Entre a inspiração e o labor poético

PorAntónio Monteiro,12 nov 2017 8:44

José Graça apresentou esta quinta-feira, na Biblioteca Nacional, na Praia, dois livros de poesia bastante distintos tanto na forma como no conteúdo: Centelhas de Sol e Grano(luz). Na primeira obra, apesar, ou justamente por privilegiar micropoemas, o autor quer surpreender e despertar a reflexão no espírito do leitor. Já “Grano(luz)”, é um livro em que cada poema representa uma vivência, uma situação afectiva, uma experiência ou um momento, em concreto. Como escreve o prefaciador desta obra, Javier Dámaso Vicente Blanco, “Grano(luz)” traduz o amor, a vida e a insularidade. Em comum tem os dois livros a comunhão de duas teses antagónicas. Ou, como diz José Graça, estão “a meio caminho entre aquilo a que Platão denominava “inspiração divina” e o que Edgar Poe preferia chamar de pura matemática”. 

 

Num país em que se lê pouco, apesar de razoável atividade editorial, o que leva um autor a publicar dois livros em simultâneo?

Em relação à sua pergunta, devemos dizer que, inicialmente, era nossa intenção editar apenas um livro. Mas houve uma sequência de factos que nos impeliram a publicar dois. Em primeiro lugar, importa salientar que desde a publicação do nosso primeiro livro de poesia, Na Espiral dos Tempos e outros Cânticos, há cerca de três anos, vimos transpondo para o papel de forma continuada as inspirações que nos vão surgindo. Ora escrevendo poemas curtos, ora redigindo textos mais longos. A certa altura achamos que a quantidade de micropoemas era de tal ordem, que daria para reuni-los num só livro, pois dessa forma, do nosso ponto de vista, teriam mais lógica, mais homogeneidade e melhor arrumação sistemática. Por seu lado, quanto aos poemas mais extensos, entretanto redigidos, achamos que poderíamos reuni-los de forma autónoma, num volume à parte. E assim fizemos. Mas não sem antes concertar com a Professora Simone Caputo Gomes, a quem expusemos a nossa ideia. E ela aprovou-a no imediato, aceitando igualmente o repto que lhe lançamos, no sentido de prefaciar essa obra, o “Centelhas de Sol”, o que nos deu uma enorme satisfação. Um outro fator que levou-nos a fazer a opção pela edição dos dois livros, foi o facto da Doutora Ondina Ferreira ter aceitado proceder à elaboração de algumas reflexões “apelativas”, para constarem da contracapa do referido livro, o que de facto veio a suceder. Essas reflexões serviriam, como de facto vieram a servir, para valorizar e enriquecer ainda mais a obra. Foi assim que surgiu a opção por editar os dois livros, em simultâneo. Um com micropoemas e outro com poemas mais longos. Ademais a edição destes dois livros traduz uma sequência de produção literária que possui raízes lançadas há já algum tempo. Isso vem desde a década de oitenta, altura em que sob o pseudónimo de “Pau Ferro”, publicávamos pequenas crónicas literárias no extinto jornal “Voz di Povo”. Nesse mesmo periódico chegamos a divulgar também, reflexões de natureza técnico-jurídica, como profissional de Direito, que somos. Mais tarde publicamos no periódico “Arte & Letra” e mais posteriormente, ainda, no próprio “Expresso das Ilhas”. Devemos, contudo, dizer, que os nossos primeiros trabalhos em forma de livro, surgem na década de noventa. Foram nada mais nada menos que dois “opúsculos” ou se quisermos, duas “noveletas”, no lastro do que ensina António Aurélio Gonçalves, impulsionados que fomos, por palavras de incentivo e encorajamento por parte de Arnaldo França, notável escritor cabo-verdiano, já falecido (na altura, nosso vizinho na Prainha) e por parte do Jorge Tolentino (igualmente, escritor cabo-verdiano, sobejamente conhecido e de grande craveira), tendo este último procedido até, à apresentação pública de um deles, o “Grogue & feitiço” na Embaixada do Brasil. Tínhamos conjeturado escrever três e não apenas duas, as noveletas a serem publicadas por essa altura, mas em virtude da falta de tempo e de alguma indisponibilidade financeira, momentânea, limitámo-nos a publicar apenas dois opúsculos (ou duas “noveletas”, conforme quisermos), sendo o segundo deles, o “Voluntareza & delito”. Além dessas obras literárias, publicamos ainda, reflexões jurídicas no ex-Voz di Povo e na revista “Direito e Cidadania” da qual era Diretor o atual Presidente da República, Dr. Jorge Carlos Fonseca. Mais recentemente em forma de livro técnico-jurídico, trouxemos a lume o “Controlo da Constitucionalidade das leis no Espaço Lusófono”, resultado da nossa tese de Mestrado, concluída na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Brasil, em 1997. Já no que respeita à poesia, com estes dois livros que acabamos de dar à estampa, completam três, juntamente com “Na Espiral dos Tempos e outros Cânticos”, o total do número de obras por nós publicadas, neste género literário. Cremos que tudo isso reflete o resultado dos inúmeros incentivos e palavras de encorajamento que nos têm chegado quer através de comentários em privado, como através de mensagens emitidas pela internet, designadamente, pelo Facebook. Mas, voltando à sua pergunta, cremos que apesar de ser reconhecido por quase todos, que se lê pouco no nosso país, vale e valerá sempre a pena, continuar a escrever. Até porque nem sempre foi assim, houve momentos em muito se lia em Cabo Verde. Por outro lado, é nosso entendimento que os poderes públicos devem fazer um diagnóstico mais aprofundado sobre as reais razões que estão por detrás dessa pouca apetência para a leitura e, subsequentemente, definir e adotar programas ou políticas destinadas a incentivar a leitura, devendo-se acompanhar a sua implementação a par e passo, de forma a fazer-se ajustamentos e adaptações aqui e acolá, lá onde se fizer sentir a sua necessidade, até se encontrar o remédio e o caminho certo para se contornar o défice constatado e retomar o caminho do incentivo e do estímulo à leitura.    

Os dois livros são publicados em edição de autor. Como explica a ousadia poética?

