica geograficamente no centro [do país] tem também essa possibilidade de fazer essa ligação com outras ilhas. Sal está aqui perto, Santiago - Praia aqui perto, e São Vicente aqui ao pé. [Esse projecto] daria uma grande estabilidade em termos de fixação das pessoas e atrairia também outros investimentos. Portanto, estaria conectado e São Nicolau já teria um rumo. De lembrar que São Nicolau foi um dos primeiros portos de entrada e saída de Cabo Verde…
Seria um projecto para o Tarrafal. Há quem diga que o futuro desta ilha está nesse outro município…
O mais importante é que o investimento venha para São Nicolau. Falamos sempre em São Nicolau, em vez de falarmos no município, no pequeno espaço.
E como é a relação com a outra Câmara Municipal da ilha?
Temos uma relação de proximidade, uma conexão muito proactiva, porque falamos da ilha, em nome da ilha e não do município. Portanto juntamo-nos para discutir os grandes projectos. Ribeira Brava e Tarrafal são complementares. Temos um município que tem um grande potencial agrícola, que se vê logo aí no vale da Fajã e temos também uma extensão do mar que é fundamental, que é esse lado do Norte, considerado um dos melhores bancos de peixe de Cabo Verde. A ilha é pensada num todo. Temos um capital histórico, temos a primeira vila de Cabo Verde, 176 anos, que é um património que temos de preservar. Temos essa missão de preservar. Há uma base cultural forte, desde o Carnaval, às festas juninas e outras festas populares, que têm uma abrangência enorme e que conseguem também mobilizar pessoas para vir cá e compreender a cultura de um povo que é praticamente genuíno. Há algumas características especiais, aqui.
Qual é a visão do município para o turismo? Turismo essencialmente cultural?
Temos de pensar no turismo sustentável. Não é possível caber aqui em São Nicolau a quantidade de turistas do Sal e Boa Vista. Nem pensar. Não temos nem as condições em termos de alojamento, nem as características que os turistas que visitam essas ilhas procuram. Aqui temos uma multiculturalidade diferente e um dos grandes pratos que temos é, sem dúvida, a nossa cultura. Temos de organizar bem, criar os roteiros turísticos ligando as localidades, esses caminhos vicinais que existem em São Nicolau e que estão quase todos reabilitados, para este fim. Criar uma ligação em que as pessoas possam visitar a ilha com segurança, mas fomentando também o turismo interno: visitar, fazer esses trilhos, este percurso, ver a sua relação com a história. Temos de reviver, trazer para o presente, a História.
Em concreto, o que está a ser feito nesse sentido?
Esta valorização do património. Os caminhos de Chiquinho foram construídos nesta perspectiva. Ainda não chegamos ao fim, porque o Chiquinho vai até a Praia Branca, que é no outro município. No Caleijão, já foi feita reabilitação. Fazemos sempre essa caminhada com tertúlias, lendo o Chiquinho. É esta valorização que temos de fazer. Valorizar o grande escritor, o homem, o Baltasar Lopes da Silva. Mas também os outros claridosos. Baltasar Lopes da Silva, claramente escreveu a nossa consciência nacional, a forma como conseguimos preservar a nossa identidade. Com estas características próprias nós não podemos voltar as costas à História. É esta a nossa realidade, a nossa identidade. Então precavendo essa identidade, podemos ter aqui um produto de luxo para o turista. Precisamos de um turismo de luxo. É um outro tipo de turista, que vem para visitar, mas também para compartilhar experiências e impressões com as pessoas. Temos um turista mais maduro, pessoas com uma idade mais avançada que fazem essas caminhadas, que conversam ou tentam conversar com as pessoas. Agora, temos de arranjar essa forma de realojamento, conjuntamente com as famílias, nas suas casas, recebendo turistas, ganhando algum sustento e dando também aquilo que sabemos bem dar. Criamos uma equipa de guardiões do património, com a missão de preservar e “desenterrar” essa História da ilha. Daqui partiram os primeiros baleeiros para as Américas. Aqui criou-se a primeira ligação Açores, Cabo Verde e EUA. Temos ligação com New Bedford. E temos, então, essa poderosa História que poderá ser transformada neste eixo de procura, de trazer mais pessoas. Então começamos a criar esta rede de informação, este procurar das histórias: onde estão? Qual o grau de veracidade? E transformar essas histórias em valor, em produto para vender.
O vosso património edificado também parece estar em bom estado. É uma mais-valia?
O Seminário-Liceu, por exemplo, foi parcialmente reabilitado. O Estado introduziu lá 60 mil contos, mas ainda é só para os padres, ou seja, não garante a sustentabilidade. Vai precisar de uma nova reabilitação. Não queremos criar essa ideia de reabilitar património só para ficar de pé. O seminário está de pé, mas é uma obra que queremos continuar. Foi a primeira universidade, se assim podemos dizer, de Cabo Verde. Então, a partir do seminário-liceu podemos criar uma ideia de formação de elite.
