Dawaun Parker, também conhecido por D.Parker e D-Park, 29 anos, produtor musical e artista, teclista, baterista e guitarrista, vencedor de três prémios Grammy, está em Cabo Verde para participar no Kriol Jazz Festival. Depois de ter completado a formação no Berklee College of Music (considerada a melhor universidade independente do mundo) Parker começou a trabalhar para a editora de Dr. Dre onde compôs e produziu para nomes do rap/hip hop norte-americano, e internacional, como 50 Cent, Eminem, Jay-Z e Snoop Dogg, entre outros. Em 2009, foi o co-autor do single vencedor do Grammy, “Crack a Bottle”, de Eminem, Dr. Dre e 50 Cent, e co-produziu quase todas as faixas do álbum, Relapse, também de Eminem, que venceu o Grammy de melhor disco de rap. Parker venceu o seu terceiro Grammy num novo trabalho com Eminem, em 2010, no albúm Recovery. No início deste ano, Parker produziu «ETHER,» o projecto de estreia de Phil Beaudreau, e o primeiro da editora do próprio Parker – High Renaissance. O Expresso das Ilhas aproveitou para conversar com o produtor norte-americano, que tem raízes cabo-verdianas.
Expresso das Ilhas – Fale-me um pouco do seu caminho. Como foi esse percurso de aluno de música até produtor de alguns dos maiores nomes mundiais do cenário do rap/hip hop?
Dawaun Parker – Nasci em Providence, Rhode Island, e sempre soube da existência da escola de Berklee [em Boston]. Quando estava na escola secundária comecei a tocar piano e a ouvir tudo o que podia. Se passava uma música na rádio, tocava-a no piano e, eventualmente, soube da oportunidade de conseguir uma bolsa em Berklee. Concorri, consegui entrar na escola, onde estudei piano, mas também produção, composição e tive contacto com vários músicos. Quando terminei o curso soube que o Dr. Dre estava à procura de um teclista para as suas produções. Voei no dia seguinte, fiz a minha audição e acabei a trabalhar com ele. Comecei logo a trabalhar com grandes artistas como 50 Cent, Busta Rhymes, Jay-Z, Snoop Dogg. Colaborei com todos eles durante o meu primeiro ano de trabalho com o Dr. Dre e continuei a partir daí, assim como com outros artistas. Actualmente, tenho também trabalhado com o Beaudreau na companhia que estamos a construir juntos.
E como está a correr esse trabalho por conta própria?
Diria que estamos a dar os primeiros passos. A editora chama-se High Renaissance, para já tem só um artista e estamos a começar a construir o nosso caminho.
Qual o segredo de um bom produtor?
Essa é uma pergunta armadilhada. Mas, acho que um bom produtor é aquele que dá ao artista uma visão. Sem um artista, ou sem música para produzir, nós não temos trabalho, por isso temos de o deixar contente, mas também fazer com que consiga dar-nos o seu melhor.
Quanto do artista e quanto do produtor estão no trabalho final?
Eu diria que o produtor está mais próximo do seguimento do trabalho, fazendo com que que o produto final soe como todos acham que deve soar. Somos responsáveis por traduzir para o público a visão do trabalho do artista. Sou produtor e também músico, por isso acho que consigo fazer bem o meu trabalho. Mas os músicos são sempre os autores, as pessoas que escrevem, as pessoas que compõem.
Muitas vezes ouvimos os músicos a falar no sentimento de compor, num trabalho mais intuitivo. O Dawaun tem também por trás essa formação universitária. Esse estudo é igualmente importante?
Sem dúvida alguma.
Não pode ser só intuição.
Não. Tem de ser uma espécie de yin-yang [dualidade]. Claro que há quem tenha estudado e saiba muito da técnica e não passa disso. Como há aqueles que só têm mesmo a intuição. O melhor é ter ambos. Conseguir compreender as coisas que não se conseguem articular, como os sentimentos e a emoção, e ter a capacidade de pegar nessa emoção e transformá-la em criação. Isso consegue-se mais facilmente quando sabemos o que estamos a fazer e o que queremos comunicar.
