A que leitor se destinam os seus dois livros?
Os dois livros não foram elaborados tendo de antemão, em mira, um determinado tipo ou categoria de leitor. Dizendo de outra forma, dirigem-se a todos os leitores de um modo geral. Por conseguinte, não há propriamente uma única categoria de leitores a que especificamente se dirijam ou se destinem, as duas obras. Todavia sabemos que existem vários tipos de leitores e têm sido divulgados até esta, estudos mais ou menos aprofundados sobre a matéria. É claro que nesse domínio, o nosso país não foge à regra. Estou convencido de que são igualmente inúmeras as categorias de leitores existentes em Cabo Verde. Talvez o “leitor comum”, na terminologia de alguns (representando uma boa parte dos leitores) sinta alguma satisfação na leitura de boa parte dos poemas tanto do “Grano(luz)” como do Centelhas de Sol. Com efeito, diz-se desse tipo de leitor que se trata de uma categoria que procura o divertimento e o deleite na leitura, ou então, que busca o conhecimento, o prazer e a satisfação. O leitor romântico, na terminologia de outros, pode perfeitamente inserir-se nessa categoria e é nosso entendimento que se sentiria particularmente interessado em ler e apreciar alguns dos poemas do “Grano(luz)” e outros tantos do “Centelhas de Sol”. No que respeita ao primeiro, podemos destacar poemas de natureza romântica, como: No roseiral de ninfas, Bênção, Primeira vez, Sina, Regresso dos Orixás, Obstinação, Ressurreição invertida, Quixotismo, Desilusão, Minha estrela cadente, Conselho, Invasão vitoriosa, Indiferença, Praia ao norte, Manto Celeste, Ternura, entre outros. Quanto ao “Centelhas de Sol”, pode-se também identificar poemas que de algum modo poderão também despertar uma certa atenção da parte dessa categoria de leitores. Tais poemas são, entre outros, os seguintes: Ela, Insensibilidade, Flor das flores, Desencontro, De como matar um amor, Êxtase, Fusão, Uno, Desencontros, Oportuno e Harmonia. Mas o “Grano(luz)” e o “Centelhas de Sol”, não são constituídos apenas por poemas dessa natureza. Existem alguns outros que poderão despertar o interesse e a simpatia da parte dos “leitores reflexivos”. “O Grano(luz)”, se dedica também e em grande medida a leitores preocupados com o meio ambiente em todo o nosso planeta e, com a chuva que, quando tardia costuma constituir uma grande preocupação para o camponês das nossas ilhas e para toda a população cabo-verdiana, em geral. Por conseguinte, os dois livros, mas sobretudo o “Centelhas de Sol”, mais do que o “Grânulos”, dirigem-se igualmente a “leitores reflexivos” que meditam sobre a nossa existência, o mistério da morte, a problemática da juventude e a sua luta na busca pela afirmação na sociedade, entre outros. Essa categoria, segundo alguns estudiosos da matéria representam aqueles leitores capazes de se abstrair de tudo o que o rodeia e das vivências do mundo, para se dedicar e refletir sobre o que lê, de forma isolada, intermediada, várias vezes, com pequenos intervalos para meditar e depois retornar à leitura até julgar ter entendido ou apreendido o essencial do conteúdo da mensagem que está inserido no texto ou no livro objeto da sua leitura. Esse tipo de leitor não está condicionado pelo tempo, interessando-lhe apenas entender e refletir sobre o que se pretende transmitir com aquilo que lê. Por essa razão tais leitores são também denominados por vezes de “meditativos” ou “contemplativos”. Poemas como: Ser e sinais, Exaltação, Eles existem, Delíquio, Augúrio, Carnis levale, Recado, Desafio, Universidão, Sombras, Meta, A hora, Alerta, Progresso, Caminho ardiloso, Sumptuosa elevação, Bafo da terra, Viagem, Revés e Destrave, poderão, pela sua natureza, cair no agrado desse tipo de leitores. Já no que respeita ao “Centelhas de Sol”, trata-se de um livro que em essência, apela à reflexão e à meditação. Micropoemas, de um modo geral, têm o condão de surpreender e de fazer refletir, como já dissemos e esse livro é composto de tais tipos de poemas. Só a título de exemplo, podemos indicar alguns deles, como: Deslumbre, Destino, Desolação, Travestidos, Origem das coisas, Ambiente, Sabedoria, Ventura, Levitação, Geração e Incondicional, entre outros.