Está a falar da instalação de uma Universidade Católica nesse espaço?
Sim, criar uma formação de elite, especifica: mestrados, doutoramentos. Aqui consegue-se toda a paz de espirito para investigação. O projecto já está bem encaminhado com a Universidade Católica de Portugal.
É um projecto do dr. Gualberto do Rosário?
É. Estamos envolvidos, tanto a Câmara Municipal como a Diocese, neste diálogo, para avançar com este grande projecto. Não se pretende abrir mais uma universidade em Cabo Verde. É outra perspectiva, outra visão, que garanta sustentabilidade e coloque aquele património no circuito da Unesco. É um património mundial, estamos a falar de formação de pessoas, que vieram mesmo da metrópole, que vieram de outras colónias, para se formarem aqui. Esta é a nossa raiz.
Estão a trabalhar em várias frentes, principalmente em termos de património…
Estamos. Com as receitas parcas do município não dá para fazer muito. Então, há que envolver as pessoas, catalisar toda a gente que tem potencial, esteja onde estiver, aqui e na diáspora. Se tem uma ideia para ajudar a ilha, queremos ouvir. Estou na busca de capital humano para pensar os projectos e a ilha no seu todo. Não temos recursos materiais mas temos um bem precioso que são as pessoas deste município e a sua história. Temos várias figuras académicas e da cultura. O espólio que temos em São Nicolau pode também servir como base científica, a ideia é trazer para aqui pessoas para estudar. No final deste mandato gostaria, e vou fazer todos os esforços possíveis para isso, de ajudar as pessoas a ver a realidade desta ilha. Esta é uma missão muito clara, de olhar para dentro e para o que se pode aqui preservar, em todas as localidades. Temos de conseguir convencer as pessoas de que são importantes aqui na sua localidade. Valorizar as pessoas, e aí, temos de pegar numa coisa que é a componente social. Passo a passo melhorar as condições de vida das pessoas, das que mais precisam, das mais vulneráveis. Ver as pessoas nas suas dificuldades. Colocar casas de banho, por exemplo. É preciso ver as necessidades das pessoas e quantificar essas necessidades. Estamos a fazer um levantamento minucioso. É um foco, porque se pretende “levantar” as pessoas que não conseguem, que estão desanimadas, que não têm foco. Na minha perspectiva é isto que nós precisamos: dar atenção especial tanto a nível da saúde, como a nível de saneamento, e tecto seguro. É fundamental. Eu não vou precisar de pintar as casas, a primeira fase é o tecto seguro, portas, e saneamento. Três eixos. Este é um dos pontos que eu gostaria de ter resolvido, já iniciamos, passos pequenos. Estamos a fazer duas coisas: o levantamento, como referido, e estamos a aplicar imediatamente junto às pessoas que têm mais vulnerabilidade.
As condições de habitação são um problema?
Temos um problema sério de várias casas a desabar. Casas antigas e outras feitas sem condições, sem regras, sem passar pelo crivo do gabinete técnico. Casas com 10 anos a desabarem com tecto feito de argamassa, com ferro. É um problema sério que temos em todo o país e já constatamos. Andando pelas casas, eu vejo isso, digo “vocês têm de sair daqui”. Respondem que não têm para onde ir. Com responsabilidade na matéria, ficamos sem palavras. Não vou resolver os problemas todos. É impensável, porque não temos recursos. O que estamos a fazer é este levantamento, e ir trabalhando paulatinamente naquilo que se pode fazer. E deixar aqui um projecto para ter continuidade nesta vertente.
Falando da agricultura, a seca não parece ter atingindo tanto São Nicolau como alguns outros concelhos agrícolas. É uma percepção que corresponde à realidade?
O concelho é 90% agrícola. O problema que se põe é o seguinte: há um espaço verde que produz, mas a maior fatia [da produção] está nos terrenos de sequeiro. Daí a dificuldade das pessoas em ter algum recurso para se alimentar, e este ano a chuva foi escassa, não deu para comer. Parece que São Nicolau não teve esse grande problema de pasto, de produtos, mas teve. [A seca] teve uma influência enorme e há pessoas a passarem dificuldades, sem um dia de trabalho. Temos essa clara consciência. Nessa primeira fase de implementação do programa do governo em termos do emprego, houve lugares que tiveram 45, 50, 100 pessoas a trabalhar num sistema rotativo. Mas é muito distante, estamos a falar de um ano, num programa para 10 meses e num ano todo. Já temos dificuldades, nesta altura. E o maior problema é: e se não vier a chuva?
Mas o programa do governo para mitigação do impacto da seca não tem funcionado?