Realmente, fazendo neste preciso momento, uma análise a frio e já a alguma distância de todo o complexo processo que culminou com a edição desses dois livros, temos que admitir que tudo se traduziu de facto numa certa ousadia poética, como diz e, bem. É que, como sabe, no nosso país, infelizmente não abundam apoios ou patrocínios a determinados autores, tanto da parte do Estado, como da parte de outras entidades (empresas ou outras instituições ou demais entidades particulares). Referimo-nos, em essência, a apoios sobretudo àqueles que se dedicam à poesia. Curiosamente, por sorte, ou algum mérito do autor, isso não sucedeu com o nosso livro Controlo da Constituição das Leis no Espaço Lusófono, um livro técnico, de Direito, que traduziu aquilo que foi a minha tese de mestrado, como já referi. Esse livro contou com vários patrocinadores, a ponto de cobrir o custo total da obra e, até, ultrapassá-lo. Fica-se assim com a ideia de que, por alguma razão, os livros técnicos gozam de maior simpatia dos potenciais patrocinadores, do que os livros literários (poesia e prosa). Ou dito de outra forma, no caso da poesia, só determinados autores considerados mais ou menos consagrados e que nutrem uma certa simpatia da parte de alguns decisores políticos ou outros, conseguem obter tais apoios e incentivos. Mas, mesmo tratando-se de poesia, creio que, também, por sorte ou por mérito, temos conseguido pelo menos alguma comparticipação de particulares na edição das nossas obras. No caso do nosso primeiro livro de poesia, “Na Espiral dos Tempos e outros Cânticos” (já tivemos a oportunidade de abordar o assunto) metade do valor da sua edição foi patrocinado por uma cabo-verdiana-espanhola, que me pediu anonimato e, nestes dois últimos livros, pude contar com o auxílio de uma irmã, a quem agradeço muito penhoradamente. Porém, como o tempo de festa aproxima-se, espero que, a posteriori, alguma instituição, empresa ou quiçá um(a) amigo(a) se lembre de requisitar-nos ou de adquirirem uns tantos volumes das duas obras em presença, para oferecerem às pessoas que lhes são próximas ou aos seus visitantes, pois, assim poderiam ajudar-nos nas despesas (risos). Uma outra razão que nos terá levado a escrever esses dois livros, resulta do facto de sentirmos que a produção literária, no caso, a criação da poesia, de certo modo, liberta-nos para a felicidade pelo sentimento de realização que nos traz. Efectivamente o acto da criação poética é de facto um acto de libertação. Por conseguinte, comporta no seu seio, algo que traz felicidade. Assim, esperamos que esse acto criador que está por detrás duas obras recém-publicadas represente também, alguma felicidade, para quem as lê, no sentido de comportar alguma satisfação ou identificação com aquilo que estiver a ser lido. Todavia frente a isso tudo há que munir-se de uma certa cautela, humildade e simplicidade porque, efetivamente, estamos em terra de grandes poetas e aventurar-se pelo campo da poesia ou querer-se declarar poeta, é uma grande responsabilidade. Não é por acaso que muito daquilo que escrevo, deve-se em grande medida à uma certa influência da parte dos clássicos da poesia cabo-verdiana. Ademais, tivemos a felicidade de conviver de perto com alguns dos nossos grandes homens de letras, como José Araújo e Corsino Fortes (meus ex-Ministros de Justiça), António Aurélio Gonçalves (ex-Professor da Escola Técnica do Mindelo, onde fui aluno), Arnaldo França, Manuel Lopes, Orlanda Amarílis, Manuel Ferreira, Ovídio Martins, entre muitos outros. Voltando à sua pergunta, a ousadia poética em que se traduz a edição destes dois livros, está também relacionada ou melhor estará a meio caminho entre aquilo a que Platão denominava de “inspiração divina”, e a que o Edgar Poe, preferia, por seu lado, chamar de pura matemática. Nos nossos trabalhos há uma espécie de mistura dessas duas variantes. Efectivamente, na nossa produção poética a inspiração afigura-se-nos extremamente importante, para não dizer crucial. Não conseguimos produzir sem sermos ou estarmos invadidos ou impregnados, se quisermos, de uma certa dose de inspiração. Dito de outra forma, não podemos nem conseguimos produzir a frio, ou seja, fazer aquilo que se costuma chamar de “arte pela arte”. É imprescindível que haja um apelo vindo do nosso interior ou de qualquer outro lado e daí seguirmos então para a transposição para o papel daquilo que se costuma chamar de “grito da alma”. Por seu lado somente a inspiração, por si só não é suficiente. Há que trabalhar o formato, a palavra e as frases e conceder-lhes beleza formal, musicalidade sequencial, métrica e outras figuras de estilo de que tanto ouvimos falar. Neste particular apropriamos e traduzimos, em certa medida, nalguns dos meus poemas, a técnica utilizada por Florbela Espanca, quando através dos seus sonetos, esta grande senhora da poética portuguesa, canta os seus desencantos e as suas desilusões em face das várias vicissitudes da vida. Por outro lado, do nosso ponto de vista, um poema bem conseguido não terá que ser necessariamente intrincado, complexo, extenso ou produzido em doses cavalares.  

 

Como devem ser lidos Centelhas de Sol e Grano(luz)?

Cremos que isso irá depender de leitor para leitor. Parece-nos evidente que um leitor mais “contemplativo”, “meditativo” ou “reflexivo” quererá demorar mais tempo na apreciação dos poemas. Provavelmente estará interessado em querer ir mais a fundo da mensagem que se pretende transmitir com cada poema e é muito natural que volte ao texto que leu anteriormente para apreender o que lhe terá eventualmente escapado. Os poemas do “Centelhas de sol” se prestarão a esse tipo de leitura do que os do “Grano(luz)”, ressalvando um ou outro caso, que possa prestar-se de igual modo à meditação e à reflexão. Já o chamado leitor “movente” ou “fragmentado” estará voltado mais para a captação momentânea do texto no seu aspeto formal ou literal, se assim quisermos e, não propriamente, no seu conteúdo ou substância. Por seu lado, o chamado leitor “imerso” ou “virtual”, provavelmente se limitará a um passeio pelas páginas de cada um dos livros, dando uma vista de olhos aqui e acolá, conforme sua conveniência e, sem a preocupação de apreender o que quer que seja. Por conseguinte, como dissemos, o modo de leitura das duas obras, muito irá depender, do tipo de leitor em presença. Mas devemos, contudo, dizer que as duas coletâneas são complementares apesar de constarem de volume diferentes. Até mesmo os títulos dos dois volumes são similares entre si e refletem basicamente o mesmo significado, podendo ser ambos traduzidos, grosso modo, por partículas de luz. Na verdade, o que achamos é que os poetas de um modo geral quando procedem ao ato de criação das suas obras, ocorre um fenómeno interessante: é como se o seu espírito tivesse sido invadido ou atingido por uma espécie de partícula(s) da luz, que antecede à transposição para o papel, daquilo que lhe vai na alma. O “Centelhas de Sol”, foi feito com a intenção de surpreender e despertar a reflexão no espírito do leitor. Por conseguinte, apesar de se tratar de um livro dotado de micropoemas, apela mais à reflexão. Cada poema contém um pensamento e dali se pode extrair várias ilações, conclusões ou sentidos diferentes. Privilegiamos nesse livro, o minimalismo poético. Os poemas, representam, cada um, conhecimentos que nos advieram pela experiência, pela observação e pelas inquietações, que o mundo e a vida quotidiana nos aportaram. Há alguma filosofia de vida também incutida neles. Mas o propósito é sempre o mesmo. São direcionados para o bem, refletindo por vezes um certo pendor moralizador na prática das ações e, de algum modo, apelando a um certo equilíbrio no nosso relacionamento com a natureza e, incitando ao bom senso nas condutas e à boa convivência entre os homens. Em certos momentos, lançamos olhares críticos sobre o homem e a sociedade cabo-verdiana, assim como, expomos sobre o trabalho a saudade, a separação, a perda de entes queridos, a desilusão, a esperança, a vida quotidiana, como dissemos e ainda, os sentimentos afetivos, particularmente o amor. Os poemas do “Centelhas de Sol” devem ser lidos, do nosso ponto de vista, com alguma meditação e reflexão pelo meio. É nosso entendimento que, dá o que pensar, dizer por exemplo, num dos micro poemas, o seguinte: Cara-Monte estirada/Que aos Céus olha tanto/Ao Altíssimo suplicando/Que do povo limpe o pranto/.  Os demais poemas do “Centelhas de Sol” contêm igualmente, mensagens similares que apelam à razão e à reflexão. Já o “Grano(luz)”, é um livro em que, cada poema representa uma vivência, uma situação afetiva, uma experiência ou um momento, em concreto. Esses momentos ou vivências são representados de várias formas. Referem-se tanto a um mistério adveniente daquilo que nos transpõe e, para o qual não temos explicação convincente ou podem incidir sobre uma experiência ou uma determinada situação vivida, tudo isso e muito mais, estará por detrás da explanação de cada um dos poemas ali contidos. Por exemplo, expressa uma visão ou contemplação, aquilo que nos sucedeu quando escrevemos o poema No topo da ilha. Representou um dos momentos fantásticos vivenciados pelo poeta, quando se encontrava num andar de um dos edifícios mais altos da ilha de São Vicente, propiciadora de uma visão maravilhosa.  O curioso é que tempos mais tarde regressamos ao mesmo local pela segunda vez e voltamos a sentir a mesma inspiração de outrora, pelo que voltamos a escrever um novo poema a que decidimos desta feita intitular de No topo da ilha II. Deu-nos mais gozo redigir este último poema, razão porque decidimos estampá-lo na contracapa do “Grano(luz)”. Diz o seguinte: Ar tépido/ amena atmosfera/ no cinzento que se instala/ na abóbada do céu da ilha./ Almofada de nuvens/ abafa e bafeja Monte-Cara/ no equilíbrio que se adivinha/ entre a chuva que quer e não cai/ e o calor que se acomoda e não vai./ A cidade se impacienta/ e poros clamam por H2O./ Sem pressas a natureza/ vai, seu devir, tecendo por si só./ O dourado da praia,/ junto ao porto, é o braço augurado/ e o frescor azulado/ a seu modo, é o acolhimento desejado./ Já é tarde e os transeuntes rastejam/ sua transpiração pelo chão da ilha./ Não tarda, elas ainda se condensam/ e corpos dolentes enfim refrescarão! Já como exemplo de um dos poemas do “Grano(luz)” que representa um momento afetivo (são vários os poemas deste género) sugerimos o caso do Manto Celeste. Diz o poema o seguinte: Pela praia calma e deserta/ sorrisos e gargalhadas escorrem, soltos/ num vespertino envolvente que desce a serra./ Sua tez de tâmara madura/ desafia gravemente o toque dos seus dedos/ e nos ares, um odor a maresia, do azul que circunda a ilha./ Claro, é o castanho do olhar que se perde no seu./ sob um manto outonal de chumbo acinzentado do céu/ e, juntos voam pela abóbada inquieta de suas ilusões! Em outras passagens do “Grano(luz)” vêm à baila outras temáticas, como a preocupação com a seca, sempre presente, ano após ano, no espírito do cabo-verdiano, assim como, a angústia provocada pela perda de um ente querido, ou então, a descrição de uma das festas populares de maior impacto na sociedade, como o é o carnaval, as vivências afetivas que nos assaltam ao longo da vida, a exaltação de determinadas individualidades que nos trouxeram respeito e admiração, a descrição de belas paisagens do nosso país, a transposição para o campo da poesia, do teatro das desgraças e infortúnios vividos, designadamente com a última erupção do vulcão da ilha do Fogo ou com o naufrágio do navio Vicente, entre muitos outros. Em suma, como diz o prefaciador desse livro Javier Dámaso Vicente Blanco, o Grânulos traduz o amor, a vida e a insularidade, de um modo geral.  

