Carlos Alberto Silva: O nosso maior desafio é fazer com que a economia local cresça

PorAntónio Monteiro,29 jul 2018 7:14

Carlos Alberto Silva, presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz
Carlos Alberto Silva, presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz

​Santa Cruz, localizado no interior de Santiago, é um dos municípios com maior potencial agrícola em todo o Cabo Verde, mas até agora é tido como um dos concelhos mais pobres de Cabo Verde. “O que precisamos é mudar o foco”, afirma o edil Carlos Alberto Silva. Este novo paradigma está plasmado na nova agenda económica da autarquia, cujo objectivo é tornar Santa Cruz num município mais dinâmico e competitivo.

Santa Cruz é um município de vocação agrícola, mas mesmo atravessando um ano de seca, não dispensou o seu festival de música. Com que argumentos?

Uma das grandes atracções das festividades de Nhu Santiago Maior tem sido sempre o festival de música da Praia de Areia Grande que já vai na sua 26 edição. Estamos a falar de um dos maiores festivais, pelo menos de ilha de Santiago, e por isso acarreta custos, que se situam à volta dos 15 mil contos. Santa Cruz é um município de música e faz todo o sentido que promovamos a nossa música. Mas tendo em conta que estamos a viver um ano de seca, num município de vocação agrícola, ficaria difícil à Câmara realizar um festival nestas circunstâncias. Por esta razão, a Câmara teve que desenhar um projecto de parceria público/privada. Felizmente encontramos um parceiro interessado e desta forma pudemos garantir a realização do festival que, na verdade, não estava previsto. Mas em boa hora conseguimos negociar com um parceiro a realização do festival a custo zero e, para além disso, conseguimos negociar com outros parceiros que assumiram algumas outras despesas inerentes ao festival. Ou seja, a Câmara abriu mão de tudo o que tinha a ver com a realização do festival, com excepção da segurança por ser a parte mais sensível deste certame. Portanto, a Câmara assumiu essa parte, mas também a custo zero, porque aí também encontramos um parceiro que arcou com essa despesa.

Como explica que Santa Cruz, um concelho essencialmente rural, tenha dado à música cabo-verdiana nomes tão sonantes como Katchás, Nácia Gomi e Élida Almeida?

Na verdade, é incontestável que Santa Cruz ocupa um lugar de destaque na música da nossa terra. Podemos recuar um pouco no tempo para falarmos no Rei do Funaná que foi Katchás que deu um grande contributo na música e na promoção da cultura cabo-verdiana além-fronteiras, enquanto mentor e frontman do grupo musical Bulimundo. Podemos também falar do contributo que Séma Lopi, Nha Nácia Gomi e Antão Barreto deram à cultura cabo-verdiana… mas são tantos os músicos que seria difícil enumerar todos. Porque é que a Élida Almeida chegou até onde chegou? É que a Câmara Municipal de Santa Cruz tem vindo a apostar na promoção da música através do concurso de vozes. Acho que, se calhar, Santa Cruz é a única Câmara que rigorosamente realiza anualmente concurso de vozes tanto para crianças como para adultos. Para além do concurso anual de vozes, a Câmara tem uma Escola de Música chamada Séma Lopi que já está a dar frutos e podemos dizer que a Élida é um bocadinho fruto desta escola.

Para empregar uma metáfora que lhe é muito cara: sem boa sementeira não há bons frutos?

Exactamente. Para nós o desenvolvimento é o resultado da sementeira: temos que fazer boas sementeiras para podermos colher bons frutos. Estamos a colher frutos de sementeiras pretéritas, mas o desafio que nós temos agora é trabalhar, portanto fazer sementeiras, para que os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos possam colher melhores frutos do que estão a colher agora. E hoje estão criadas todas as condições para fazermos melhores sementeiras do que as que foram feitas pelos nossos pais. Basta ver que estamos num mundo de novas tecnologias, em que à distância de um clique na internet uma pessoa pode aprender música em casa ou desenvolver o seu talento em qualquer área que seja. Basta um telemóvel, um computador, ou um tablet e acesso à internet. E é nisto que esta Câmara está a apostar agora. No âmbito das festas no município, instalamos seis centros multimédia, graças à parceria com uma jovem santa-cruzense que vive actualmente na República Tcheca. Nesses centros podem ser instalados programas que permitem videoconferências, palestras, workshops, formação à distância, para além do acesso à internet.

