A boa filha à casa torna. Mayra Andrade regressa este fim-de-semana à sua Cidade da Praia para um grande concerto que assinala o primeiro aniversário da campanha “Livres e Iguais”, em Cabo Verde. Em casa também para passar as festas, à sua espera uma legião de fãs a quem irá presentear com a sua música mas também falar de tolerância, respeito e aceitação.
Madrinha orgulhosa da campanha criada pelas Nações Unidas (UN) e lançada em 2013 em vários países do mundo, Mayra dá rosto e voz em defesa dos direitos humanos e, mais especificamente, à não discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).
“Livres & Iguais” pugna pelo aumento da conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica e incentiva ao respeito pelos direitos das pessoas LGBT, em todos os lugares do mundo. Em Cabo Verde, a campanha foi lançada no ano passado, no âmbito do Dia Internacional dos Direitos Humanos e da iniciativa 16 Dias de Activismo contra a Violência de Género. Convidada pela representação local da UN, a jovem cantora abraçou prontamente a causa, já que reconhece que a questão dos direitos das pessoas LGBT precisa ainda evoluir Cabo Verde.
A confirmar as palavras da cantora na ocasião pode-se apontar o caso recente de um casamento simbólico entre dois jovens homossexuais da Ilha Brava, que muita tinta fez correr nas redes sociais. A união de “Dicay” e “Mayara” foi motivo de gozo e repúdio pela grande maioria dos comentadores, deixando a nu e ad eternum registado na rede virtual a homofobia de grande parte dos internautas nacionais.
“Há uma percentagem da nossa população que ainda vive oprimida com medo de assumir o que é, que ainda sofre com preconceitos. Temos alguns pioneiros que tiveram coragem de assumir há alguns anos. Da mesma forma que foram atacadas as questões da violência de género e do trabalho infantil, é preciso abraçar a causa dos direitos LGBT para dentro de pouco tempo termos igualdade de direitos”, disse a cantora e compositora aquando da conferência de imprensa de apresentação da campanha, no ano passado, quando também manifestou-se optimista de que o país saberá seguir os bons passos dados em outras paragens.
Casamento Gay já é pauta
E os primeiros estarão já a ser dados. Cabo Verde, que descriminalizou a homossexualidade em 2004, é afinal o primeiro país africano a aderir à iniciativa “Livres & Iguais” (2015), assim como terá sido o primeiro do continente a realizar uma parada Gay Pride (Orgulho Gay), em 2013.
E, em Setembro passado, pela primeira vez debateu-se publicamente o casamento gay em Cabo Verde. Foi na Universidade de Cabo Verde, numa conferência organizada pela Cátedra Amílcar Cabral, em que Andréa Lobo, professora e investigadora brasileira, apresentou dados da sua pesquisa realizada no âmbito de dissertação de mestrado e tese de doutoramento versando a vida social e conjugal de homossexuais da cidade do Mindelo.
É preciso dizer que o próprio país não possui ainda dados oficiais referentes à comunidade LGBT, se exceptuarmos a investigação desenvolvida por alguns académicos, como Cláudia Rodrigues, hoje na ONU Mulheres.
Já a coordenadora do Sistema das Nações Unidas em Cabo Verde, Ulrika Richardson, defendera aquando do lançamento da campanha a premência de, em Cabo Verde, se começar a analisar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Como já antes referimos, a homossexualidade deixou de ser crime em Cabo Verde em 2004, porém as famílias homossexuais não têm ainda a mesma protecção e benefícios que as heterossexuais. E é por isso que se advoga na campanha “Livres e Iguais” que também engloba “a realização de iniciativas que promovam educação para a igualdade de pessoas LGBT e aumentem a consciencialização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica”.
É por isso que advoga Mayra Andrade, que conta entre as suas amizades uma celebridade assumidamente homossexual: a cantora brasileira Maria Gadú.
Com uma carreira internacional de sucesso, a autora de “Storia, Storia” tem vindo pontualmente a Cabo Verde, sobretudo para estar com a família. A residir em Lisboa, depois de vários anos sedeada em Paris, Mayra já não actua em Cabo Verde, num concerto de grande dimensão, há um bom tempo. Sempre que vem a Praia, que é como quem diz a casa, tem cantado mas em shows pequenos, quase intimistas.
Este domingo os praienses vão poder matar saudades da eterna menina, que encantou o mundo quando aos 16 anos interpretou Orlando Pantera e ganhou um concurso internacional.
Ao lado de Mayra e da sua banda, no show de acesso livre da Rua Pedonal 5 de Julho, estará o jovem MC e activista Hélio Batalha, um dos mais comprometidos com as causas sociais. Juntos, os dois talentos da música cabo-verdiana vão cantar para “Promover um Cabo Verde + Justo + Amor + Tolerante”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 783 de 30 de Novembro de 2016.