Em Centelhas de Sol privilegia o minimalismo poético. Qual foi o seu propósito na opção por poemas breves?

O Centelhas de sol é um livro constituído por noventa e dois poemas breves ou brevíssimo. Representa, digamos assim, o nosso primeiro livro de micropoesia. Neste particular, sentimos algum conforto ao verificar que autores de grande renome e prestígio, também escreveram ou escrevem poemas curtos ou micro poemas, o que, nem por isso desmerecem a constatação da sua beleza formal e a qualidade dos conteúdos e das mensagens que transmitem.  São os casos de Maria Helena Sato no seu livro de poesia Bonsais e Haicais e do Corsino Fortes, com a sua obra Sinos do Silêncio. Apesar de se cingirem a um género muito específico da micropoesia, que são os Haicais, cremos que, de proveniência japonesa, não deixam de ser poemas breves ou curtos. A brevidade, que representa um certo gosto pela miniatura, parece ser um apanágio dos japoneses, de um modo geral, constatada até através das célebres plantas miniaturas que técnica e pacientemente engendram, chamadas de Bonsais. Os nossos poemas transcritos no Centelhas de Sol, decididamente não são Haicais. O Haicai, também denominado de Haicu, é um tipo de poema breve de origem japonesa, como dissemos. A expressão Haicai é constituída por duas outras, o Hai, significando gracejo, brincadeira e o Kai que pode ser traduzido como harmonia ou realização. Por conseguinte o Haicai ou Haicu não é mais do que um poema que ab initio, pretende transmitir o humor, a graça e o divertimento. Apesar da brevidade dos Haicais, o seu conteúdo, segundo especialistas, traduz-se ou pode traduzir-se numa “grande carga poética”. A estrutura da Haicai, na sua forma mais pura, obedece a algumas regras, de certo modo, rígidas e rigorosas. Com efeito, na sua estrutura encontramos apenas três versos, sendo o primeiro composto por cinco sílabas, o segundo por sete e o terceiro também por cinco, contemplando o poema um total de dezassete sílabas. Hoje em dia essa estrutura e essas regras têm vindo a ser mais ou menos descaracterizadas, a ponto de não mais se cingir à regra padrão, pentassílaba-heptassílaba-pentassílaba. Por outro lado, apesar de tratar de um tipo de poema que na sua origem é mais dado às coisas da natureza, nos tempos mais modernos já se produzem Haicais voltadas para outras temáticas como o amor, as vivências sociais e o lirismo, entre outros. Conta-se que o Haicai terá chegado ao Brasil no século passado através de imigrantes japoneses e que Afrânio Peixoto terá sido um dos precursores desse tipo de poema, no referido país. Mais hodiernamente, muitos outros poetas brasileiros terão passado a cultivar esse tipo de poesia, designadamente, Guilherme de Almeida (1890-1969), Paulo Laminski (1944-1988) e Jorge Fonseca Jr. (1912-1985), entre muitos outros. Consta que é da autoria deste último o seguinte Haicai: “Ah! Estas flores de ouro/ que caem do ipê são brinquedos/ pr’as criancinhas pobres…”. Por outro lado, Fanny Dupré, ao que tudo indica terá sido, com o seu poema “Pétalas ao Vento – Haicais”, dado à estampa em 1949, a primeira mulher a cultivar uma poesia deste gênero. É da autoria de Fanny o seguin Hacai: “Tremendo de frio/ no asfalto negro da rua/ a criança chora!” Os nossos poemas do Centelhas de Sol, não são Haicais, como dissemos, antes são poemas breves ou brevíssimos que nos advieram ao espírito por inspiração.  Quem conhece a micropoetisa Maria José de la Hoz, que depois do sucesso alcançado com o seu livro Poemas por Ajo e que, a partir daí, passou a ser conhecida por Ajo, sabe que nos brevíssimos poemas a que ela se dedica, procura expor um jogo de palavras breves, com a intenção de surpreender e de despertar a reflexão. A esse propósito, devemos também dizer que, no nosso caso, ao escrevermos o Centelhas de Sol, não se tratou ab initio de uma opção por poemas breves. Simplesmente as inspirações foram-nos surgindo dessa forma e assim foram sendo transcritas para o papel. Vieram ao nosso espírito, num repente, numa espécie de flashes do pensamento e depois de, assim elaborados, não dava para escrever mais nada. Sentíamos que se acrescentássemos ou retirássemos algo, desvirtuaríamos o poema. Só para dar um exemplo, aquando do falecimento do nosso pai, a inspiração surgiu-nos desta forma, no poema Despedida: Choro sem reposta/ Desaforo sem revolta/ Resignação pelo que Faz falta/ Do que não verá na volta/. Achamos que se tratou daquilo que costumamos chamar de um poema redondo, ao qual, depois de assim elaborado, não dava para acrescer nem suprimir mais nada. Depois de o levar à consideração dos nossos irmãos e irmãs acharam o poema interessante e por isso deram o seu aval no sentido do poema ficar estampado na campa da sua sepultura. Devemos dizer que depois de o escrever, por alguma razão, ficamos extasiados. De facto, não deu nem dava para acrescentar algo mais, nem para suprimir mais nada. Achamos que tal como surgiu, ficou “perfeito”. No “Centelhas de Sol”, privilegiamos efetivamente o minimalismo poético. Os poemas surgem vertidos sob o signo da brevidade. Tratam-se de versejos curtos, porém, sem serem banais. Foi essa a finalidade que se pretendeu alcançar. Cada poema concentra um pensamento que rapidamente se contém nele. São, digamos assim, flashes de ideias, comportando cada uma o respetivo poema. Porque, do nosso ponto de vista, qualidade não é necessariamente extensão, dimensão ou complexidade. A extensão pode até conter a qualidade. Mas a brevidade pode também contê-la. O melhor aroma, costuma-se dizer, provém do mais “pequeno frasco”. Por vezes isso pode também suceder com a poética. Assim pretendemos com o “Centelhas de Sol”, mensagens ínfimas, mas significativas para o autor e, se possível, também, para o leitor. Desprovidas, é claro, de qualquer pretensiosismo. Terão porventura impactos diferentes em leitores igualmente diferentes. Mas tudo irá depender da forma como tais poemas forem apreendidos, percebidos e interpretados pelos leitores. Por conseguinte, entendemos que a leitura das páginas do livro em si afigura-se de algum modo rápida e fácil, embora por vezes, apele a alguma reflexão pelo meio. Portanto o propósito da obra foi o de oferecer para apreciação, um punhado daquilo que entendemos chamar de “centelhas” (daí o título da obra), para a apreciação dos leitores. Numa crítica abonatória que veio na internet, acerca dos micropoemas de Maria José de la Hoz, sustenta-se que a micropoesia pode ter vários sentidos, de acordo com o tipo de leitor em presença e em conformidade com a sua perspetiva de análise.  De acordo com essa mesma análise, a micropoesia é a arte de surpreender com poucas palavras. Ora, foi precisamente esse o objetivo que também propugnamos com o “Centelhas de Sol”: o de querer surpreender com poucas palavras. Às vezes o próprio autor se surpreende com o que escreveu, como foi o nosso caso. Efetivamente afigura-se-nos poder surpreender e apelar à reflexão, no seguinte poema, que sob o título de Geração, diz o seguinte: Parai-vos!/ Devolvei/ o que da natureza/ vos proveio por empréstimo! O mesmo resulta do poema intitulado Bruma, escrito da seguinte forma: Quisera eu crer/ que um dia fosses padecer/ e a morte te levar/ para longe, muito longe do teu lar! Idem aspas, em relação ao poema que intitulo de Levitação, assim escrito: Leve como pena, sentir/ pelos ares do monte, voar/ a neve, seus folíolos, colorir/ e no alvo do branco pairar! E por aí fora. A maior parte dos poemas do “Centelhas de Sol” têm precisamente o propósito de surpreender e de fazer “reflexionar” ou se quisermos de apelar à reflexão da parte de quem os lê. Se isso vier de facto a suceder, nos daremos por felizes e satisfeitos.