O programa chegou, estamos a trabalhar conjuntamente com o ministério da Agricultura e Ambiente e a 1ª fase já terminou. Estamos à espera da 2ª fase, já apresentamos o relatório para poder desbloquear a 2ª tranche. Temos alguns programas no plano mas estamos a aguardar a 2ª fase do desbloqueio para poder dar continuidade. Mesmo assim é irrisório. Foram cerca de 13 mil contos...
Num município essencialmente agrícola que tipo de incentivos crê poder dar para poder fixar as pessoas no sector, tão incerto?
Primeiro temos de trabalhar na educação das pessoas. A agricultura é uma hipótese [para trabalhar]. . Temos de trabalhar nas escolas básicas para mostrar às pessoas que a agricultura é um ramo como outro qualquer. Como professor, como médico, outro. É uma área insegura, mas temos de arranjar formas de fazer agricultura. Houve, por exemplo, pessoas que conseguiram estufas através de microcréditos e conseguiram levar a vida para a frente. E temos que começar a trabalhar a agricultura de forma mais mecanizada, que não exija tanto trabalho braçal e esforço. Também ampliar as áreas agrícolas, aumentar a quantidade de água - somos ilhas, temos o maior recurso que é possível ter, o mar….
Mas a dessalinização não é barata…
Temos de começar a estudar. Estivemos na Holanda há 2 meses. Há um projecto de produção de água dessalinizada com baixo custo, só com energia renovável. É isto que precisamos em Cabo Verde. Temos sol, vento, temos água que é matéria-prima, o resto é só gravidade.Trabalhamos para quê? Para alimentar. São Nicolau tem uma produção a que não consegue dar vazão internamente.
Exportam?
Sim, o produto vai para a ilha do Sal, vai para São Vicente.
Conseguem exportar, com a falta de transportes?
Conseguem. Faz-se uma ginástica, um investimento e vai vender o seu produto à ilha do Sal. Isto é perícia. Se as pessoas, com todas as dificuldades conseguem, imagina se se organizassem em grupos. Estamos a falar de empresários. Não têm escola, formação, mas são. Se a situação já é essa, imagine-se se houvesse um estímulo do governo. Importa também identificar o perímetro agrícola, definir as parcelas como “terra agrícola”, certificar. Isso não existe, não está legislado. É um problema. Na localidade de Fajã, se alguém diz, “quero construir essa casa aqui, em terreno agrícola”, o que o presidente faz? Como não há legislação, tem de deixar. Se proibir, isso vai parar noutras instâncias. Se esta área é uma área confinada para tal fim, vamos legislar e dizer claramente que é área agrícola. Se não perdemos o potencial. Falei de Fajã. É um espaço verde, porque tem umas galerias que são a maior obra de engenharia francesa feita fora de França. Iniciaram o projecto em 81, terminaram em 85. Foram 4 ou 5 anos de construção. São cerca de 2 mil metros de túnel, [usando] a água e a gravidade e tem cerca de 500 a 800 metros cúbicos de água/dia. Vão buscar aquela água às nascentes e trazer para irrigação daquele espaço. Foi uma obra emblemática, porque Fajã era uma zona seca, a água era transportada através dos burros. Então resolveram um problema grande, e hoje é um grande projecto que temos aí. Mas precisa ser reabilitada. Porque fizeram-se as galerias, a água vem por força da gravidade e achou-se que não tem mais custo. Agora já conseguimos, conjuntamente com o ministério e com os financiadores, 20 mil contos para reabilitar as galerias de Fajã.
E que outros projectos do município, nas diferentes vertentes, destacaria?
O complexo desportivo. Estamos na fase de revisão do projecto em si. Foi um projecto iniciado no anterior mandato, mas que eu “foquei”. Não existe nenhuma sala de espectáculo, nenhum espaço onde se possa receber um evento. Temos essa necessidade, então vejo isso como uma das prioridades. Outro projecto em que estamos a trabalhar é o complexo escolar. Este é o único município que não tem um liceu de raiz. Eu, como professor, vi que é uma necessidade imperiosa do município de devolver à Ribeira Brava uma raiz de educação que tem. As condições da escola são precárias, a escola foi feita há muitos anos. Algumas salas de aula têm tectos com amianto. É necessária uma reabilitação com ampliação. O Orçamento de Estado já está em curso, já vamos atrasados, mas isto devido a condições técnicas, pois como se sabe os nossos gabinetes têm poucos técnicos. Mas tem de ser apresentado este ano. Já falamos com a ministra da Educação e vamos acelerar o projecto para ter o nosso complexo escolar. Para a Preguiça, temos um projecto no qual decidimos investir os 100 mil contos, que nos foram atribuídos. É o porto, é uma zona histórica, emblemática, por onde passou Pedro Álvares Cabral, antes de descobrir o Brasil, por isso é um património histórico do mundo, não é só de Cabo Verde. A ideia é requalificar aquele património, criar uma estrutura social, dinamismo, para garantir a sustentabilidade das pessoas, e dar visibilidade ao mundo daquilo que a história escreveu. É a minha visão, não foi o governo que escolheu o projecto. Um outro projecto, este financiado pela UE, é o de reabilitação das casas, de famílias, para receber o turista. É um projecto de cerca de 8 mil contos, que vai beneficiar cerca de cinco famílias, em toda a ilha. Estamos a trabalhar para definir as regras, os pressupostos para se poder candidatar. E temos projectos, investimentos privados, de pessoas aqui de São Nicolau. Por exemplo, um projecto de 20 bungalows para turismo rural. São casas de pedra rústica, inseridas na paisagem rural. Já temos alguns investidores com essa coragem.
