Chama-se Thais Brito Anopueme, tem 22 anos e é modelo, figurante e produtora de eventos. Ainda este ano, poderemos vir a vê-la de relance, em alguma cena da novela que a TV Record acaba de estrear no Brasil, Escrava Mãe, a prequela de A Escrava Isaura que tem algo em comum com a famosa série americana Game of Thrones.
Que grande parte dos cabo-verdianos adoram as telenovelas brasileiras não é novidade. Seguem-nas religiosamente, fixam os nomes dos actores, e emocionam-se com o enredo. Ao que se sabe, o que até hoje não tinha acontecido era haver nos créditos de uma telenovela o nome de algum actor cabo-verdiano. O nome de Thais Briito, assim com dois ii, está na lista do elenco de figuração da telenovela Escrava Mãe que estreou no Brasil nos últimos dias de Maio.
Descendente de gentes de São Nicolau, Thais é neta, sobrinha e prima de cabo-verdianos. Nasceu em São Paulo, onde vive até hoje numa pequena cidade chamada Santo André, sendo filha de uma brasileira de origem cabo-verdiana e de um nigeriano.
As primeiras experiências no showbiz foram como modelo. A jovem desfila, participa em concursos para modelos e fez também alguns comerciais.
Trabalha como freelancer, sobretudo para a empresa DK Produções Artísticas & Eventos, fazendo figurações em programas de várias emissoras, filmes e séries.
“Tem vezes que me chamam do nada, em cima da hora, ou me chamam com antecedência”, conta ao explicar que, na semana em que a contactamos, tinha sido solicitada para vários trabalhos.
E de facto, pudemos acompanhar por uma rede social, registos da sua participação em programas de emissoras como a Rede TV, a Comedy Central e também a Record (onde, por exemplo, já tem participado no programa da apresentadora Sabrina Sato).
Netflix
“Eu faço vários tipos de figurações. Recentemente eu fiz de uma série nova brasileira da Netflix que se chama 3%. Também participei de outra série da Netflix, a Sense 8”, conta a jovem parecendo não se dar conta de que se trata de uma série de culto, criada pelas irmãs transgénero Lana e Lilly Wachowski, as autoras da célebre trilogia Matrix.
Fazer figuração não é tão fácil como pode parecer à primeira. Por vezes, Thais tem que sair de uma participação num programa de auditório de várias horas para ir logo a seguir marcar presença em outro. Isso tudo de madrugada.
Mas a jovem mostra-se bastante feliz com os trabalhos que tem conseguido e com as amizades que vai fazendo, merecendo também elogios dos que com ela trabalham.
Sobre a oportunidade de ter uma participação na telenovela Escrava Mãe, a modelo não poderia ter apreciado mais. “Fiz a novela Escrava Mãe no final do ano passado. As filmagens foram numa fazenda enorme e linda na cidade de Paulínia. Consegui a figuração através de um amigo que faz gravações comigo”.
Uma experiência diferente de tudo o que até aí tinha feito, a começar pelo figurino de época.
“Tínhamos que tirar o soutien (por naquela época não existia), usar 3 saias longas, um turbante e, na cintura um pano amarrado. Íamos para a locação de chinelas e gravávamos descalços no mato”, relata divertida lembrando também que teve que usar maquilhagem especial pois a achavam demasiado “branca”.
“Chamaram muitos haitianos (para a figuração) e eu era muito clara comparada a eles…Aí tiveram que me “pintar” com uma tinta meio vermelha e marrom, parecia barro, pra escurecer a minha pele”. Também teve que sujar as unhas e passar um óleo na pele para parecer que suava.
Como lembrança menos agradável refere o sol intenso, e no leque de recordações positivas destaca os almoços – verdadeiros banquetes – onde figurantes, equipa de produção e actores principais comiam todos juntos.
A mãe de Isaura
Escrava Mãe foi gravada no segundo semestre de 2015 e estava previsto estrear ainda nesse ano mas, após sucessivos adiamentos relacionados a estratégias da emissora para garantir boas audiências, o primeiro episódio foi ao ar a 31 de Maio passado. Conseguiu na estreia a vice-liderança nas audiências nacionais referente ao horário de exibição (o chamado horário de novela das 7h) e vem conseguindo segurar o interesse do público brasileiro.
Escrita por Gustavo Reiz, a novela é livremente inspirada na obra literária A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, também já adaptada pela TV Record em 2004, com a actriz Bianca Rinaldi a fazer o papel da escrava branca que sofria às mãos do dono, Leôncio.
Desta vez, recua-se no tempo para contar a história da mãe de Isaura, Juliana. A trama começa com a captura da avó de Isaura, Luena, em Angola. Levada para o Brasil num navio negreiro, ela é violentada durante a travessia e, depois de chegar ao seu destino e conseguir fugir, vem a dar à luz uma menina. Juliana, essa filha, irá viver uma história de amor com um português acabado de chegar ao Brasil, e que virá a ser o pai de Isaura.
Do elenco desta superprodução fazem parte alguns nomes conhecidos dos cabo-verdianos como Zezé Motta, Luíza Tomé, Bete Coelho, Jussara Freire e Thaís Fersoza, entre outros, nos papéis principais.
Preocupada com possíveis criticas a cenas de violência e humilhação com os actores negros que interpretam os escravos, o autor da trama optou por recorrer à narração em off, pela voz de Zezé Motta, para relatar as atrocidades sofridas pelos negros.
A Record, apostada em travar uma luta pela audiência com a Globo, investiu pesado. Os figurinos, que têm sido muito elogiados, foram produzidos por um atelier italiano que trabalha com séries americanas de prestígio, como é o caso de “Game of Thrones”, também atentamente seguida por algum público cabo-verdiano.
Outro “luxo” e inovação tecnológica na teledramaturgia brasileira é o uso de um formato ainda superior ao HD, a novela foi toda gravada em resolução 4K (UHDTV).
Segundo o serviço de Relações Públicas da Record Cabo Verde a produção não tem ainda data marcada para entrada na sua grelha de programação.
A primeira Isaura
A Escrava Isaura é um romance da autoria do escritor brasileiro Bernardo Guimarães, publicado com grande sucesso em 1875.
Quase exactos cem anos depois a TV Globo estreou, em 1976, a primeira adaptação da obra para a TV. A telenovela foi dirigida por Gilberto Braga e protagonizada por Lucélia Santos, que se tornou numa estrela mundial já que o folhetim de 100 episódios é até hoje o maior sucesso internacional da Globo.
Exibida em mais de 80 países, inclusive por duas vezes em Cabo Verde, essa versão da Globo teve o poder de contornar, em alguns países, grandes problemas políticos e sociais.
A história da escrava de tez clara, perseguida e assediada pelo seu dono, emocionou o mundo. Recriação de uma época terrível da história brasileira e mundial, o tema da escravatura do povo negro e da luta abolicionista também impressionou audiências.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 761 de 29 de Junho de 2016.