 

Escreve na nota de abertura de um dos seus livros que os seus poemas terão porventura impactos diferentes em leitores igualmente diversos. Em que sentido?

Cremos que é natural que assim se entenda já que estudos nos demonstram que existem várias categorias de leitores e, por conseguinte, as mensagens transmitidas pelos diversos poemas, dependendo do tipo de leitor em presença, poderão despertar determinados sentimentos, apetências, simpatias, ou talvez, nem tanto. Precisamente porque são poemas que poderão ser lidos por ângulos diversos, sobretudo os do “Centelhas de Sol” e, terão muito a ver com as opções ou simpatias filosóficas de cada leitor. Prestam-se por isso mesmo a interpretações diferentes, salvo casos de um ou outro poema mais ou mesmo axiomático. Alguns porventura se sentirão como que, destinatários de um determinado poema, isto é, poderão, de algum modo, sentir que um determinado poema se lhes destinam. Outros, quiçá, se sentirão identificados com o que pretendemos transmitir através desse mesmo poema. Outros ainda se sentirão porventura indiferentes em face de tal poema. Tudo depende do lado em que se encontrar o leitor atento. Alguns dos poemas traduzem factos observáveis, os chamados factos notórios, que não podem ser negados. Outros, traduzem pensamentos e reflexões com alguma filosofia sobre a vida ou sobre o mundo e a sociedade, pelo meio. E as filosofias e os modos de pensar e de sentir, variam, naturalmente, de leitor para leitor. O chamado “leitor movente ou fragmentado” surgido ainda na azáfama que se seguiu à revolução industrial, mas com projeção nos nossos dias, terá provavelmente mais apetência para ler ou consultar o “Centelhas de Sol”, por se tratar, o seu conteúdo, de poemas breves ou brevíssimos e por serem de leitura fácil, isto é, sem grandes dificuldades e sem se perder muito tempo. Estamos, neste caso, perante um leitor apressado e por isso mesmo, dotado à partida de menor preocupação com a concentração nas leituras situando-se entre aquele leitor denominado por “leitor contemplativo” e o chamado “leitor imerso”. Isso, claro, no que respeita à extensão dos poemas. Efetivamente esse tipo de leitor (o “movente” ou “fragmentado”) se presta mais a uma leitura rápida, numa “batida de olhos” e que não requeira intimidade, privacidade ou reflexão. Também, é preciso que se diga que a pressa da vida é igualmente apanágio dos nossos dias, pelo que, muitas vezes nos sentidos confrontados com falta de tempo para procedermos a leituras “aturadas”. Por outro lado, apesar de poder parecer paradoxal, esse tipo de poemas, inseridos no Centelhas de sol, por conter mensagens e conteúdos suscetíveis de mais de uma interpretação, se prestam também à leitura por parte dos leitores “reflexivos” ou “meditativos”. Assim, enquanto que os chamados “leitores contemplativos” seriam aqueles que propõem uma leitura demorada e pormenorizada dos textos, já os “leitores imersos” também denominados de “leitores virtuais”, inserir-se-iam naquela categoria que está predisposta a exercitar uma leitura desfiada e infindável, mas de forma entrecortada. Este último estabelece a ponte e a interconexão entre as várias leituras e os vários conteúdos com que vai deparando, saltando de um texto para o outro, com a maior das facilidades. Hoje em dia, com todos os aparatos digitais e possibilidades, não é difícil de imaginar como é esse tipo de leitor. Detesta a ordem e o rigor exacerbado e tudo o mais que de algum modo lhe possa dificultar naquilo que pretende ler e apreender. Está sempre pronto e recetivo a cada nova leitura e a apreender novas outras informações. Estabelece o seu próprio percurso e sente uma certa à vontade em navegar em várias e simultâneas dimensões. Os leitores “imersos” ou “virtuais” por via de regra estão apegados aos seus instant messengers e privilegiam uma estada na praia, nos restaurantes, bares ou snaks, tomando café ou mesmo um drink, de cabeça inclinada, fazendo as suas consultas na NET enviando os seus SMS, sabe-se lá para que destinatário(s) ou então, manipulando o seu iPad para consultar revistas ou interagindo com o mundo exterior. Esse tipo de leitor, provavelmente não terá tempo nem “pachorra” para se dedicar a leituras mais ou menos complexas ou que requeiram mais ou menos meditação. Já os leitores reflexivos ou meditativos, privilegiam o ato de refletir sobre aquilo que leem e isso requer tempo, ponderação e interrupções sucessivas a meio das leituras a fim de apreender o máximo possível e da melhor forma, a mensagem que é transmitida. Assim, posto isto, importa salientar que um leitor dado à contemplação e à apreciação de descrições pitorescas, paisagísticas ou que de algum modo reflitam fenómenos da natureza, se sentirá de algum modo reconfortado com a leitura de qualquer dos seguintes poemas do “Grano(luz)”: No topo da ilha I e No topo da ilha (II), assim como com o poema Borboleta. Vale a pena transcrever um desses poemas e escolhemos No topo da ilha I que diz o seguinte: Do alto patamar,/ no cimeiro andar,/ arremesso o olhar/ em direção ao mar./ Monte-Cara à esquerda,/ seu ilhéu à direita,/ sentinela atenta,/ de pronto vigilante./ Santo Antão ao fundo,/ trava o oceano profundo/ e oferece seu terno abraço./ De sorrisão azulado,/ quer-me por convidado/ para um novo envolvimento. Mas, para aqueles que preferem deleitar com temáticas de cariz enigmático ou que de algum modo espelhem o misterioso e o fantástico, encontrarão certamente algum deleite na leitura de poemas como Universidão, Eles existem e Augúrio, poemas também inseridos no Grano(luz). Transcrevendo Universidão, temos o seguinte: Encerro meus olhos/ e me distancio no espaço./ O tempo, esse, permanece real./ Me mantenho acima de mim e distante do eu./ Os enxergo, distantes, pequenos, inquietos e laboriosos,/ dentro do seu lapso da ilusão da intemporalidade,/ inobstante sua curta época de existência./ Tão frágil a gota, o invólucro, a bolha,/ na universidão do espaço/ e na infinitidão do tempo! Já os leitores de carácter mais dolente e que de algum modo apreciem algo mais profundo e que apela à reflexão existencial do ser humano, poderão encontrar o rescaldo do seu sentir nos poemas do mesmo livro, intitulados Ser e sinais e Virtualidades. O poema Ser e sinais diz o seguinte: Dia denso, obtuso e amargo,/ parido no seio de uma noite acinzentada./ Nuvens frias, sombrias e cabisbaixas,/ escoam suas águas por suas ladeiras, abaixo/ e no cerne da atmosfera que as encerra,/ escorrem mágoas por suas ribanceiras./ Sopro de um vento, gélido, retorcido,/ desferido do mar para a terra. Névoas/ pairam num fundo baço, por sobre o Oceano./ Aves soltas, alto, voam, desarvoradas,/ em todas as direções. Tapam um Sol/ anémico, no elevado cume do firmamento/ sem fim. De passagem, está, num novo rotativo./ Assim é o tempo, assim é o ser,/ mais, muito mais do que o mero dever ser!