Pode-se considerar ainda Santa Cruz um concelho essencialmente rural?

Respondendo à sua inquietação, diria que não considero hoje Santa Cruz um município marcadamente rural. Por uma razão simples: com o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação já não há localidades a 100 por cento rurais. Bom, estamos a falar de um município do interior da ilha de Santiago, de vocação agrícola, com as suas especificidades. A nossa realidade é diferente da Praia, isso sim. Como quer que seja, é um município com enormes potencialidades no sector do agronegócio com capacidade para abastecer a ilha de Santiago e o próprio país, para não falar das suas potencialidades no domínio da pesca e do turismo rural. Santa Cruz está muito bem localizado no contexto da ilha: estamos a 18 milhas do Maio e um pouco mais longe da ilha da Boa Vista. Santa Cruz tem condições para acolher mais empresas, que é o que nós queremos. Porque, em termos de desenvolvimento, o maior problema com que somos confrontados é o desequilíbrio. Quando falamos de Santa Cruz, estamos a falar praticamente das três regiões do Norte da ilha de Santiago, cujas pessoas estão a sair em direcção à Cidade da Praia e das ilhas da Boa Vista e do Sal. Porquê? Porque não está sendo garantido o desenvolvimento equilibrado da ilha. Quando assim é, o que é que acontece? Praia não conseguirá qualificar-se como cidade capital. Primeiro, porque as pessoas precisam morar e vão construir moradias ditas clandestinas e nós já conhecemos as consequências desta acção. Da mesma forma que, quando as pessoas saem da ilha de Santiago e vão para a ilha da Boa Vista ou do Sal, já sabemos o que acontece: mais bairros informais. Ou seja, a mesma situação que você encontra no Sal e na Boa Vista vai encontrar também na Cidade da Praia. Para travar essa migração interna, Santa Cruz é um dos municípios que reúne as melhores condições para isso. Está muito bem localizado, tem potencial para ser o maior produtor e distribuidor de produtos produzidos na região. Em termos de espaço, tem capacidade de se transformar no maior centro logístico e ambicionamos ser um dos principais parques industriais da ilha de Santiago. Porque não Santa Cruz receber o segundo porto da ilha? Esta equipa camarária está muito focalizada numa agenda económica, porque, na verdade, o nosso maior desafio é fazer com que a economia local cresça. É que crescendo a economia local, estamos a criar condições para garantirmos emprego às pessoas; tendo emprego, estamos a garantir o rendimento; tendo rendimento estamos a chegar ao desenvolvimento. E aí estamos a garantir o desenvolvimento sustentável. Infelizmente, até agora, Santa Cruz é tido como um dos municípios mais pobres de Cabo Verde. Mas não é. O que precisamos é mudar o foco e mudar o rumo; apostar na dinamização do potencial local. Em qualquer parte do mundo a agricultura é um sector-chave. Mas temos que pensar numa agricultura moderna e que não dependa totalmente da chuva. Eu costumo dizer: Cabo Verde tem o seu ouro e tem o seu diamante, nomeadamente a água do mar – temos mais água que a própria terra – e o sol que nunca falta. E essa roda já foi inventada há muito tempo e não é necessário nenhum cabo-verdiano inventar essa roda. Portanto, essas práticas já existem em outras latitudes e o que falta é agarrar essas boas práticas de outros países e trazê-las para cá. Santa Cruz é um município formado por muitas ribeiras e felizmente todas elas têm um alto potencial agrícola e turístico. Felizmente já conseguimos negociar com o governo e, em princípio, já conseguimos o financiamento para a construção da estrada de penetração da maior ribeira agrícola do país. Estamos a falar da Ribeira dos Picos. Só esta ribeira tem capacidade para garantir mais de dois mil postos de trabalhado. Podemos também falar da empresa Justino Lopes, que na década de 80 empregou mais de 500 trabalhadores. Portanto, Santa Cruz é um município com tradição e experiência no sector do agronegócio. Já foi o maior complexo agroalimentar do país, chegando a exportar o seu melhor produto que é a banana. Ou seja, ao invés de avançarmos, regredimos no tempo, embora as condições não tenham mudado com os anos. Santa Cruz tem condições instaladas para garantir até 6 mil postos de trabalho: temos sete ribeiras agrícolas, temos pecuária e temos pesca. E temos um outro grande potencial que é a juventude.

