20 Marcos Culturais do Pós-Independência

PorChissana Magalhaes,15 jul 2016 17:10

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 O número da vez é o 41 – XLI Aniversário da Independência Nacional – mas foram apenas 20 os grandes marcos culturais da pós-Independência que o Expresso das Ilhas escolheu para assinalar a efeméride. De 5 de Julho de 1975 a 5 de Julho de 2016 foram vários os momentos, feitos e acontecimentos culturais de grande relevância, pelo que escolher apenas 20 marcos constituiu à partida um exercício algo complicado e com o seu quê de temerário. Tentando principalmente uma representatividade de campos artísticos e culturais, e das décadas até aqui vividas, os momentos que assinalámos são, sobretudo, de grande simbolismo e/ou pioneirismo. Feitos e factos cujas repercussões e influências ainda se farão sentir nas décadas vindouras.

 

 

TEATRO

1975 - Korda Kaoberdi e o batuko no palco de teatro

Dois meses passados da proclamação da independência, estreia-se o grupo de teatro amador Korda Kaoberdi (Acorda Cabo Verde). Com o forte objectivo de promover a cultura nacional, o grupo integra a batucadeira Tchim Tabari (Cipriana Tavares, 1922- 2003) e actua nas ilhas de Santiago, S. Vicente e Fogo antes de seguir para a Guiné-Bissau, onde é uma das atrações da comemoração do 1ª aniversário da Independência. Em 1981 leva, com grande sucesso, a peça Rei da Tabanca ao Festival Internacional de Teatro Ibérico, no Porto.

 

LITERATURA

1977- Geração da Independência no resgate às raízes e desbravando novos caminhos

Numa altura em que o poder ainda se firmava e como tal tinha muita proximidade das manifestações artísticas e culturais que surgiam nas ilhas, ao poeta Mário Fonseca, juntam-se nomes como Oswaldo Osório, Arménio Vieira, Jorge Carlos Fonseca, Vera Duarte, Dulce Almada Duarte, Arnaldo França, Maria Margarida Mascarenhas, entre outros, para criação da revista Raízes. Sem anunciá-lo, o colectivo praticava a liberdade estética-ideológica e a liberdade criativa ao mesmo tempo que resgatava autores pré-claridosos como Eugénio Tavares e Guilherme Dantas, entre outros. Uma geração da literatura nacional nasceu ou firmou-se aí.

 

ARTESANATO

1978 - Nasce o primeiro laboratório de pesquisa e criação de artesanato

 Logo a seguir á Independência, em 1976, o casal Luísa Queirós e Manuel Figueira criou a Cooperativa Resistência. Segundo a artista conta em entrevista ao portal online Buala, às novas técnicas que trouxeram de Portugal – na tecelagem, batik e tapeçaria – juntaram o aprendizado recolhido junto a velhos mestres artesãos de Santo Antão e Santiago. Estas inovações, investigação e muitas outras dinâmicas criativas levaram para o Centro Nacional de Artesanato (1978 -1989) juntamente com Bela Duarte. Já no sec. XXI, o centro ressurge como Centro Nacional de Artesanato e Design, que no ano passado inaugurou a exposição Urdiduras, onde recupera parte das criações do trio de artistas.

 

LITERATURA

1978 - Ilhéu de Contenda, o primeiro grande romance do novo país  

Um marco não só por constituir-se “uma baliza do segundo realismo da ficção cabo-verdiana, pela sua novidade no que diz respeito ao aprofundamento da questão social que se inicia com a primeira geração claridosa” (José Luis Hoppfer Almada), mas também pela epopeia que foi a sua publicação, 25 anos depois. Segundo texto da jornalista Gláucia Nogueira na revista Alfa Comunicações o começo do primeiro romance de Teixeira de Sousa surge na segunda metade dos anos 40 com o título “Sobrado”. Foram precisos quase 30 anos para retomar a história e, após o 25 de Abril, começou a tentar a sua publicação junto das editoras, o que viria a conseguir em 1978. Em 1995, a obra seria adaptada ao cinema.

 

LÍNGUA

1979 - Colóquio Linguístico de Mindelo cria o embrião do ALUPEC

A realização do primeiro grande encontro para discussão sobre a Língua Cabo-verdiana, na cidade do Mindelo, resultou na proposta de um alfabeto que inspiraria, em 1994, a criação do ALUPEC - Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano. O colóquio de 79 abriu caminho para a publicação do primeiro romance em crioulo cabo-verdiano: “Oju D’Agu” de Manuel Veiga, em 1987. Em 1998 o ALUPEC seria aprovado pelo parlamento como o alfabeto oficial para a escrita da língua materna nacional.