/ Assim são os rituais, assim são os sinais,/ mais muito mais do que o simples querer! Os chamados leitores românticos, provavelmente se sentirão mais identificados com o livro “Grano(luz)”, já que a maior parte dos poemas ali transcritos, num total de dezassete, são mais desse cariz. Referimo-nos particularmente aos poemas seguintes: No roseiral de ninfas, Bênção, Primeira vez, Sina, Regresso dos Orixás, Obstinação, Desilusão, Minha estrela cadente, Conselho, Invasão vitoriosa, Indiferença, Praia ao norte, Manto Celeste, Ternura, Fraquejo, Lá e cá, Envolto pela Natureza e Delíquio. Escolhendo No roseiral de ninfas para transcrever, temos o seguinte: Bela é ela, nossa crioula/ caldeado no sol, no vento e na maresia,/ canção inspiradora da nossa viola/ coragem que derruba qualquer ventania!/ Bela é ela, nossa cantarola,/ santa e razão do nosso dia-a-dia,/ perfume e melodia da nossa vitrola,/ paz e amor que sabe a maresia!/ Sem ela vai-se a cabo-verdianidade,/ se acaba a sanidade/ e a nossa grandiosidade!/ Sem ela, desfaz-se nossa vaidade,/ soçobra nossa bondade/ e a nossa grandiosidade! No livro em questão encontramos ainda poemas respeitantes a dramas ocorridos no arquipélago, designadamente aquando do naufrágio do navio Vicente e da última erupção do vulcão da ilha do Fogo. Estes episódios têm a sua evocação nos poemas intitulados Delíquio e Sumptuosa elevação, respetivamente. Com Sumptuosa elevação, transcreve-se o seguinte: Menos pequeno de todos nós/ é nosso vulcão nas mãos de Deus./ Berço, recanto dos nossos avós,/ que range e revolve escombros seus!/ Quando bramindo, suas entranhas expele/ e igual a chumbo o plúmbeo céu fica./ A natureza estremece e o homem emudece/ e os espíritos e os corpos, a tudo mortifica!/ Deixai-o adormecido no repouso dos tempos/ e livrai de tumultuar seus rubros escolhos/ que enraivecido, desperta e extravasa os marcos!/ Cuidai, que de um sono calmo e sereno, goze/ e penetre fundo pelos ramais das chaminés, não vá/ descompassar o nobre povo da morabeza! Outros textos poéticos poderão prestar-se à uma boa leitura por parte daqueles que privilegiam poemas que comportem matérias que traduzam inquietações tal como sucede com: Exaltação, Sombras, Meta, A hora, Alerta, Caminho ardiloso, Viagem e Destrave. O mesmo “Grano(luz)” comporta ainda poemas que traduzem um certo pendor moralizador, como Desenganos e Revés, ou que descrevem perdas de entes queridos, como Ser e sinais e Virtualidade, ou ainda que refletem a dicotomia entre o bem e o mal, como Ressurreição invertida, ou ainda, poemas que expressam um certo tom desafiador, como Quixotismo e Desafio. No mesmo livro, encontramos, por fim, poemas que descrevem eventos festivos, como o Carnis levale e poemas de esperança, como Para além do caos, Progresso, Bafo da terra e Distanciamento. Todo esse elenco traduz a poética do “Grano(luz)”, comportando uma variedade de poemas que de algum modo poderá satisfazer este ou aquele leitor, consoante as suas apetências, como se disse. No que respeita ao “Centelhas de sol”, vamos também encontrar na sua estrutura, poemas que responderão, certamente, a inúmeras apetências de autores diversos. Assim, deparamos com textos, de algum modo, “destinados” àqueles que estarão mais voltados para poemas que privilegiem o alerta e a inquietação, tal como sucede com Insensibilidades, Destino, À margem, Obsessão, Clone, Na carne, Desolação, Projeção, Degraus, Esperança, Confiança, Ao sabor do vento, Prece, Género, Travestidos, Indiscrição, (In)justiça, Versátil, Inveja, Desinteligência, Paciência, Perdido, Finta, Valentia, Carestia, Covardia, Premonição,  Ladrão, Não, Geração, Cautela, Astúcia, Menosprezo e Maquiavelinho. De entre esses, podemos escolher o poema Projeção, que diz o seguinte: O rasto da carroça/ adivinha o rumo que há de vir,/ se de bem, se de mal,/ o que trará no seu prosseguir. Temos aqueloutros poemas que serão mais do agrado daqueles têm apetência para textos que refletem o romantismo. São exemplos destes últimos, os poemas seguintes: Ela, Renovação, Flor das flores, De como matar um amor, Êxtase, Oportuno, Harmonia e Enigma. Escolhendo um deles, temos o Flor das flores, que descreve o seguinte: Quis um rosa, adquirir/ e ao meu amor oferecer,/ que nome de rosa não tem,/ mas é ela uma flor também,/ que perfume exala no seu falar/ e pétalas exibe no seu andar! Do mesmo passo, vamos encontrar no livro, poemas que de algum modo, irão ao encontro daqueles leitores que preferem deleitar com assuntos ou matérias que traduzem o fantástico, o misterioso ou enigmático. São os casos do Deslumbre, Abandono, Protegido, Premonição, Levitação, Eterno, Incondicional e Centelhas de sol. De entre eles, o poema Abandono diz o seguinte: Querida Lua,/ que na descida/ o céu deixas triste,/ de vida desprovida,/ na tua descida, querida Lua/ e a minha também, abandonada! Há ainda aqueles leitores que, como já tínhamos dito, são dados à apreciação de poemas de cariz mais dolente ou se quisermos que traduzem os mistérios da vida. Assim, vamos encontrar, no referido livro, poemas que retratam perdas de entes queridos, como Ladrão, Bruma, Despedida, Reencontro adiado, Desespero e Mais que tudo. Escolhendo o Bruma, diz o seguinte: Quisera eu crer/ que um dia fosses padecer/ e a morte desta vida te levar/ para longe, muito longe do teu lar! Entre os que são de pendor mais moralizador, temos os poemas seguintes: Além da visão e o Fácil, que diz o seguinte: Pela trapaça,/ luva ajustada,/ no toma e passa/ lá chegara…/ Mas não sossegara!  Integram o rol de poemas, aqueloutros que se mostram de cariz desafiante e ou de esperança, como o Obstinação, Degraus, Finta e Herói. Transcrevendo o Finta, diz ele o seguinte: Chispem/ luzes lá do alto/ ao cocuruto do caminhante,/ para que drible os que vêm no encalço! Quanto aos poemas que expressam a dicotomia entre o bem e o mal, temos o Na carne, Investidas, Indiscrição, Bicéfalo e Desinteligência. Diz o Indiscrição: Escutar/ na rua,/ nas casas,/ nos carros,/ perscrutar no ar…/ e dentro das almas! Outros poemas traduzem a esperança, como Desolação, Carestia, Sustento, Ponderação, Paciência, Virtude, Senso, Sabedoria e Ventura. Diz assim, o Sabedoria: Encruzilhadas, desvendar,/ armadilhas, desfazer,/ falsidades, driblar/ e a vida, viver!

