Canhão de Boca estreia e incomoda

PorChissana Magalhaes,4 jun 2017 9:00

Vencedor cabo-verdiano da segunda edição do DOCTV CPLP, o documentário “Canhão de Boca” tem estreia nacional e internacional agendada para 11 de Junho próximo. Antes disso o filme teve ante-estreia na Praia, a 22 de Maio, e nesta segunda-feira em Mindelo. A recepção nas duas cidades foi díspar. Tudo por causa das críticas implícitas e explícitas ao processo de construção do pais na pós-Independência e na abertura à Democracia.

 

Depois de um ano de trabalho, o realizador Ângelo Lopes e a equipa da produtora O2, liderada por Samira Pereira, estiveram na cidade da Praia na semana passada para um special screaning do seu documentário de 52 minutos, um dos vencedores da 2ª Edição do Concurso de audiovisual DOCTV da Comunidade de Língua Portuguesa, no âmbito do qual recebeu 50 mil euros para investir na produção.
“Canhão de Boca” - que foi emprestar o nome à forma como Amílcar Cabral se referia à Rádio Libertação por considerá-la “a arma mais poderosa do que todo o arsenal de guerra que pudessem possuir” - parte justamente da memória da luta pela Independência Nacional e dos tempos que se seguiram para uma “discussão contemporânea em torno da utopia da liberdade”, combinando e confrontando dois tempos, o presente e o passado históricos.
Através de um programa de rádio ficcionado, conduzido por Nuno Andrade Ferreira (jornalista e coordenador da Rádio Morabeza), o filme dá voz a Amélia Araújo, combatente que foi uma das vozes da Rádio Libertação na Guiné-Bissau entre 1964 e 1973, fazendo chegar informações e propaganda do movimento às populações e também ao inimigo.
Outra interveniente nesta “discussão contemporânea em torno da utopia da liberdade” é a comentarista Rosário da Luz, “voz que incorpora a informação crítica como luta da desconstrução contemporânea em Cabo Verde”.
Foram justamente os comentários de Rosário Luz, conhecida pela frontalidade com que assume as suas ideias e pela crítica mordaz que dedica à actualidade política nacional, que levantaram alguma celeuma na exibição do filme na capital.
No final da exibição no Palácio da Cultura Ildo Lobo a plateia, onde se encontravam como convidados alguns Combatentes da Liberdade da Pátria, dividiu-se entre aplausos entusiásticos e um perceptível desconforto.
Sobre o incómodo gerado, o realizador confirmou o mal-estar que ficou no ar mas acaba por desdramatizar e diz-se “feliz” por o documentário “estar a cumprir o seu papel e a trazer à discussão essas questões”.
Realçando a valorização dada ao papel desempenhado por Amélia Araújo na luta, Ângelo Lopes defende a intervenção de Rosário Luz e afirma que 40 anos passados da Indepência Nacional, “algumas coisas ainda estão por conquistar. É esse o contributo que o doc traz; se não se falar, se não se questionar, a história não avança”.
Já a sinopse da pelicula avisava: “A partir de eventuais confrontos, interessam as relações que o espectador reconstrua a partir do seu próprio pensamento”.

Debate

 

Em Mindelo, onde Canhão de Boca teve ante-estreia nesta segunda-feira, as reacções foram mais pacíficas. “Foi positivo”, sentencia o realizador que nos dá conta de um debate após a exibição.
Segue-se, a 11 de Junho, a estreia nas televisões públicas de todos os países da CPLP, com o filme a chegar a milhares de espectadores em 4 continentes.
É o culminar de mais de um ano de trabalho em que as dificuldades no acesso e edição de arquivos audiovisuais foram dos maiores desafios enfrentados pela equipa.
Em Agosto do ano passado, a produtora Samira Pereira avançava ao Expresso das Ilhas que “do ponto de vista da produção, a maior dificuldade tem a ver com o acesso aos arquivos. Nós temos em Cabo Verde uma carência muito grande de arquivos audiovisuais e uma série de constrangimentos quer a nível dos arquivos da televisão pública, quer a nível de arquivos pessoais. A dificuldade é não termos tecnologia que possa recuperar este material”, apontava.
Alertando sobre a urgência de se investir na recuperação e digitalização dos arquivos audiovisuais e fotográficos do país, a responsável máxima da O2 dizia que o facto do país, enquanto nação independente, só existir há pouco mais de 40 anos deveria facilitar a recolha, recuperação e organização desse arquivo audiovisual.
Os produtores e realizador de “Canhão de Boca” querem agora ver o filme a circular, quer inserido em mostras e festivais quer noutros contextos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 809 de 31 de Maio de 2017.

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Autoria:Chissana Magalhaes,4 jun 2017 9:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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