 

MÚSICA

1980 - Bulimundo, pioneiros da moderna música cabo-verdiana

Em 1980 o grupo musical Bulimundo,  fundado em 78, actua pela primeira vez no Plateau, o centro do país. É um momento simbólico depois de décadas de marginalização do funaná, género que até 1975 estava limitado ao meio rural (Katchás, jornal Tribuna, Ed. Dez. 1986). Ainda em 80 actuam pela primeira vez em França e Holanda e lançam o primeiro LP, “Bulimundo”, onde registam as várias inovações técnicas e estéticas  introduzidas no funaná e na cena musical nacional. Em 1981 chegam ao auge com nova digressão pela Europa e pelos EUA; gravam mais LPs e regressam ao país com anúncio de novo disco: “Batuco”. Instala-se no país a febre do funaná. 

 

TELEVISÃO

1984 - Cabo Verde fica mais perto e abre as portas ao mundo

A televisão tem um papel preponderante no nosso processo de desenvolvimento que, sem dúvida nenhuma, tem de assentar, essencialmente, nos verdadeiros valores culturais do nosso povo e do nosso país”. Palavras de Aristides Pereira, antigo Presidente da República, depois de uma visita à Televisão Experimental de Cabo Verde, segundo artigo Breve Historial sobre a Televisão de Cabo Verde, de Margarida Fontes. 

Em Março de 1984 iniciaram-se as emissões de televisão em Cabo Verde e um novo mundo abriu-se aos Cabo-Verdianos. Em Santo Antão viam dançar funaná em Santiago, no Fogo assistiam ao carnaval de Mindelo. Mesmo com o serviço experimental a ser várias vezes interrompido, a televisão viera para ficar e mostrar a cultura das ilhas. Em Junho de 90 passou de TVEC a Televisão Nacional de Cabo Verde.

 

MÚSICA

1984 - Baía das Gatas, o primeiro

No calor do verão de 1984, Dany Mariano, Voginha, Vasco Martins, Vlú, Lúcio, Blimundo e Tony Miranda, Daniel Medina, entre outros colaboradores, inspirados pelo documentário Woodstock (Michael Wadleigh,1970) decidem tirar os mindelenses da cidade para lhes oferecer boa música no embalo das ondas do mar. Nascia o Festival de Música Baía das Gatas que, nessa primeira edição de orçamento reduzido, teve em palco a ainda desconhecida além-fronteira, Cesária Évora, entre outros músicos locais.

Com os anos o leque de artistas foi se diversificando até incluir artistas e bandas de renome internacional. O Baía das Gatas viria a influenciar a criação do Festival da Gamboa (1992) e demais festivas de praia.

 

LITERATURA

1986 - Os 50 anos de Claridade

Mindelo acolheu em Novembro de 1986 o Simpósio Internacional sobre Cultura e Literatura Cabo-verdiana que assinalou o cinquentenário da revista Claridade. Abílio Duarte referiu-se então ao encontro como “o acontecimento mais marcante do pós-Independência”. Estavam presentes os fundadores Baltasar Lopes da Silva e Manuel Lopes e participaram ainda Félix Monteiro, Gabriel Mariano, Teixeira de Sousa, Mário de Andrade, Henrique Santa Rita Vieira, Yolanda Morazzo, Renato Cardoso, Manuel Delgado e, entre outros, um jovem Manuel Brito-Semedo. Trinta anos depois seria ele o organizador das Actas do Simpósio publicadas em livro pelo Ministério da Cultura.

LITERATURA

1989 - O Testamento e a internacionalização da literatura Cabo-verdiana

Em 1989, um advogado de Mindelo (natural da Boa Vista) com alguns contos publicados na revista Ponto&Virgula e o livro O Dia das Calças Roladas, lançou pela Ilhéu Editora o romance “O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo”. Em 1991 a editora Caminho publica a obra de Germano Almeida em Portugal. Nesse mesmo ano ele ganha o Prémio Marquês de Vale Flor. Em 1995 teve a sua primeira tradução para o Francês. A tradução inglesa chegaria somente em 2004. Hoje é, muito provavelmente, o romance cabo-verdiano mais traduzido de sempre.