Acredita que o leitor e já agora o crítico ou a crítica são também autores dos seus livros?
Bom, acerca disso, devo dizer que em grande medida, o bom acolhimento por parte dos internautas que leram os poemas do meu primeiro livro de poesia intitulado Na Espiral dos tempos e outros cânticos, me deram um certo alento para prosseguir e subsequentemente, publicar. Nesse processo e nessa interação toda, afigurou-se-me que terá havido um certo ajustamento e identificação entre o que escrevia e o que meus leitores esperavam de mim, inclusive, trocando mensagens e expondo opiniões. Vistas as coisas deste prisma, fica no ar a ideia de que os leitores, em certa medida identificam-se com o seu autor e a um tempo, o leitor ao participar desse processo criativo, estará de certo modo envolvido também no processo de nascimento da obra. Por conseguinte, em certo sentido acredito que sim, isto é, os leitores poderão, assim agindo, estar a comparticipar da autoria da obra. Alguns estudiosos e críticos literários alimentam também essa perceção. Até porque por vezes, pode suceder que determinado(a) internauta decida propor ou sugerir que arque ou comparticipe também nos custos da edição da obra. Aliás, foi o que nos sucedeu aquando da edição e publicação do Na Espiral dos tempos e outros cânticos. Assim, do nosso ponto de vista quando o leitor ou o crítico se identifica com as mensagens que o livro pretende transmitir, de certa forma, poderão também ser igualmente tomados ou ser considerados como “autores” do livro ou pelo menos participantes da sua autoria. Mas sem dúvida que a decisão final de editar cabe sempre ao autor, o qual tem também em suas mãos a responsabilidade e a decisão de arcar com os custos da publicação da obra. Tem sido muito debatida pela crítica literária de um modo geral a forma como essa dinâmica toda, autor-leitor, se tem processado no ciberespaço. Esse facto tem gerado a necessidade dos autores midiatizarem os seus trabalhos e as suas produções de forma a gerar uma interação com seus leitores e desse modo poderem estar à altura de irem ao encontro das expetativas destes últimos. A internet veio de facto a introduzir um fator importante na relação dos autores com os seus leitores. Everton de Santa, lança o debate acerca daquilo que ele denomina do jogo do autor-leitor na literatura. O mesmo evidencia essa relação entre esses dois sujeitos de uma mesma realidade, que é o processo da criação literária, tendo a obra como elo de ligação entre ambos. Isso está de certo modo relacionado com a dinâmica que ocorre no mundo do ciberespaço, em torno do relacionamento autor, leitor e a obra. A aproximação entre o autor e o leitor através do ciberespaço é de certa forma determinada pelo facto do autor ter a necessidade de, frequentemente, socorrer-se da midiatização que esse espaço proporciona, para que possa aproximar-se cada vez mais o processo de criação das suas obras da expectativa dos seus leitores.
Acredita também que o leitor poderá enriquecer, mas também, apoucar os seus livros?
Certamente que qualquer dessas duas opções se mostra virtualmente possível e, é natural que assim seja. Mas a esse propósito, devemos dizê-lo, não fazemos a mínima ideia do que virá a seguir. Os livros já estão aí nas bancas e ao alcance do grande público e naturalmente eles irão fazer o seu percurso. O que devemos dizer, é que os comentários que nos têm chegado até o presente momento, são muito abonatórios, a começar pelos prefaciadores dos dois livros e pelos comentários tecidos na contracapa de um deles e, ainda, pelos argumentos expostos pelos apresentadores das duas obras em Mindelo, o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco, poeta, escritor e académico, espanhol e o escritor e poeta cabo-verdiano, Ildo José Rocha. Mas mesmo no que respeita ao leitor comum, a apreciação de um ou outro leitor anónimo, feita, presencialmente, tem sido no sentido de tecer elogios aos dois trabalhos. Porém os livros, como dissemos, apenas iniciaram a sua trajetória e estou convicto que tudo irá prosseguir na normalidade e os leitores de um modo geral irão deleitar-se com tudo o que neles está contido e com as mensagens que com eles pretendo transmitir. Mas mesmo que venha a crítica literária num outro sentido, a sua finalidade é e será sempre bem-vinda, enquanto ferramenta que debruça sobre as produções artísticas e literárias, de um modo geral, que é a de contribuir para o aprimoramento do rigor metodológico das obras, seja no campo do teatro, da televisão, do cinema ou da literatura. Em Cabo Verde, como é sabido dispomos de uma crítica literária ainda insipiente, razão porque a sua emergência com mais fôlego só poderá significar da parte de quem se dedica à produção da coisa literária, teatral, televisiva, cinematográfica, maiores cautelas e cuidados redobrados, assim como, uma melhor dedicação na produção dos seus trabalhos. Seja como for, tem vindo a