Por fim, restam os poemas que traduzem a contemplação, também inseridos em outros textos do livro em questão, que são os seguintes: Vicejar, Seres de Deus, Evolução e Vida. Expressa assim o poema Evolução: Mais do que pela razão/ Darwin queda-se pela visão./ Espécies transfiguram/ em sarnentos vira-latas/ que até passadeiras, atravessam/  Portanto, ao escrevermos na nota de abertura de um dos livros que, os nossos poemas terão porventura impactos diferentes em leitores igualmente diversos, o que quisemos dizer é que, dependo da temática abordada em cada poema, o mesmo terá a preferência deste ou daquele leitor, conforme seu carácter, princípios e a filosofia de vida que o norteia, entre outros aspetos.


A que leitor se destinam os seus dois livros?

Os dois livros não foram elaborados tendo de antemão, em mira, um determinado tipo ou categoria de leitor. Dizendo de outra forma, dirigem-se a todos os leitores de um modo geral. Por conseguinte, não há propriamente uma única categoria de leitores a que especificamente se dirijam ou se destinem, as duas obras. Todavia sabemos que existem vários tipos de leitores e têm sido divulgados até esta, estudos mais ou menos aprofundados sobre a matéria. É claro que nesse domínio, o nosso país não foge à regra. Estou convencido de que são igualmente inúmeras as categorias de leitores existentes em Cabo Verde. Talvez o “leitor comum”, na terminologia de alguns (representando uma boa parte dos leitores) sinta alguma satisfação na leitura de boa parte dos poemas tanto do “Grano(luz)” como do Centelhas de Sol. Com efeito, diz-se desse tipo de leitor que se trata de uma categoria que procura o divertimento e o deleite na leitura, ou então, que busca o conhecimento, o prazer e a satisfação. O leitor romântico, na terminologia de outros, pode perfeitamente inserir-se nessa categoria e é nosso entendimento que se sentiria particularmente interessado em ler e apreciar alguns dos poemas do “Grano(luz)” e outros tantos do “Centelhas de Sol”. No que respeita ao primeiro, podemos destacar poemas de natureza romântica, como: No roseiral de ninfas, Bênção, Primeira vez, Sina, Regresso dos Orixás, Obstinação, Ressurreição invertida, Quixotismo, Desilusão, Minha estrela cadente, Conselho, Invasão vitoriosa, Indiferença, Praia ao norte, Manto Celeste, Ternura, entre outros. Quanto ao “Centelhas de Sol”, pode-se também identificar poemas que de algum modo poderão também despertar uma certa atenção da parte dessa categoria de leitores. Tais poemas são, entre outros, os seguintes: Ela, Insensibilidade, Flor das flores, Desencontro, De como matar um amor, Êxtase, Fusão, Uno, Desencontros, Oportuno e Harmonia. Mas o “Grano(luz)” e o “Centelhas de Sol”, não são constituídos apenas por poemas dessa natureza. Existem alguns outros que poderão despertar o interesse e a simpatia da parte dos “leitores reflexivos”. “O Grano(luz)”, se dedica também e em grande medida a leitores preocupados com o meio ambiente em todo o nosso planeta e, com a chuva que, quando tardia costuma constituir uma grande preocupação para o camponês das nossas ilhas e para toda a população cabo-verdiana, em geral. Por conseguinte, os dois livros, mas sobretudo o “Centelhas de Sol”, mais do que o “Grânulos”, dirigem-se igualmente a “leitores reflexivos” que meditam sobre a nossa existência, o mistério da morte, a problemática da juventude e a sua luta na busca pela afirmação na sociedade, entre outros. Essa categoria, segundo alguns estudiosos da matéria representam aqueles leitores capazes de se abstrair de tudo o que o rodeia e das vivências do mundo, para se dedicar e refletir sobre o que lê, de forma isolada, intermediada, várias vezes, com pequenos intervalos para meditar e depois retornar à leitura até julgar ter entendido ou apreendido o essencial do conteúdo da mensagem que está inserido no texto ou no livro objeto da sua leitura. Esse tipo de leitor não está condicionado pelo tempo, interessando-lhe apenas entender e refletir sobre o que se pretende transmitir com aquilo que lê. Por essa razão tais leitores são também denominados por vezes de “meditativos” ou “contemplativos”. Poemas como: Ser e sinais, Exaltação, Eles existem, Delíquio, Augúrio, Carnis levale, Recado, Desafio, Universidão, Sombras, Meta, A hora, Alerta, Progresso, Caminho ardiloso, Sumptuosa elevação, Bafo da terra, Viagem, Revés e Destrave, poderão, pela sua natureza, cair no agrado desse tipo de leitores. Já no que respeita ao “Centelhas de Sol”, trata-se de um livro que em essência, apela à reflexão e à meditação. Micropoemas, de um modo geral, têm o condão de surpreender e de fazer refletir, como já dissemos e esse livro é composto de tais tipos de poemas. Só a título de exemplo, podemos indicar alguns deles, como: Deslumbre, Destino, Desolação, Travestidos, Origem das coisas, Ambiente, Sabedoria, Ventura, Levitação, Geração e Incondicional, entre outros.  

 

Acredita que o leitor e já agora o crítico ou a crítica são também autores dos seus livros?

Bom, acerca disso, devo dizer que em grande medida, o bom acolhimento por parte dos internautas que leram os poemas do meu primeiro livro de poesia intitulado Na Espiral dos tempos e outros cânticos, me deram um certo alento para prosseguir e subsequentemente, publicar. Nesse processo e nessa interação toda, afigurou-se-me que terá havido um certo ajustamento e identificação entre o que escrevia e o que meus leitores esperavam de mim, inclusive, trocando mensagens e expondo opiniões. Vistas as coisas deste prisma, fica no ar a ideia de que os leitores, em certa medida identificam-se com o seu autor e a um tempo, o leitor ao participar desse processo criativo, estará de certo modo envolvido também no processo de nascimento da obra. Por conseguinte, em certo sentido acredito que sim, isto é, os leitores poderão, assim agindo, estar a comparticipar da autoria da obra. Alguns estudiosos e críticos literários alimentam também essa perceção. Até porque por vezes, pode suceder que determinado(a) internauta decida propor ou sugerir que arque ou comparticipe também nos custos da edição da obra. Aliás, foi o que nos sucedeu aquando da edição e publicação do Na Espiral dos tempos e outros cânticos. Assim, do nosso ponto de vista quando o leitor ou o crítico se identifica com as mensagens que o livro pretende transmitir, de certa forma, poderão também ser igualmente tomados ou ser considerados como “autores” do livro ou pelo menos participantes da sua autoria. Mas sem dúvida que a decisão final de editar cabe sempre ao autor, o qual tem também em suas mãos a responsabilidade e a decisão de arcar com os custos da publicação da obra. Tem sido muito debatida pela crítica literária de um modo geral a forma como essa dinâmica toda, autor-leitor, se tem processado no ciberespaço. Esse facto tem gerado a necessidade dos autores midiatizarem os seus trabalhos e as suas produções de forma a gerar uma interação com seus leitores e desse modo poderem estar à altura de irem ao encontro das expetativas destes últimos. A internet veio de facto a introduzir um fator importante na relação dos autores com os seus leitores. Everton de Santa, lança o debate acerca daquilo que ele denomina do jogo do autor-leitor na literatura. O mesmo evidencia essa relação entre esses dois sujeitos de uma mesma realidade, que é o processo da criação literária, tendo a obra como elo de ligação entre ambos. Isso está de certo modo relacionado com a dinâmica que ocorre no mundo do ciberespaço, em torno do relacionamento autor, leitor e a obra. A aproximação entre o autor e o leitor através do ciberespaço é de certa forma determinada pelo facto do autor ter a necessidade de, frequentemente, socorrer-se da midiatização que esse espaço proporciona, para que possa aproximar-se cada vez mais o processo de criação das suas obras da expectativa dos seus leitores.  


