Mobilidade e interacção entre povos da CPLP são pretensões por cumprir 22 anos depois

PorExpresso das Ilhas, Lusa,31 dez 2018 8:33

Francisco Ribeiro Telles
Francisco Ribeiro Telles

​Uma maior interacção entre os povos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a livre circulação são pretensões que continuam por cumprir, 22 anos após a constituição daquela organização.

Sobre a mobilidade, o novo secretário executivo da CPLP, o embaixador português Francisco Ribeiro Telles, que assume oficialmente funções na terça-feira, prevê avanços “efectivos e visíveis” na mobilidade interna até 2020. 

Estas promessas passam, contudo, ao lado do cabo-verdiano Luís Graça, motorista de profissão, para quem a CPLP, cuja presidência rotativa está precisamente nas mãos de Cabo Verde, é uma “coisa de amigos”.

“Enquanto cabo-verdiano ainda não vi nada”, atira, assumindo que pouco conhece da actividade da organização, que junta actualmente nove países de língua portuguesa.

Ainda na cidade da Praia, Manuel Honorato, técnico de joalharia, mostra-se mais optimista e acredita que a actual presidência cabo-verdiana representa um momento de “prestígio”.

“Agora, é preciso tirar partido”, disse, defendendo um maior intercâmbio cultural e científico entre os povos e não apenas a livre circulação.

Já o gestor Manuel Lopes vê a CPLP como uma comunidade que deveria ter também uma componente política e económica.

“Acredito que [actual presidência] poderão conseguir mais e, quem sabe, num futuro próximo, a livre circulação dos países da CPLP. É sempre um ganho”, declarou à Lusa.

Entre as cidades da Praia e de Luanda os desejos populares sobre o futuro da CPLP -- que junta além de Cabo Verde e Angola ainda Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Brasil e Timor-Leste - não divergem, apontando ao mesmo: mobilidade e interacção entre os povos.

“Acho que o trabalho que [a CPLP] desenvolve tem tido, sim, reflexos na comunidade e penso que os países devem trabalhar mais em prol do crescimento”, explica Francisco Nascimento, técnico de sistemas eléctricos em Luanda, optimista com uma possível mobilidade quase total entre os países da organização.

Já Narciso Mbuta diz que apenas ouve falar da CPLP nas cimeiras que juntam chefes de Estado, e que quanto a medidas concretas não se reflectem no dia-a-dia. “Precisa mais de divulgação e que as políticas sejam de facto sentidas na vida dos povos”, conta.

Ainda em Luanda, Miguel Luís, professor, também se queixa da falta de reflexos da CPLP para a vida do cidadão comum.

“Sendo uma comunidade a melhoria deveria ser no nível cultural, académico, sei que ainda há um certo nível de fronteiras entre culturas desta mesma comunidade que acho que deveria estar já melhorado e isso, passa por trâmites diplomáticos”, lamentou.

Elcidio Macuacua, professor do secundário na capital moçambicana, entende que há ainda um desconhecimento sobre a realidade dos países membros da organização, destacando a necessidade de uma maior cooperação em áreas como a educação.

“Eu estive recentemente no Brasil e percebi que há pessoas lá que ainda olham para os países [africanos de língua oficial portuguesa] como uma selva. Não sabem o que realmente é Moçambique, apesar de termos uma herança em comum”, afirmou.

Para o docente, o intercâmbio entre estes países poderá ser melhorado com a mudança de consciência sobre o que realmente significa a CPLP para as pessoas.

“Mesmo o tratamento de vistos deve ser revisto. Não pode ser um processo tão complicado como este. Falo de algo que eu próprio senti. Só tive o visto para ir ao Brasil no mesmo dia da viagem, tudo devido a burocracia que ainda existe”, concluiu o professor moçambicano.

Leonel Matusse, jornalista moçambicano, afirmou à Lusa que do “ponto de vista de discurso político, há um aparente interesse de melhora a cooperação entre os países membros”. Contudo, “na base”, na relação entre as pessoas, “há ainda muito por fazer”.

“Por exemplo, o que os alunos moçambicanos sabem sobre a história de Cabo Verde? Não temos nada nos nossos manuais sobre a história destes países e acredito que o problema seja o mesmo do outro lado”, criticou.

Já Albertina Cossa importa produtos de beleza no Brasil para vender em Maputo. Para esta comerciante, a CPLP existe “apenas no papel”.

“Para quem viaja sempre para um país membro da comunidade percebe que não há vantagem nenhuma de pertencer à CPLP. O tratamento que temos é o mesmo e, por vezes, até é pior quando quem te atende é racista”, criticou, assumindo: “Nós falamos da CPLP e, por vez, exaltamos pontos comuns, mas na realidade somos estranhos uns aos outros”.

Também Mário Alberto, estudante moçambicano no Brasil, se queixou da burocracia que existe para quem quer viajar entre dois Estados da CPLP.

“Eu estudo no Brasil há dois anos e ainda assim sinto pelo processo burocrático que temos de passar. O principal problema está no tratamento de vistos. O processo é extremamente lento e sempre muito burocrático”, desabafou.

Também para os cidadãos da Guiné-Bissau, obter visto para viajar para outros países da CPLP é tarefa difícil e com muitas burocracias.

“Notam-se muitas dificuldades, sobretudo para os jovens que querem estudar, fazer formação superior (...) Há burocracias e falta esta parte entre os Estados”, afirmou à Lusa o guineense Edgar Carlos Pires.

Já Magnum Malam vai mais longe e disse que os guineenses, como cidadãos da CPLP, devem ter o “mesmo tratamento que em outros lados”.

“Para alcançar o visto para países de língua portuguesa é muito difícil mesmo”, lamentou, por sua vez, Adalgisa Cabral.

A maior parte dos guineenses procuram vistos para entrar em Portugal e muitos consideram que pode ser “uma história”.

“Para Portugal é difícil, para o Brasil é mais fácil. Para meter documentos na embaixada de Portugal há um transtorno”, afirmou Abubacar Bari.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,31 dez 2018 8:33

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  21 set 2019 23:22

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