Em 1997 chegaria ao cinema numa adaptação de Francisco Manso, protagonizada pelos actores brasileiros Nelson Xavier, Maria Ceiça e Chico Diaz que veio a receber, entre outros, o 1º Prémio do Festival de Cinema de Gramado, no Brasil.

 

MÚSICA

1991 - Mar Azul chega ao mundo

Césaria Évora faleceu em Dezembro de 2011 como o maior ícone da música e cultura cabo-verdiana. A fama e o reconhecimento internacional foram cimentados com vários prémios, entre os quais um Grammy Award for Best Contemporary World Music Album por “Voz D’Amor “, em 2004, e uma condecoração do governo francês. O ponto de viragem na carreira da Diva dos Pés Descalços foi o lançamento, em 1991, pela Lusafrica (de Djô da Silva) do disco “Mar Azul”. É com este álbum que se lança na carreira internacional , que viria a decolar em definitivo com o CD “ Miss Perfumado”. Hoje não existe maior referência de Cabo Verde no mundo do que Cise.

 

DANÇA

1994 - Raiz di Polon meets Clara Andermatt

Um dos vários grupos de dança que surgiram nos finais dos anos 80 e inícios de 90, foi com a viagem de alguns elementos do Raiz di Polon a Portugal, em 1994, que a essência do trabalho do grupo alterar-se-ia de forma definitiva. Ali, através do projecto Dançar Cabo Verde de Clara Andermatt e Paulo Ribeiro, entraram em contacto com a dança contemporânea europeia. No regresso, trouxeram um novo estilo que passa a ser a sua matriz para as novas coreografias. A nova estética que trazem para a dança cabo-verdiana rende-lhes cada vez mais adeptos à medida que acumulam digressões internacionais. O grupo ganha a posição de referência maior da dança nacional. 

 

CINEMA

1995 - Ilhéu de Contenda no grande ecrã

Leão Lopes, artista multifacetado, pega na obra de Teixeira de Sousa e adapta-a ao cinema. Seria a primeira longa-metragem de ficção cabo-verdiana e o primeiro filme produzido com o apoio do Instituto Cabo-verdiano do Cinema, que entretanto seria extinto.

Dois anos depois da produção, em 1997, Ilhéu de Contenda ganha o prémio de Melhor Música no célebre FESPACO - Panafrican Film and Television Festival of Ouagadougou, Burkina Faso (a banda sonora é quase totalmente composto de músicas de Cesária Évora). Viria ainda a conquistar o primeiro prémio do Festival de Cine Internacional de Ourense, em Espanha.

 

TEATRO 

1995 - Mindelact, referência em África e na Lusofonia

A associação Mindelact foi formada no ano de 1996 e reconhecida juridicamente em 1997. Porém o marco que assinalámos é a primeira edição do festival de teatro, que em 1995 reuniu no mesmo palco grupos de S. Vicente e de Santo Antão. No ano seguinte o evento tornar-se-ia nacional, incluindo grupos teatrais de várias outras ilhas. E só foi preciso mais um ano para João Branco, o rosto e a voz do Mindelact, investir na internacionalização. Em  2005 é apontado como “o mais importante evento teatral de África”. Hoje o Mindelact é uma referência incontornável do teatro a nível da lusofonia e do continente africano.

MÚSICA

2001 - Pantera, o derradeiro inovador da música tradicional cabo-verdiana?

Em início de carreira Orlando Pantera já era reconhecido - foi nomeado para Melhor Compositor do Ano em 1993 e passou a integrar os míticos Os Tubarões. Em 2000 foi premiado Artista Revelação no festival internacional Sete Sóis Sete Luas, em Santo Antão. Bem antes disso, já se dedicava à pesquisa dos géneros tradicionais de Santiago, aos quais viria a conferir uma nova roupagem sem deturpar a sua essência. Revelando um talento extraordinário e um carisma contagiante, foi essa inovação sobre o tradicional que Pantera deixou como legado quando faleceu, em Março de 2001, aos 33 anos. Preparava a gravação do seu primeiro CD a solo.

Nesse início de século e de um novo milénio, Pantera deixou uma herança que influenciou enormemente uma nova geração de músicos que nos anos seguintes conquistariam os cabo-verdianos e não só: Mayra Andrade, Vadú, Tcheka, Princezito e Lura destacam-se na baptizada de “Geração Pantera”.

