Chegou ontem às rádios a nova música de Hélio Batalha, “N Kre Tem”, o último single antes do lançamento do seu primeiro disco, “Carta d’Alforria”, marcado para 28 de Novembro.
A música tem também a voz do cantor de kizomba Ravidson, e fala “das coisas que eu mais quero ter”, conta o rapper em exclusivo ao Expresso das Ilhas.
“Fiz esta música há alguns anos, quando a minha filha esteve doente e internada no hospital. Foi um mau momento em que me apercebi de que as coisas que mais têm valor não podem ser compradas com dinheiro”.
Sempre interventivo a nível social, Batalha associou o lançamento do single às necessidades sentidas nas comunidades mais vulneráveis e pelos jovens, promovendo na sua página de Facebook uma campanha em que os fãs deveriam mandar uma fotografia a ilustrar o desejo (kre tem) para essa comunidade.
Também o vídeo do single está disponível para compra no canal virtual Muzika TV, com os ganhos a serem canalizados para a ONG Castelos de Sal que apoia crianças em risco.
Só quem não acompanha atentamente a juventude urbana cabo-verdiana ignora que Hélio Batalha é um fenómeno junto dessa faixa da população. O rapper – MC, como prefere autodenominar-se – lançou ontem um novo single, o último antes de sair, finalmente, a Carta D’Alforria, o seu primeiro CD.
Para quem segue Hélio Batalha desde os primeiros passos na música, registados na mixtape Selvas de Pedras, não há dúvidas: está mais confiante, mais solto, consciente da presença forte que tem em palco e da influência que exerce sobre uma pequena legião de seguidores que não perdem oportunidade de assistir às suas actuações e têm as letras das suas músicas na ponta da língua.
“É gratificante para mim perceber que, muito mais do que cantar, há quem assimile e tire algo positivo do que escrevo. Este é o meu objectivo máximo e fico satisfeito que algo de bom esteja a surgir a partir das minhas músicas, que esteja a provocar mudanças”.
O jovem de 25 anos fala muito em mudanças, em ver “um mundo melhor”. Talvez por isso tenha sentido que a só a música não era suficiente enquanto ferramenta de activismo social e tenha abraçado uma missão mais “palpável”. É há já algum tempo padrinho da ONG Castelos de Sal, que trabalha com crianças vulneráveis da ilha do Sal.
A música agora lançada - N Kre Tem, com a participação de Ravidson – foi disponibilizada para compra no canal online Muzika TV com os fundos angariados a reverterem para esta associação.
Mas esta é apenas mais uma das vertentes do seu activismo. O rapper também tem realizado shows beneficentes e palestras em escolas e universidades onde fala a jovens sobre o seu percurso e as suas causas.
“A minha maior causa enquanto MC é ver um mundo melhor. Tento provocar reflexão nos meus próximos, de modo a provocar mudanças. É uma mensagem que quero que se alastre. Os que optam pelo “rap ostentação” talvez seja porque é essa sua vivência e não estejam a ver à sua volta pessoas a passar fome, jovens desempregados, violência… como eu vejo e que são coisas que me preocupam. Estou atento a estas coisas e tento, através da minha música, chamar a atenção.
Origens
A origem genealógica de Batalha está na Ponta d’Àgua. Foi neste bairro da capital que nasceu e cresceu com mais sete irmãos. Aos 9 anos perdeu o pai. A mãe, empreendedora, criou a partir daí sozinha os filhos. Já adolescente no liceu Hélio ajudava a vender pães e bolachas que a família, com recurso a um pequeno forno, fabricava.
A origem da forte consciência social do autor de “Txora pa dento” também está no seu bairro. Para quem conhece Ponta d’ Agua fica fácil compreender a revolta de quem cresceu assistindo a todo um leque de problemas sociais, perante a ineficiência das autoridades em resolvê-los. Porém Hélio Batalha não se limitou à revolta. A certa altura decidiu que era preciso fazer algo.
Primeiro veio o rap. Depois a licenciatura em Serviço Social a que só falta a defesa da tese para concluir.
O rap começou com a participação num concurso radiofónico onde a musica que criou, e que criticava o sistema de Saúde do país, conseguiu o primeiro lugar.
“Foi a alavanca para iniciar a minha carreira”, relembra ele que nessa altura o que mais ouvia era… Kanye West. Tinha uma cassete com música rap e nem sabia quem cantava. Só depois vim a saber que era ele. Nessa altura, meados de 2000, dominava na Praia o gangsta rap, com o 50 Cent como o maior destaque”.
Depois começou a ouvir outros rappers e a ter outras referências. Hoje assinala os MCs Valete e Azagaya, português e moçambicano respectivamente, como as suas maiores influências. “Ajudaram a moldar o MC que sou hoje”.
Mais do que um momento
Os rappers cabo-verdianos, quase todos “nascidos” dos palcos das periferias urbanas, enfrentam por vezes acusações de se deixarem comprar pelo “sistema” e assim mudarem de discurso.
“Há sempre propostas que te fazem mas eu nunca me deixei levar por elas”, garante o artista tranquilamente. “O meu ideal foi sempre não prostituir a minha música. Sim, recebei convites grandes, muito dinheiro, mas optei por não prostituir a minha arte”, revela sem no entanto deixar de referir o direito a um cachet digno.
Hélio faz parte de um pequeno leque de artistas do hip hop que estão frequentemente nos cartazes dos grandes concertos e festivais. Mas ao que parece, a evolução positiva no que toca à valorização desta ala da música nacional não encontra eco na dimensão do “mercado” e assim, há uma certa tendência ao revezamento, conforme os nomes da moda.
Batalha não teme que passe o seu “momento”. “Tenho confiança na minha arte e vou continuar a fazer a minha música com certeza de que vou evoluir e que as pessoas vão acompanhar e absorver as minhas mensagens”.
Contudo, mostra-se prudente quando diz estar consciente de que, apesar de viver hoje vivo da música “seria utópico pensar que vou viver de música para sempre”.
“Carta d’Alforria”, o disco que vem montando há um pouco mais de 2 anos, sai a 28 de Novembro.
“É um climax destes dois anos de trabalho. Está lá o acumular de experiências, de observações, de sentimentos…São 18 faixas, com mais duas de bónus. Fala sobre a minha filosofia de vida, de valorizar as coisas importantes da vida, com uma mensagem de libertação. Tem lá muito de mim. Não foge à linha que tenho seguido, de contestação social, mas também tem muitas mensagens positivas de amizade, de irmandade e amor”.
O álbum será disponibilizado em todas plataformas digitais e haverá shows. Mas antes será apresentado em eventos com a imprensa e em várias cidades do país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 781 de 16 de Novembro de 2016.