surgir de algum modo regular e habitual, alguma crítica literária entre outras, da parte do escritor, editor e poeta cabo-verdiano, Filinto Elísio, num dos periódicos cabo-verdianos. Porém, com o devido respeito, apesar de meritório, não se nos afigura que esse trabalho se mostre ainda suficiente face ao caudal da produção literária que tem vindo verificar-se no país. A crítica literária, de um modo geral, como sabe, não é recente nem é coisa dos nossos dias. Vem de há milhares de anos atrás. Há quem diga que se reporta à algumas décadas antes de Cristo e que terá sido Dionísio de Halicarmaso, um filósofo da Grécia antiga, o inventor de tal crítica. A crítica de qualquer obra literária não terá que ser necessariamente negativa, ou seja, a sua finalidade última não é a de apoucar os autores ou as suas obras. Pode bem perfeitamente avaliar positivamente ou apontar caminhos a uma determinada obra. Os críticos, como se sabe, por via de regra são pessoas formadas nas áreas da filosofia ou da literatura, podendo ainda tratar-se de indivíduos dotados de vastos conhecimentos no domínio da coisa literária ou outro domínio, constituindo seu trabalho o de expressar a sua opinião através dos meios de comunicação oral ou escrita, o seu ponto de vista e a sua avaliação acerca de um determinado trabalho ou produção literária, teatral, cinematográfica ou outra. Por conseguinte, está e estará sempre sujeito à crítica, qualquer um(a) que se aventure ou se dedique à produção, edição e publicação de quaisquer obras, nos mais variados domínios.
Será o seu poema Obsessão a chave para a interpretação dos seus poemas?
Neste particular, devemos esclarecer em primeiro lugar que Obsessão é o título de um dos breves poemas do Centelhas de sol, mais concretamente, trata-se do décimo primeiro poema do livro e, é constituído por apenas seis versos. Pergunta-nos se esse poema constitui a chave para a interpretação dos demais poemas do livro. À essa pergunta respondemos que, não, necessariamente. Se é que podemos falar de um poema chave para o Centelhas de Sol, esse poema, do nosso ponto de vista, é o que vem mesmo no fim do livro e é o que dá nome à obra. É o último, de todos. Na verdade, para nós, os poemas são todos eles, centelhas. Ou se quisermos, são partículas de luz que nos afluíram ao espírito num determinado contexto e subsequentemente foram transpostos para o papel. A ideia de escrever o poema Obsessão surgiu num momento particular em que muito se falava da invasão da privacidade informática e da possibilidade de, por essa via, conhecer e manipular a vida pessoal dos utilizadores e, eventualmente, alterar informações e ou dados pessoais. Mas esse poema traduz apenas uma de entre várias outras inquietações do autor, trazidas à baila pelo Centelhas de Sol. O Reencontro adiado, Maquiavelinho, Cautela e, Fácil, são outros exemplos. Tratam-se de poemas brevíssimos que podem ser lidos rapidamente. Transcrevendo esse poema, que constitui o antepenúltimo do livro, intitulado Reencontro adiado, diz o seguinte: O tempo é ladrão, velho meu./ Há de me levar um dia, ao encalço seu/ o mesmo verdugo que me apartou do seio teu? Por outro lado, o Maquiavelinho, octogésimo quinto, do rol dos poemas, foi escrito da seguinte forma: Imitar, primeiro,/ depois avançar,/ lá longe chegar,/ a seguir abusar! No que concerne ao poema Cautela, diz o seguinte: Alcançar a meta/ conservar a trombeta/ que a chegar vêm mais de trinta! Por fim o poema Fácil foi redigido da seguinte forma: Pela trapaça,/ luva ajustada,/ no toma e passa,/ lá chegara…/ mas não sossegara! Voltando à sua pergunta, dizemos que, outra razão de ser do poema Obsessão é que também ficamos estupefactos com a excessiva preocupação com a vida alheia e isso às vezes, proveniente de determinados quadrantes que à partida deveriam afigurar-se-nos como insuspeitos. É que ficamos com a ideia de que a sociedade se complexificou e dotou-se de um certo modus faciendi de algum modo inteligente, complexo e meticuloso. E o poema Obsessão foi uma forma encontrada para, de certo modo, ampliar essas preocupações. Diz o poema o seguinte: Alongar o mar, alongar o ar/ ah! vil obsessão de tudo alongar./ Alongar a lua, alongar as estrelas/ a fronteira, alcançar e ultrapassar/ para além do além-mar, os espíritos alongar/ alongar, alongar, ah! Nunca mais parar de alongar! É propósito desse poema despertar a reflexão para um certo conteúdo metafórico nele incutido. É um daqueles poemas que poderá despertar efeitos diferentes em leitores diversos, tudo dependendo da perspetiva em que for lida e do posicionamento em que se encontrar o leitor. Essa dicotomia de interpretação pode também ser encontrada em muitos outros poemas do livro, tal como sucede com o poema Destino que diz o seguinte: Fiozinho leve/ cristalino de água fresca/ que borbulha e escorre/ por entre ervas sorridentes/ na ânsia de alcançar o mar/ o branco areal vai-lhe sugar!
