Em maré de azar o “pai da Constituição” volta a tropeçar

PorOlavo Freire,17 out 2022 8:14

Já havíamos advertido num texto anterior que o Professor Wladimir Brito, quando se encontra em Cabo Verde, permite-se, sabe-se lá por que razão, conduzir com tamanha imprudência em sede de Direito Constitucional, que é praticamente impossível ele não tropeçar ou ter acidentes, por vezes bem aparatosos.

Exemplo paradigmático disso foi a sua infeliz afirmação de que não assiste ao Procurador Geral da República (PGR) legitimidade para requerer a suspensão de mandato de Deputado para ser presente à Justiça. Tal competência assistiria apenas a quem é juiz.

É certo que, na entrevista no programa “Em Debate” da TCV, do passado dia 4 de Outubro, ele lá acabou por emendar a mão e se desculpar.

Fê-lo, porém, de forma fugidia e com alguma astúcia.

Na verdade, aproveitando-se da deixa da solicita jornalista, que, a final, lhe reservou a palavra para “algum assunto que tivesse escapado durante a entrevista” ele, sob a aparência de se estar a corrigir, acabou por de novo verberar a actuação da PGR e da Assembleia Nacional no caso Amadeu Oliveira.

Também como já tínhamos dito, não é indiferente o timing por ele escolhido para se pronunciar de forma tão incisiva sobre um caso pendente na Justiça: sua deslocação a Cabo Verde, para uma conferência na Presidência da República alusiva ao 30º aniversário da Constituição da República, em que deveriam estar presentes, entre outras altas individualidades, representantes dos demais poderes do Estado e, sobretudo, vésperas de muito aguardadas decisões dos Tribunais sobre o referido caso.

É lícito assim inferir que o objectivo desse pronunciamento de Wladimir Brito, no mínimo deselegante para com o Parlamento e o Poder Judicial, e um pouco embaraçoso para a Presidência da República, que o trouxe a Cabo Verde, foi antes de mais persuadir a elite e a opinião pública Cabo-verdianas de que a prisão de Amadeu Oliveira foi (e se mantém) ilegal, tentando com isso influenciar o sentido das aguardadas decisões dos tribunais nacionais.

Mas, terá sido ainda, como é desvendado em texto publicado de seguida por conhecido escritor, o de se criar, com base na sua suposta autoridade de constitucionalista, um ambiente de insuportável pressão, que não deixaria ao Presidente da República, o seu anfitrião, outra alternativa que não fosse vir também a público reputar de inconstitucional a actuação do Legislativo e do Judiciário, no referido caso.

Com isso ficaria satisfeita a contrapartida que lhe tem vindo a ser exigida, semana dentro semana fora, aliás com laivos de extorsão e chantagem, por essa personalidade, que lhe foi muito chegada aquando da campanha eleitoral.

Esperemos para ver se esse expediente, ao que tudo indica engendrado ao milímetro pela astuta dupla, produzirá resultados.

Até lá vamos todos curtindo a soberba autoridade de Wladimir Brito, enquanto constitucionalista.

Até parece que o “pai da Constituição” tem estado mesmo em maré de azar.

Desta vez, abordando na referida entrevista as relações entre o Poder Político e o Poder Judicial, o insigne Professor da Escola do Minho, referiu-se àquilo que ele diz ser o exemplo que nos chega da França, em que, segundo as suas próprias palavras, “é o próprio Presidente da República que preside ao Conselho Superior da Magistratura, sem que daí advenha mal algum ao mundo”.

A mensagem subliminar não podia ser mais clara: se em França é o Presidente da República que preside ao Conselho Superior da Magistratura, tendo como Vice-Presidente o Ministro da Justiça, que mal adviria se em Cabo Verde fosse também assim?

Ora, o erro, diga-se clamoroso, do ilustre Professor está precisamente na premissa de que ele parte para fazer passar a sua mensagem.

É que, ao contrário do que alguns continuam atavicamente a pensar, em França desde a reforma constitucional de 2008, por conseguinte há cerca de 14 anos, que foi retirada ao Presidente da República a presidência do Conselho Superior da Magistratura. Tal como o Ministro da Justiça deixou, com essa mesma reforma, de ser o Vice-Presidente, por inerência, desse órgão.

Mais, essa mudança foi feita precisamente para se pôr termo ao que se tinha por excessivo controlo político sobre o Poder Judicial, pelo qual a França vinha sendo fustigada em vários fora internacionais, nomeadamente no Conselho de Europa.

Por isso mesmo, voltamos a perguntar: porquê que Wladimir Brito descura tanto a preparação, o dever de actualização e o necessário rigor nos pronunciamentos que, em sede de Direito Constitucional, ele faz em Cabo Verde ou para Cabo Verde? Será por autossuficiência ou excesso de confiança?

Seja qual for a razão, a verdade é que não lhe fica nada bem, nem à respeitável tradição académica em que ele se insere, aliás por inteiro mérito, até pela sua autoridade em outros ramos, como Direito Administrativo e Direito Internacional Público, insistir em abordar assuntos jurídico-constitucionais com ligeireza e descuido, como se estivesse a falar para convivas à volta de uma saborosa lagostada.

Cabo Verde e suas gentes, salvo um ou outro menos prevenido, que continua a creditar admiração bovina a tudo que vem de fora, cresceram e evoluíram muito, em conhecimento, na sua sintonia com o mundo e, sobretudo, em exigências e senso crítico.

Quem subestimar esse salto qualitativo que a sociedade cabo-verdiana conheceu, seja ele nacional ou estrangeiro, arrisca-se a meter a pata na poça.

Texto publicado originalmente na edição nº1089 do Expresso das Ilhas de 12 de Outubro

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Autoria:Olavo Freire,17 out 2022 8:14

Editado porAndre Amaral  em  17 out 2022 8:14

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