Acredita também que o leitor poderá enriquecer, mas também, apoucar os seus livros?

Certamente que qualquer dessas duas opções se mostra virtualmente possível e, é natural que assim seja. Mas a esse propósito, devemos dizê-lo, não fazemos a mínima ideia do que virá a seguir. Os livros já estão aí nas bancas e ao alcance do grande público e naturalmente eles irão fazer o seu percurso. O que devemos dizer, é que os comentários que nos têm chegado até o presente momento, são muito abonatórios, a começar pelos prefaciadores dos dois livros e pelos comentários tecidos na contracapa de um deles e, ainda, pelos argumentos expostos pelos apresentadores das duas obras em Mindelo, o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco, poeta, escritor e académico, espanhol e o escritor e poeta cabo-verdiano, Ildo José Rocha. Mas mesmo no que respeita ao leitor comum, a apreciação de um ou outro leitor anónimo, feita, presencialmente, tem sido no sentido de tecer elogios aos dois trabalhos. Porém os livros, como dissemos, apenas iniciaram a sua trajetória e estou convicto que tudo irá prosseguir na normalidade e os leitores de um modo geral irão deleitar-se com tudo o que neles está contido e com as mensagens que com eles pretendo transmitir. Mas mesmo que venha a crítica literária num outro sentido, a sua finalidade é e será sempre bem-vinda, enquanto ferramenta que debruça sobre as produções artísticas e literárias, de um modo geral, que é a de contribuir para o aprimoramento do rigor metodológico das obras, seja no campo do teatro, da televisão, do cinema ou da literatura. Em Cabo Verde, como é sabido dispomos de uma crítica literária ainda insipiente, razão porque a sua emergência com mais fôlego só poderá significar da parte de quem se dedica à produção da coisa literária, teatral, televisiva, cinematográfica, maiores cautelas e cuidados redobrados, assim como, uma melhor dedicação na produção dos seus trabalhos. Seja como for, tem vindo a surgir de algum modo regular e habitual, alguma crítica literária entre outras, da parte do escritor, editor e poeta cabo-verdiano, Filinto Elísio, num dos periódicos cabo-verdianos. Porém, com o devido respeito, apesar de meritório, não se nos afigura que esse trabalho se mostre ainda suficiente face ao caudal da produção literária que tem vindo verificar-se no país. A crítica literária, de um modo geral, como sabe, não é recente nem é coisa dos nossos dias. Vem de há milhares de anos atrás. Há quem diga que se reporta à algumas décadas antes de Cristo e que terá sido Dionísio de Halicarmaso, um filósofo da Grécia antiga, o inventor de tal crítica. A crítica de qualquer obra literária não terá que ser necessariamente negativa, ou seja, a sua finalidade última não é a de apoucar os autores ou as suas obras. Pode bem perfeitamente avaliar positivamente ou apontar caminhos a uma determinada obra. Os críticos, como se sabe, por via de regra são pessoas formadas nas áreas da filosofia ou da literatura, podendo ainda tratar-se de indivíduos dotados de vastos conhecimentos no domínio da coisa literária ou outro domínio, constituindo seu trabalho o de expressar a sua opinião através dos meios de comunicação oral ou escrita, o seu ponto de vista e a sua avaliação acerca de um determinado trabalho ou produção literária, teatral, cinematográfica ou outra. Por conseguinte, está e estará sempre sujeito à crítica, qualquer um(a) que se aventure ou se dedique à produção, edição e publicação de quaisquer obras, nos mais variados domínios.  

 

Será o seu poema Obsessão a chave para a interpretação dos seus poemas?

Neste particular, devemos esclarecer em primeiro lugar que Obsessão é o título de um dos breves poemas do Centelhas de sol, mais concretamente, trata-se do décimo primeiro poema do livro e, é constituído por apenas seis versos. Pergunta-nos se esse poema constitui a chave para a interpretação dos demais poemas do livro. À essa pergunta respondemos que, não, necessariamente. Se é que podemos falar de um poema chave para o Centelhas de Sol, esse poema, do nosso ponto de vista, é o que vem mesmo no fim do livro e é o que dá nome à obra. É o último, de todos. Na verdade, para nós, os poemas são todos eles, centelhas. Ou se quisermos, são partículas de luz que nos afluíram ao espírito num determinado contexto e subsequentemente foram transpostos para o papel. A ideia de escrever o poema Obsessão surgiu num momento particular em que muito se falava da invasão da privacidade informática e da possibilidade de, por essa via, conhecer e manipular a vida pessoal dos utilizadores e, eventualmente, alterar informações e ou dados pessoais. Mas esse poema traduz apenas uma de entre várias outras inquietações do autor, trazidas à baila pelo Centelhas de Sol. O Reencontro adiado, Maquiavelinho, Cautela e, Fácil, são outros exemplos. Tratam-se de poemas brevíssimos que podem ser lidos rapidamente. Transcrevendo esse poema, que constitui o antepenúltimo do livro, intitulado Reencontro adiado, diz o seguinte: O tempo é ladrão, velho meu./ Há de me levar um dia, ao encalço seu/ o mesmo verdugo que me apartou do seio teu? Por outro lado, o Maquiavelinho, octogésimo quinto, do rol dos poemas, foi escrito da seguinte forma: Imitar, primeiro,/ depois avançar,/ lá longe chegar,/ a seguir abusar! No que concerne ao poema Cautela, diz o seguinte: Alcançar a meta/ conservar a trombeta/ que a chegar vêm mais de trinta! Por fim o poema Fácil foi redigido da seguinte forma: Pela trapaça,/ luva ajustada,/ no toma e passa,/ lá chegara…/ mas não sossegara!  Voltando à sua pergunta, dizemos que, outra razão de ser do poema Obsessão é que também ficamos estupefactos com a excessiva preocupação com a vida alheia e isso às vezes, proveniente de determinados quadrantes que à partida deveriam afigurar-se-nos como insuspeitos. É que ficamos com a ideia de que a sociedade se complexificou e dotou-se de um certo modus faciendi de algum modo inteligente, complexo e meticuloso. E o poema Obsessão foi uma forma encontrada para, de certo modo, ampliar essas preocupações. Diz o poema o seguinte: Alongar o mar, alongar o ar/ ah! vil obsessão de tudo alongar./ Alongar a lua, alongar as estrelas/ a fronteira, alcançar e ultrapassar/ para além do além-mar, os espíritos alongar/ alongar, alongar, ah! Nunca mais parar de alongar! É propósito desse poema despertar a reflexão para um certo conteúdo metafórico nele incutido. É um daqueles poemas que poderá despertar efeitos diferentes em leitores diversos, tudo dependendo da perspetiva em que for lida e do posicionamento em que se encontrar o leitor. Essa dicotomia de interpretação pode também ser encontrada em muitos outros poemas do livro, tal como sucede com o poema Destino que diz o seguinte: Fiozinho leve/ cristalino de água fresca/ que borbulha e escorre/ por entre ervas sorridentes/ na ânsia de alcançar o mar/ o branco areal vai-lhe sugar!