Quais são os grandes desafios do município?

Temos dois grandes desafios pela frente: há um grande desafio que é a juventude e o outro grande desafio é o desemprego. A juventude é um dos principais activos deste município, porque Santa Cruz tem grande potencial em termos de empregabilidade. Por isso a nossa agenda económica está orientada para o seguinte: construção de estradas de penetração; escolas de formação técnico-profissional para as áreas da agricultura, pecuária, pesca e turismo rural; uma linha de crédito para os nossos operadores económicos. E porque não um porto de escoamento dos produtos, porque não uma central de compras? Tudo isso é necessário para podermos alavancar a nossa economia e torná-la mais dinâmica e mais competitiva. Isso é um pouco a nossa visão, já definimos isso e é nessa linha que nós estamos a trabalhar em parceria forte com o governo para podermos transformar todo o potencial do município em crescimento económico, para podermos ter rendimento e podermos garantir o desenvolvimento.

Estou a trabalhar sem pensar nas próximas eleições, porque sei que estou neste cargo de passagem

O governo vai disponibilizar ao município 315 mil contos para obras de requalificação. Essa verba vai permitir Santa Cruz preparar-se para o desenvolvimento, como afirmou o ministro Elísio Freire recentemente?

Esse valor vai contribuir grandemente. Mas só isso não chega, porque o que nós precisamos é atrair operadores para investirem e fazer crescer a economia. Isso vai contribuir grandemente. Desde logo, estão previstos os seguintes montantes: para obras de requalificação da Cidade de Pedra Badejo, Santa Cruz vai receber 100 mil contos; vamos receber mais cento e tal mil contos para bairros e acessibilidades. Para a habitação social e para o património histórico será destinada também uma fatia considerável deste bolo. No total perfazem 315 mil contos, mas isso, na verdade, não chega. Por isso, além do governo o município está também a mobilizar recursos. Desde logo já começamos as obras de asfaltagem das vias principais da cidade, orçadas em cerca de 120 mil contos com dinheiro do próprio município. Temos o Estádio Municipal que está neste momento a receber obras no valor de 50 mil contos, também com dinheiro do município. A Câmara está a mobilizar parcerias para um investimento público-privado. Estamos a falar também em valores elevados. Portanto, só o dinheiro do governo não chega, mas vamos juntar as mãos numa parceria governo-câmara-sector privado. Tendo em conta que o município tem potencialidades, seguramente que estaremos a garantir o desenvolvimento. O foco é esse e já começamos a trabalhar nesse sentido. Estamos a mudar a fachada de Pedra Badejo, porque o que nós queremos é torná-la numa cidade limpa, bonita e segura. Já há esse programa e está a funcionar. Agora à volta dos Paços do Concelho veem-se obras de requalificação, calcetamento e asfaltagem de ruas. Tudo isso numa perspectiva de tornar Santa Cruz num município mais atractivo. Nós estamos a fazer a nossa parte em parceria com o governo. Mas não são só os 315 mil contos que estão previstos para Santa Cruz, porque só as estradas de penetração da Ribeira dos Picos andam à volta dos 400 mil contos que não figuram aqui. Estamos cientes de que as necessidades são muito maiores, mas não ficamos parados. O governo está a mobilizar recursos, a câmara está também a mobilizar e temos uma agenda que estamos determinados em materializar.

O ministro Fernando Elísio Freire disse ao anunciar a disponibilização da verba que essa medida demostra que há uma mudança de paradigma no relacionamento com os municípios. Sente isso?