Os prefácios dos dois livros são assinados por intelectuais estrangeiros. Qual a razão?
Não há nenhuma razão de muito especial. Simplesmente, porque, em primeiro lugar, tratam-se de dois grandes amigos nossos e de Cabo Verde, em geral, por quem nutrimos grande admiração, respeito e consideração. Segundo, porque, quando lhes lançamos o repto, nesse sentido, tanto a Professora Simone Caputo Gomes, como o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco, aceitaram no imediato e de bom grado, fazer os prefácios. Terceiro, porque talvez tenha sido essa a forma encontrada para procurar alguma internacionalização dos nossos trabalhos e assim, poder dar a conhecer além-fronteiras, o que produzimos em Cabo Verde. Apesar de, presentemente, haver muitos autores cabo-verdianos conhecidos no estrangeiro, achamos que é sempre bom fazer mais um forcing nesse sentido. Ademais, o que também nos alegra bastante é o facto de se tratar de duas personalidades de grande vulto, tanto no mundo académico como no literário. O Professor Dámaso possui já inúmeros trabalhos publicadas tanto no domínio da poesia como no do Direito, além de se tratar de uma prestigiada entidade do mundo académico espanhol. A Professora Simone, de igual modo, por aquilo que sabemos, trata-se de uma grande personalidade do mundo académico brasileiro, cujo prestigio extravasa a Universidade de São Paulo onde exerce a docência, projetando-se pelo Brasil inteiro, ultrapassando as fronteiras do seu próprio país, para se projetar no exterior, designadamente, no nosso Cabo Verde, onde é prestigiada e acarinhada pela classe dos escritores e intelectuais cabo-verdianos de um modo geral. Acerca da opção por prefaciadores estrangeiros, devemos dizer também, que, alguma demora na produção dos prefácios solicitados, por parte de intelectuais, nacionais, fizeram-nos optar por essa medida. Sentimos que a pesada agenda das pessoas por nós contactadas, aqui no país, não lhes permitia trabalhar os prefácios solicitados, apesar de toda a sua boa vontade nesse sentido. Por isso, dado o protelamento sucessivo na sua elaboração, decidimos optar por essa via. E os prefaciadores, o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco (espanhol) e a Professora Simone Caputo Gomes (brasileira), como dissemos, não se fizeram rogados. Aceitaram o repto que lhes lançamos e, rapidamente produziram os prefácios solicitados. Isso, naturalmente, deu-nos uma grande satisfação, pelo que fazemos questão de endereçar-lhes daqui um grande abraço de reconhecimento e amizade. Devemos, todavia dizer também que as reflexões que vêm na contracapa do Centelhas de Sol, foram elaboradas por uma escritora nacional, de elevado quilate, muito conhecida e prestigiada entre nós. Refiro-me à Doutora Ondina Ferreira, a quem aproveitamos também, para nesta sede, endereçar-lhe um grande abraço e agradecer penhoradamente o belo trabalho que fez, o que sem sombra de dúvidas, valoriza e enriquece imensamente o nosso trabalho.
Jorge Luis Borges no último livro publicado em vida disse que era terra, cansada terra e que ninguém se admirasse que o primeiro dos quatro elementos, o fogo, não abundasse nesse livro. “Sigo, sin embargo, escribiendo. Qué outra suerte me queda, qué outra hermosa suerte me queda?” exclamou. No seu caso, é também uma hermosa suerte (aqui suerte deve significar desdita) e já consumiu o fogo (centelha) poético, ou iremos ter mais livros seus num futuro próximo?