Voltando aos transportes. Que esperança tem no concurso de transporte marítimo inter-ilhas, como solução para, pelo menos, parte dos problemas da ilha?
Para dizer a verdade, isso é algo obscuro. Tenho esperança de que há que haver linhas, sustentáveis, para fazer as pessoas saírem e entrarem nas suas localidades, nas suas ilhas. E estou em crer que pode resolver problemas, porque para mim a ligação de Cabo Verde passa necessariamente pela via marítima. Temos mais tempo de bom tempo do que mau tempo, o cabo-verdiano anda sempre carregado, é um aspecto cultural. Se vai carregado, o único transporte que consegue carregar é o barco.
E as actuais ligaçoes aéreas. Que avaliação faz?
A Binter, para dizer a verdade, dá uma resposta. Agora, as respostas poderão ser eficientes, melhoradas ou deficientes. Deu uma resposta, mas não é satisfatória. Eu quero sair ou entrar em São Nicolau no mês de Agosto, não tem como. As pessoas querem vir para o Carnaval, não têm como, se não marcar com muita antecedência. Muita gente não dá por isso, depois vem até ao Sal e fica em terra. Então essa resposta não é satisfatória.
Com tantas dificuldades que o concelho enfrenta… está optismista?
Estou optimista perante um facto: envolver as pessoas para conjuntamente podermos dar a resposta. Temos um bom relacionamento com o governo e o governo tem uma visão muito clara sobre a forma como se trata os municípios. Isto é um facto. Não posso comparar porque não estive no outro governo, mas a forma como este governo disponibiliza as verbas, é clara. Está legislado. Até se pode questionar, isto é pouco, é muito, mas há uma decisão clara bem definida.
E a regionalização, qual a esperança de São Nicolau na mesma?
O governo, pela forma como está formatado, não dá resposta, porque é centralizador. Essa mudança de estruturas - está-se a falar de um conjunto de pessoas, que são funcionários do município para pensar e equacionar, discutir e racionalizar os poucos recursos que temos - penso que é o caminho. Nessa perspectiva seria uma regionalização económica para poder dar essa possibilidade de pensar e maximizar os recursos, que são poucos. Este “cérebro” estaria em contacto directo com a população, haveria uma envolvência clara. As pessoas não sentem o governo, é algo muito abstracto, então com este conjunto de pessoas a pensar a ilha, dar-se-ia um salto enorme.Mas, disse-o quando o Primeiro-ministro apresentou o projecto, e disse a mesma coisa quando o PAICV apresentou o seu (estou à espera do projecto da UCID): há que haver uma envolvência do cabo-verdiano para compreender os modelos, os prós e contras. Até sugeri que implementem como fase experimental em alguma ilha como São Nicolau, Brava, ou Maio, que são ilhas isoladas, e passados 2, 3 anos, 5 anos, se faça uma avaliação a ver o que se pode melhorar, ou se vale a pena continuar. Agora, escolher um modelo, sem diálogo, que muita gente não entendeu, assim não. Temos de envolver as pessoas. Ver o que o outro pode trazer. Esqueçam os partidos, coloquem a regionalização no centro.
Considera que todo este processo não está a ser conduzido da melhor forma?
Estou convicto de que este é o caminho, porque, como disse, o governo central já não dá resposta. Mas os recursos que distribui, isso já é descentralização. É a primeira componente: descentralizamos os recursos, com regras práticas para os municípios gerirem. Agora temos de criar essa regionalização. O projecto da Preguiça, de que falei, não foi escolhido pelo governo. É fruto da minha vivência, é a nossa história, o nosso produto local, para o desenvolvimento local, com recursos que o Estado vai mobilizar para ajudar a maximizar este pensamento. E de facto aí há a lógica de regionalização, de podermos nós pensar a nossa localidade, abraçar o nosso património, conservar, e mostrar ao mundo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 867 de 11 de Julho de 2018.