É um grande desafio escrever sobre a ilha que me viu nascer. A mais turística de Cabo Verde onde descansam duas das sete maravilhas do arquipélago, a praia de Santa Maria e as Salinas de Pedra de Lume.
Das suas águas cristalinas em tons de azul-turquesa, os seus hotéis cinco estrelas que oferecem férias de sonho em modelo tudo incluído, das suas ondas e ventos propícios à prática de desportos náuticos como o kitesurf e o windsurf muito já se falou.
Não faltam brochuras, anúncios em sites de agências de viagens, operadores turísticos e blogueiros convidando a conhecer este oásis flutuando no meio do Atlântico.
Todas estas maravilhas encareceram a ilha, tornando-a cada vez mais fruto proibido para o nacional que deseja fazer férias cá dentro sem ser obrigado a gastar fortunas. Pois aceito o desafio de mostrar um Sal atraente para quem chega das outras ilhas.
Falemos então de um Sal diferente. O roteiro que nós sugerimos não se limita a passeios de barco, banhos de sol e aulas de mergulho. Muito menos à animação programada dos hotéis. Atreva-se a deitar abaixo os muros cinco estrelas e a misturar-se. Venha conhecer o Sal histórico e cultural.
O guia turístico vai com certeza passar por Regona, Buracona, a praia de Santa Maria, Murdeira e as Salinas de Pedra de Lume, sítio histórico e Património Cultural Nacional construído sobre a cratera de um vulcão adormecido. Há mais de cento e cinquenta anos, o sal destas salinas temperou sabores gastronómicos nas mais diversas paragens do mundo. Escritos antigos dão conta de mais de vinte mil toneladas de sal embalado anualmente e transportado a bordo de veleiros alemães para países da Costa Ocidental da África, do Senegal ao Congo belga e francês, passando pela Guiné, Serra Leoa e Camarões.
Mas merece também uma visita o antigo farol em ruinas de Fiura e a planície de Chã de Pedra, onde, a 15 de Agosto de 1939, aterrou o primeiro avião que tocou solo cabo-verdiano. Não deixe também de visitar o Morrinho das Pedras, grande saliência rochosa de quase 40 metros de altura onde rochas míticas produzem som acústico quando em contacto umas com as outras.
Histórica também é a conhecida ‘Casa do Presidente’ nas imediações da Murdeira. Os mais informados contam que diplomatas e políticos cubanos, angolanos, sul-africanos e cabo-verdianos podem ter esboçado a paz em Angola, aqui mesmo, na ilha do Sal. Esta casa que ainda pode ser visitada serviu de cenário para os encontros secretos entre actores internacionais nos anos 80, durante o apogeu da Guerra civil em Angola.
Ruínas da antiga povoação ‘Madama’, que antecedeu o nascimento da cidade de Espargos resistem aos tempos e podem igualmente ser visitados.
A cidade multilingue que nunca dorme
Passeios de barco, aulas de mergulho e banhos de sol. Imperdíveis sim, mas é quando os barcos descansam serenos atracados na praia que a cidade de Santa Maria acorda. Música ao vivo em cada canto, em cada pequeno bar. A cultura feita ao vivo e a mil cores. Esta é a cidade turística que precisa de ser descoberta. A cidade multilingue que nunca dorme.
Um cartaz anuncia Sílvia Medina e Ricardo Castell. Mais à frente o exímio guitarrista Sandro Pimentel dá um show digno das melhores salas de espectáculos. Paramos para ouvir chorar o sax de Beverly Chadwick, a inglesa que adoptou Santa Maria como sua. Entre ‘coks e bafas’, a música que se ouve é crioula, mexicana, brasileira e americana e transporta-nos numa viagem cultural inigualável e sem destino certo.
Santa Maria é a mais cosmopolita cidade de Cabo Verde. Entre as línguas faladas e ouvidas diariamente, o português, o inglês, o alemão, o italiano, o espanhol, o francês. Mas também não estranhe se ouvir um pouco de portunhol, criolês ou italianês. Oficial mesmo é comunicar e no final de contas é só isso que importa.
Como ir?
A TACV voa todos os dias para a ilha do Sal a partir de ilhas como Santiago e São Vicente e também há barcos que fazem ligações inter-ilhas embora o transporte marítimo esteja a atravessar uma fase menos positiva com menos ofertas. De qualquer modo e se não enjoar não custa tentar já que as viagens de avião encarecem um pouco as férias. Também há voos diários que chegam da Europa através da companhia de bandeira nacional, da TAP e de outras companhias aéreas.
Onde ficar?
São inúmeros os hotéis e resorts instalados na ilha do Sal. No próximo mês de Novembro o visitante poderá contar com mais um hotel cinco estrelas, o Melia Dunas também localizado em Santa Maria a juntar-se aos já existentes. Também com condições excelentes há residenciais e pequenos hotéis com serviços de muita qualidade como o Relax, o Paz e Bem, em Espargos, o hotel Da Luz e o Nha Terra.
Onde comer?
Quando a fome apertar não desespere porque as ofertas são muitas. Restaurantes dos mais finos estão ao seu dispor e muito bem localizados no centro da cidade de Santa Maria. Se, como nós, não tem muito para gastar a dica é optar pela combinação de um serviço sem muita pompa mas com sabor e qualidade. Em Santa Maria, todos conhecem o pequeno barzinho improvisado do Guste, homem de Santiago que há muito tempo escolheu o Sal para viver. Em Espargos a melhor oferta é o Benvass Restaurante mas também vale a pena provar os petiscos de Mari Lunguinha. E que tal um pôr-do-sol em Palmeira, saboreando uma moreia frita na tradicional Casa dos Pescadores?
Dicas ao viajante
Qualquer época do ano é boa para conhecer a ilha do Sal, mas a partir de Novembro começa a verdadeira época alta na ilha que coincide com os meses de Inverno rigoroso na Europa. Nesta altura aumenta o movimento de visitantes que chegam de fora. No entanto, se está no arquipélago aconselhamos os meses de Agosto a Outubro. Com sorte vai poder participar do carnaval de verão do Trio Babel e do road trip Salfari, eventos criados por locais e que se traduzem numa forma divertida e radical de conhecer o Sal.