 

MÚSICA

2003 - Cabo Verde teve uma ópera

Mindelo era nesse ano a capital lusófona da Cultura. Na Rua de Lisboa cerca de 80 pessoas dividem-se entre o palco e os bastidores naquela que é a primeira ópera cabo-verdiana, intitulada justamente Ópera Crioulo. O jornal Paralelo 14 relata que instrumentos de corda, percussão e vozes fazem soar “no coração do Mindelo toda a idiossincrasia do povo cabo-verdiano’’. Foram cerca de 35 mil pessoas a assisti, a aplaudir e a pedir bis a António Tavares (maestro e coreógrafo) e Vasco Martins (compositor e director musical), os criadores dessa obra nascida da composição “Lágrimas na Paraise’’ de Martins (1993), e que trazia a escravatura e a sua influência na história de Cabo Verde como pano de fundo.

Em 2009 uma adaptação da Ópera Crioulo estreia no Centro Cultural de Belém, em Portugal, com lotação esgotada.

 

MÙSICA

2009 - O jazz é crioulo

Quem imaginaria um dia ver e ouvir ao vivo, todos os anos, na Pracinha da Escola Grande (Praça Doutor António Lereno), no Plateau, nomes como Lenine, Esperanza Spalding, Richard Bona, Ismaël Lô, Jowee Omicil, Jaques Morelenbaum, Chico Cesar, Manhattan Transfer, Ballake Sissoko, Céu, Manu Dibango, Cindy Blackman-Santana e Habib Koité entre tantos outros que têm sido trazidos a cabo Verde pelo Krioll Jazz festival?

Já lá vão seis anos desde a primeira edição do evento que passou a marcar com grande qualidade a agenda cultural do país. Repercutindo positivamente no exterior (foi eleito pela prestigiada revista britânica Songlines um dos 25 melhores festivais de world music do mundo) o KJF abriu portas ao AME e impulsionou outros eventos de jazz no país.

 

PATRIMÓNIO

2009 - O berço da nação cabo-verdiana tem “valor universal excepcional”

O ano de 2009 foi marcante para a cultura nacional. Nesse final de década, o trabalho de vários anos na preparação do dossier de candidatura de Cidade velha viria finalmente a render a classificação da Cidade Velha pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, passando Cabo Verde a figurar na lista de países que acolhem bens de um “valor universal excepcional”.

Ainda em busca do melhor modelo de gestão e de estratégias que rentabilizem o seu status, o centro de Ribeira Grande de Santiago viu entretanto o seu número de turistas crescer de cerca de 3000 mil em meados da década para dezenas de milhares na actualidade.

 

LITERATURA

2009 - A lusofonia rende uma vénia ao Conde

Um dos prémios maiores da literatura lusófona - que já distinguira nomes como Jorge Amado, José Saramago, Pepetela, Sophia de Melo Breynner Andressen, Lobo Antunes e José Luandino Vieira – distingue pela primeira vez um autor cabo-verdiano. Arménio Vieira, o Conde, é agraciado pelo conjunto da sua obra, iniciada com os poemas publicados no Boletim de Cabo Verde e nas revistas Seló e Raízes. Depois viriam os livros Poemas e O Eleito do Sol.

O Prémio Camões deu novo impulso à carreira do escritor que desde então já publicou 3 volumes de poesia na chamada “Trilogia do Brumário”.

 

MÚSICA

2013 - Praia, o mercado atlântico da música

Quatro edições depois da estreia, a Atlantic Music Expo, criação do então ministro da Cultura Mário Lúcio Sousa, é hoje um ganho incontestável para Cabo Verde. Reconhecido e valorizado internacionalmente, o encontro anual de músicos do mundo na cidade da Praia já rendeu ao país referências na grande midia internacional e consequente fluxo de turistas.

A WOMEX, a “mãe” de todas as exposições mundiais de música, referiu-se este ano ao AME como tendo se tornado “um poderoso think-thank à volta de temas como a crioulização, o papel da Cultura no desenvolvimento e a advocacia pelo mercado musical africano”.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 762, de 06 de Julho de 2016.

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Autoria:Chissana Magalhaes,15 jul 2016 17:10

Editado porChissana Magalhaes  em  19 jul 2016 15:30

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