E como é trabalhar com os melhores dos melhores? É fácil ou eles costumam ser duros com o produtor?
O Dre [Dr. Dre] é um tipo duro. Mas ouve-me. Agora. (risos) Tive de trabalhar muito para que ele amolecesse. O Eminem é provavelmente o meu artista favorito de todos com quem trabalhei até agora. Porque é muito intenso e muito focado. Se ele está na sala, enquanto trabalhamos, quando gosta de alguma coisa começa a acenar a cabeça e depois diz-nos: ‘passa-me isso quando acabares para que eu possa trabalhar no material’. E depois disso ele regressa, dá-nos o CD e pergunta-nos sempre: ‘o que achas disto?’. O seu sentido de ritmo é extraordinário. Parece um baterista, apesar de ser um rapper. O Busta Rhymes tem uma óptima energia, o 50 Cent tem uma boa energia… Mas, no Eminem, conseguimos ver todo o seu talento. É muito profissional.
Falando do processo criativo. Como é que sabe que uma música vai funcionar?
Acho que é quando consigo uma reagir à própria música. Às vezes, durante o processo de composição, tenho aquele sentimento de ouvir algo e gostar realmente desse som. O meu primeiro instinto é achar que temos ali qualquer coisa. Quando isso acontece, pego nesse início de trabalho e tento desenvolvê-lo. Se esse sentimento continua durante o processo criativo, é altura de mostrar a música e se a reacção dos outros também for boa, aí é quando sabemos que a música pode funcionar.
E esse processo começa por onde?
Isso pode mudar, mas geralmente começa com o ritmo – a bateria. Outras vezes, sento-me ao piano e limito-me a tocar progressões de acordes até que chego a uma melodia que me agrada e começo a ouvir o ritmo na minha cabeça, e depois crio-o por cima da malha do piano. Mas, diria que 60 a 70 por cento das vezes começo com a bateria e vou construindo por cima desse ritmo.
O rap e o hip-hop são essencialmente músicas urbanas. Ligados a um contexto de ghetto, de minorias, muitas vezes de pobreza. No entanto, são géneros que continuam a ser consumidos passados estes anos todos do seu aparecimento. Como podemos explicar esse fenómeno?
Bem, há muita gente que anuncia todos os dias a morte do rap (risos). Mas a verdade é que continua a haver gente que trabalha de forma muito autêntica. O hip hop é ainda hoje a cultura da juventude, a cultura do que se passa nas ruas, do que se passa nos ghettos, mas agora é também do que se passa nos subúrbios. Antes, só tínhamos pessoas de uma determinada zona como sendo as que tinham as referências autênticas do que é o hip hop, mas hoje há artistas que vêm dos subúrbios, mesmo de zonas mais ricas, que são capazes de entender essa cultura. Pessoas como o Drake, que não é originário de zonas pobres, que veio do Canadá, mas que é hoje celebrado como um dos grandes rappers da actualidade, e respeitado por toda a gente, porque mostra que conhece a tradição. Ouvimos o que ele canta, estudamos a sua rima, a sua cadência, e é tudo muito profissional e de alto nível.
E como analisa as misturas de estilos. Por exemplo, grupos como os Beastie Boys que combinavam o rap com o rock? Penso que os puristas não devem achar grande piada.
Acho que o hip hop, no fundo, é criado a partir de pequenas peças de outros géneros. Diria que o hip hop hoje é a reconstrução e a reinterpretação de todos os outros estilos musicais. Eu continuo a gostar de ouvir os trabalhos dos Beastie Boys. Aliás, o primeiro single do último disco do Eminem foi produzido pelo mesmo produtor que esteve por trás das músicas dos Beastie Boys e tem até algumas similaridades em termos sonoros. Há também quem esteja a pegar no rock progressivo e a construir hip hop a partir dessa base, pode não ser rock clássico, mas definitivamente tem os elementos do rock como as guitarras e a distorção. E há um outro grande impacto: a música electrónica. Aliás, a tecnologia tem actualmente um grande impacto na produção do hip hop.