Os prefácios dos dois livros são assinados por intelectuais estrangeiros. Qual a razão?

Não há nenhuma razão de muito especial. Simplesmente, porque, em primeiro lugar, tratam-se de dois grandes amigos nossos e de Cabo Verde, em geral, por quem nutrimos grande admiração, respeito e consideração. Segundo, porque, quando lhes lançamos o repto, nesse sentido, tanto a Professora Simone Caputo Gomes, como o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco, aceitaram no imediato e de bom grado, fazer os prefácios. Terceiro, porque talvez tenha sido essa a forma encontrada para procurar alguma internacionalização dos nossos trabalhos e assim, poder dar a conhecer além-fronteiras, o que produzimos em Cabo Verde. Apesar de, presentemente, haver muitos autores cabo-verdianos conhecidos no estrangeiro, achamos que é sempre bom fazer mais um forcing nesse sentido. Ademais, o que também nos alegra bastante é o facto de se tratar de duas personalidades de grande vulto, tanto no mundo académico como no literário. O Professor Dámaso possui já inúmeros trabalhos publicadas tanto no domínio da poesia como no do Direito, além de se tratar de uma prestigiada entidade do mundo académico espanhol. A Professora Simone, de igual modo, por aquilo que sabemos, trata-se de uma grande personalidade do mundo académico brasileiro, cujo prestigio extravasa a Universidade de São Paulo onde exerce a docência, projetando-se pelo Brasil inteiro, ultrapassando as fronteiras do seu próprio país, para se projetar no exterior, designadamente, no nosso Cabo Verde, onde é prestigiada e acarinhada pela classe dos escritores e intelectuais cabo-verdianos de um modo geral. Acerca da opção por prefaciadores estrangeiros, devemos dizer também, que, alguma demora na produção dos prefácios solicitados, por parte de intelectuais, nacionais, fizeram-nos optar por essa medida. Sentimos que a pesada agenda das pessoas por nós contactadas, aqui no país, não lhes permitia trabalhar os prefácios solicitados, apesar de toda a sua boa vontade nesse sentido. Por isso, dado o protelamento sucessivo na sua elaboração, decidimos optar por essa via. E os prefaciadores, o Professor Javier Dámaso Vicente Blanco (espanhol) e a Professora Simone Caputo Gomes (brasileira), como dissemos, não se fizeram rogados. Aceitaram o repto que lhes lançamos e, rapidamente produziram os prefácios solicitados. Isso, naturalmente, deu-nos uma grande satisfação, pelo que fazemos questão de endereçar-lhes daqui um grande abraço de reconhecimento e amizade. Devemos, todavia dizer também que as reflexões que vêm na contracapa do Centelhas de Sol, foram elaboradas por uma escritora nacional, de elevado quilate, muito conhecida e prestigiada entre nós. Refiro-me à Doutora Ondina Ferreira, a quem aproveitamos também, para nesta sede, endereçar-lhe um grande abraço e agradecer penhoradamente o belo trabalho que fez, o que sem sombra de dúvidas, valoriza e enriquece imensamente o nosso trabalho.

 

Jorge Luis Borges no último livro publicado em vida disse que era terra, cansada terra e que ninguém se admirasse que o primeiro dos quatro elementos, o fogo, não abundasse nesse livro.  “Sigo, sin embargo, escribiendo. Qué outra suerte me queda, qué outra hermosa suerte me queda?” exclamou. No seu caso, é também uma hermosa suerte (aqui suerte deve significar desdita) e já consumiu o fogo (centelha) poético, ou iremos ter mais livros seus num futuro próximo?

Tanto quanto sabemos, Jorge Luis Borges, foi um escritor latino-americano, mais concretamente, da Argentina. Distinguiu-se também como poeta, ensaísta, crítico literário e tradutor, posto que, segundo consta, dominava fluentemente vários idiomas. Jorge Luis Borges, como se disse, era um argentino de ascendência judaico-portuguesa que nutria uma certa simpatia por revistas surrealistas, tendo publicado boa parte das suas obras nesse tipo de revistas. Borges foi trazido para a ribalta do movimento literário, em decorrência do boom argentino que ficou a dever-se, em grande medida, a obras de Gabriel Garcia Marques, designadamente o seu famoso romance denominado “Cem anos de solidão”. Borges chegou a receber alguns prémios e boa parte dos seus trabalhos foram extensamente divulgados nos Estados Unidos da América. Nutrimos uma certa simpatia por Acevedo, devido à sua apetência pelo fantástico e pelo enigmático. Sabemos que nas suas últimas obras, Borges procura dialogar com monstros sagrados da literatura mundial como Virgílio, Spinosa e Luís de Camões, entre outros. Quanto à pergunta que me faz, costumamos salientar, no lastro do que já foi dito por outras individualidades, que o “futuro só a Deus pertence”. De todo o modo é nosso sentimento que outras obras poderão advir com o tempo. Porém não temos nem poderíamos ter a veleidade ou o condão de datar ou estabelecer prazos para o surgimento de uma ou mais obras. Os livros de poesia não são nem poderão ser obras com data previamente estabelecida. Quando houverem de nascer, nascerão. Ou seja, se mais inspiração houvera, mais poesia nascera. Se isso vai ocorrer daqui a um, dois, três ou mais anos, isso já não podemos nem sabemos responder. No nosso caso, o que podemos dizer é que há acontecimentos, vivências, circunstâncias e momentos, que são propiciadores da inspiração e consequentemente, do nascimento da poesia e esperamos que venham a suceder inúmeras situações na nossa vida que possam conduzir a esse feliz desfecho, isto é, que venham a estar na base do surgimento de poemas belos e bem conseguidos e, que venham a servir de deleite para os nossos leitores. Se vierem e quando vierem, hão de ser para nós, sempre uma “hermosa suerte” no dizer de Jorge Luis Borges. Não terão que ser necessariamente poemas complicados, extensíssimos, complexos, intrincados ou em doses cavalares. Já nos bastará a nós, que traduzam alguma beleza formal, que os leitores gostem e que sejam capazes de transmitir sentimentos autênticos do autor. É fluida a inspiração para a elaboração da poesia. Ela anda por aí. Está no ar e em todo o lado. Encontrámo-la numa bela visão da paisagem, na dor da separação, na perda de alguém querido(a), enfim em inúmeras situações, as mais inusitadas. O mais importante é saber captar esses apelos que vêm do exterior ou mesmo do nosso interior e transformá-los num diálogo transcendental com o papel. A tristeza, a deceção ou desapontamento, a angústia, podem, também, traduzirem-se em bons momentos de inspiração, como o podem ser de igual modo, a alegria, a êxtase e a felicidade. Por conseguinte o sentimento de perda física de um ente querido, também, como já o dissemos, pode proporcionar esses mesmos momentos “mágicos”. Assim, toda a poesia é um ato de criação e quem a faz, dá a conhecer algo novo. Pode até ser algo de que já tenha sido dito ou falado. Mas, sê-lo-á, sempre numa perspetiva e forma diferentes. Por exemplo, no livro Grano(luz), trazemos um poema intitulado Destrave, que segundo me comunicaram alguns leitores, faz-lhes lembrar o célebre poema intitulado, salvo erro, “Mordaças a um poeta” da autoria de Ovídio Martins (creio ser ele o autor do poema). Outras vezes, nos surpreendemos a fazer poemas sobre a própria poesia, de forma autopoiética, como dizia alguém. Por tudo isso, o poeta pode ser e assumir dimensões de um verdadeiro artista ou artífice da poesia ou, melhor dizendo, da palavra ou do verbo. Tem ou deve ter o propósito e a responsabilidade de arrumar as palavras, de preferência, bem arrumadas, dentro de um determinado contexto, como quem constrói um belo edifício. 


Versão completa do texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 832 de 08 de Novembro de 2017. 

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Autoria:António Monteiro,12 nov 2017 8:44

Editado porAntónio Monteiro  em  10 nov 2017 16:25

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