Tanto quanto sabemos, Jorge Luis Borges, foi um escritor latino-americano, mais concretamente, da Argentina. Distinguiu-se também como poeta, ensaísta, crítico literário e tradutor, posto que, segundo consta, dominava fluentemente vários idiomas. Jorge Luis Borges, como se disse, era um argentino de ascendência judaico-portuguesa que nutria uma certa simpatia por revistas surrealistas, tendo publicado boa parte das suas obras nesse tipo de revistas. Borges foi trazido para a ribalta do movimento literário, em decorrência do boom argentino que ficou a dever-se, em grande medida, a obras de Gabriel Garcia Marques, designadamente o seu famoso romance denominado “Cem anos de solidão”. Borges chegou a receber alguns prémios e boa parte dos seus trabalhos foram extensamente divulgados nos Estados Unidos da América. Nutrimos uma certa simpatia por Acevedo, devido à sua apetência pelo fantástico e pelo enigmático. Sabemos que nas suas últimas obras, Borges procura dialogar com monstros sagrados da literatura mundial como Virgílio, Spinosa e Luís de Camões, entre outros. Quanto à pergunta que me faz, costumamos salientar, no lastro do que já foi dito por outras individualidades, que o “futuro só a Deus pertence”. De todo o modo é nosso sentimento que outras obras poderão advir com o tempo. Porém não temos nem poderíamos ter a veleidade ou o condão de datar ou estabelecer prazos para o surgimento de uma ou mais obras. Os livros de poesia não são nem poderão ser obras com data previamente estabelecida. Quando houverem de nascer, nascerão. Ou seja, se mais inspiração houvera, mais poesia nascera. Se isso vai ocorrer daqui a um, dois, três ou mais anos, isso já não podemos nem sabemos responder. No nosso caso, o que podemos dizer é que há acontecimentos, vivências, circunstâncias e momentos, que são propiciadores da inspiração e consequentemente, do nascimento da poesia e esperamos que venham a suceder inúmeras situações na nossa vida que possam conduzir a esse feliz desfecho, isto é, que venham a estar na base do surgimento de poemas belos e bem conseguidos e, que venham a servir de deleite para os nossos leitores. Se vierem e quando vierem, hão de ser para nós, sempre uma “hermosa suerte” no dizer de Jorge Luis Borges. Não terão que ser necessariamente poemas complicados, extensíssimos, complexos, intrincados ou em doses cavalares. Já nos bastará a nós, que traduzam alguma beleza formal, que os leitores gostem e que sejam capazes de transmitir sentimentos autênticos do autor. É fluida a inspiração para a elaboração da poesia. Ela anda por aí. Está no ar e em todo o lado. Encontrámo-la numa bela visão da paisagem, na dor da separação, na perda de alguém querido(a), enfim em inúmeras situações, as mais inusitadas. O mais importante é saber captar esses apelos que vêm do exterior ou mesmo do nosso interior e transformá-los num diálogo transcendental com o papel. A tristeza, a deceção ou desapontamento, a angústia, podem, também, traduzirem-se em bons momentos de inspiração, como o podem ser de igual modo, a alegria, a êxtase e a felicidade. Por conseguinte o sentimento de perda física de um ente querido, também, como já o dissemos, pode proporcionar esses mesmos momentos “mágicos”. Assim, toda a poesia é um ato de criação e quem a faz, dá a conhecer algo novo. Pode até ser algo de que já tenha sido dito ou falado. Mas, sê-lo-á, sempre numa perspetiva e forma diferentes. Por exemplo, no livro Grano(luz), trazemos um poema intitulado Destrave, que segundo me comunicaram alguns leitores, faz-lhes lembrar o célebre poema intitulado, salvo erro, “Mordaças a um poeta” da autoria de Ovídio Martins (creio ser ele o autor do poema). Outras vezes, nos surpreendemos a fazer poemas sobre a própria poesia, de forma autopoiética, como dizia alguém. Por tudo isso, o poeta pode ser e assumir dimensões de um verdadeiro artista ou artífice da poesia ou, melhor dizendo, da palavra ou do verbo. Tem ou deve ter o propósito e a responsabilidade de arrumar as palavras, de preferência, bem arrumadas, dentro de um determinado contexto, como quem constrói um belo edifício.
Versão completa do texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 832 de 08 de Novembro de 2017.