Eu vi-o num vídeo a falar da MASCHINE [instrumento electrónico táctil que permite criar ritmos, harmonias, melodias, etc.].
Sim, posso compor à vontade apenas com a MASCHINE e um computador portátil. Ou seja, os sintetizadores, os samplers, as baterias electrónicas, os instrumentos virtuais têm uma grande influência nos criadores actuais.
E não se perde a alma do rap? Aquele minimalismo da voz e beat box [percussão feita com a boca]?
Eu acho que a alma do rap é a poesia. Penso que o beat box é um dos elementos da família do hip hop, e será sempre, não quero dizer um primo mas um irmão. Mas, nem sempre é necessário para uma canção. Sei que há puristas do hip hop que poderão estar desiludidos com a perda de importância do beat box, apesar de ainda haver quem a saiba usar. Para mim, hoje, o hip hop é mais o ritmo e a rima. A mim o que me faz vibrar é um MC que seja um grande poeta [o MC é quem ajuda o trabalho do DJ, pois enquanto este «passa» a música, o MC interage com o público, criando um ambiente mais envolvente. Os MCs também compõem e cantam o seu próprio material, ou então improvisam, criando letras no momento].
Temos estado a falar do Parker produtor. E em relação ao seu trabalho a solo?
Vou entrar em estúdio em breve com o Beaudreau, de que te falei há pouco, para trabalhar num projecto que quero pôr cá fora. Grande parte do trabalho já está feito – chama-se Decision.
Vou estar atento. O que conheces da cena hip hop cabo-verdiana?
Ainda não conheço muito, mas tenho aproveitado estes dias para de familiarizar, já estive com alguns DJs e ouvi música que gostei mesmo muito. Já ouvi também alguns rappers nas jam sessions, mas preciso de ouvir mais.
O que conhecias da música cabo-verdiana? Presumo que Cesária Évora.
Claro. Aliás, se escreveres no Google ‘música de Cabo Verde’ é o nome que te aparece.
Estás disponível para trabalhar com os músicos cabo-verdianos?
Com certeza. Não só se sentir que podemos criar bons produtos como também para experimentarmos uma partilha apenas porque gostamos de música. Aliás, essa foi uma das razões porque vim aqui, gosto de encontrar novos talentos em todos os sítios onde vou. Especialmente aqui, uma vez que tenho raízes em Cabo Verde.
Cabo Verde está a começar a abrir ao mundo a sua produção musical, por isso a minha última questão é o que podes aconselhar a quem está a começar uma vida artística?
Isto pode soar a cliché, mas, o que eu aconselho é que as pessoas sejam elas mesmas. Sejam completamente honestos em relação à vossa experiencia e à vossa mensagem. Penso que há demasiadas pessoas no mundo a tentarem imitar o que ouvem, a imitar o que pensam que é o sucesso, mas os mais bem-sucedidos são os mais autênticos. Aliás, os artistas que eu tenho descoberto são esses, aqueles que são verdadeiros. Encorajo toda a gente, principalmente os rappers, a cantarem sobre a sua vida, não precisam de ser histórias literais sobre a sua realidade, ou biográficas, mas devem cantar sobre aquilo que conhecem, sobre aquilo que aspiram, ou histórias que conheçam. O importante é que sejam verdadeiros com o estilo que escolherem, que representem bem a realidade a que pertencem.
E hoje mostrar o que se faz é mais simples, penso eu, porque a internet veio revolucionar também o mercado.
É por isso que aconselho a serem verdadeiros, a serem vocês próprios e fieis à vossa arte. Porque hoje podem fazer com que o vosso trabalho chegue a qualquer parte do mundo. Assim como é mais fácil colaborar com pessoas de todo o planeta, se o quiserem.