Eu vejo isso como uma coisa fácil. Eu costumo pensar e já o disse várias vezes que os autarcas devem criar condições para que o governo consiga materializar a sua política. Porque se o governo não encontrar nas autarquias ambiente propício não vai conseguir. Ou seja, nos municípios quem desenha a verdadeira política são os autarcas. Dito de outra forma, os autarcas devem facilitar o governo na materialização da sua política. Em Santa Cruz é o que nós andamos a fazer, de acordo com as nossas necessidades, de acordo com a nossa visão e de acordo com a realidade da autarquia. Estou seguro que a nossa visão é uma boa visão, é uma visão do futuro porque estamos perante pessoas conhecedoras da realidade, de pessoas que fazem por amor. Não é por acaso que o nosso lema é Santa Cruz Acima de Tudo. De modo que em Santa Cruz o governo encontra sempre ambiente propício e vamos continuar a garantir uma agenda que permita ao governo materializar a sua política. Logo no início deste mandato nós definimos as nossas grandes prioridades e informamos o governo. Dissemos ‘nós vamos tentar juntos encontrar soluções e as soluções para Santa Cruz são essas: estradas de penetração; linhas de crédito para os operadores económicos; porto para escoamento dos produtos; transportes marítimos de forma regular e formação profissional para podermos qualificar e capacitar os nossos jovens. São, no essencial, essas prioridades que nós identificamos e logo comunicamos ao governo e o governo, de facto, sempre alinhou com a nossa visão que estamos a materializar nas áreas do desporto, da cultura, da área social e da economia. De modo que temos é que criar condições para que qualquer governo que seja consiga materializar a sua política.

Como é que convive com a oposição municipal?

Não consigo encontrar um outro termo que não seja este: ‘o relacionamento é bom, para não dizer muito bom, porque isso também não seria possível’. Bom, eu lhe garanto – o ambiente é saudável, damo-nos bem uns com os outros, encontramo-nos, convivemos. Nas sessões da assembleia municipal há debates no bom sentido. Portanto, o relacionamento com a oposição é saudável em Santa Cruz.

Os autarcas devem criar condições para que o governo consiga materializar a sua política

Para terminar duas perguntas sobre a sua pessoa. Considera-se uma pessoa optimista?

Sou, embora me considere muito humilde. Às vezes sou penalizado pela minha humildade, mas prefiro ser uma pessoa humilde. Há três virtudes que gosto de ter: humildade, isso já tenho suficientemente; ser trabalhador e ser responsável. É óbvio que às vezes humildade e responsabilidade não rimam. Mas prefiro preservar estas três condições – de humildade já tenho suficiente e não quero mais, mas quero ser cada vez mais trabalhador e cada vez mais responsável.

Diz de si próprio que é um semeador. Que é que semeia?

Estou a ganhar a consciência de que o meu verdadeiro papel é ser semeador. O que é que pretendo semear? Um futuro melhor para os santa-cruzenses, porque tenho responsabilidades para com este município. O futuro deste município depende, em boa parte, daquilo que eu for capaz de semear hoje, mas não é qualquer sementeira. Teria que ser uma sementeira da cortiça, mas quem semeia cortiça sabe à partida que ele não colherá seus frutos, porque a primeira colheita demora 50 anos. E o desenvolvimento tem que ser visto nesta perspectiva. Estou a trabalhar sem pensar nas próximas eleições, porque sei que estou neste cargo de passagem. Por isso dou-me bem em Santa Cruz com toda as pessoas independentemente da sua cor política. E isso está a repercutir-se no relacionamento desta câmara com o governo. Nesta câmara não há diferenciação entre quem é do partido A e quem é do partido B. Nem eu sei, nem quero saber. Sei que não posso agradar a todos, mas sei que tenho que apresentar contas e resultados para ganhar legitimidade. É essa é a minha bitola, e é essa minha forma de estar na política.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 869 de 25 de Julho de 2018.

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Santa Cruz

Autoria:António Monteiro,29 jul 2018 7:14

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 jul 2018 8:40

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