Élida Almeida. Ainda o lado doce e amargo da vida

PorChissana Magalhaes,3 dez 2017 6:04

Três anos depois do primeiro CD e de tornar-se a nova estrela da toda poderosa Harmonia, a produtora que levou Cesária Évora aos quatro cantos do mundo, Élida Almeida apresenta esta sexta-feira (dia 01) no Auditório Nacional o seu novo álbum, “Kebrada”.

 

Todos gostam de uma Cinderela Story. Aquela história intemporal e universal em que uma menina de origem humilde, contra todas as probabilidades, dá a volta por cima e torna-se uma princesa. Não necessariamente literalmente, embora já tenha acontecido. Bem, no caso de Élida Almeida, a música foi o sapatinho de cristal que um dia chamou a atenção de Djô da Silva e o fez querer fazer dela a nova princesinha da música cabo-verdiana.

Aos 21 anos, a Deysi de Matinho (localidade do concelho de Santa Cruz onde nasceu) passava a ser conhecida em todo o país e também no exterior. Era agora a Élida Almeida e as músicas de “Ora Dóci, ora margós” estavam em todas as rádios e nas bocas do povo, acabando por lhe render o Prix Découvertes RFI nesse ano de 2015.

“N ta consigui” (2,7 milhões de visualizações no YouTube), tornou-se o hino de todos os jovens que têm um sonho – quer seja singrar na música, conseguir um emprego ou, simplesmente, ultrapassar um momento menos bom – e lidam com a dificuldade de concretizá-lo.

“Essa música, no início, me fazia chorar sempre que a cantava. Depois criei calo e já não me emocionava tanto. Mas há pouco tempo, num show na França, vi na plateia uma senhora a chorar desalmadamente enquanto eu a cantava e então acabei por chorar. Passados três anos…[a música] ainda me faz chorar. Afinal, é sobre a minha vida…”, relata-nos a cantora.

O orgulho que sente em ter temas seus já nesse primeiro disco salta à vista. A história de como ganhou coragem para os propor a Djô da Silva é uma que gosta de contar nas entrevistas. Afinal, o produtor tinha seleccionado várias composições de autores renomados quando a jovem santa-cruzense de 21 anos enche-se de coragem para lhe dizer que não é só uma boa voz. Também compõe.

“Tinha assinado com a Harmonia e o Djô da Silva apresentou-me a temas de grandes compositores para escolher e cantar. Um dia tomei coragem e disse-lhe que eu também escrevia. E ele pediu-me para lhe mandar as minhas letras. Escolhi “Lebam ku Bo” [outro sucesso, que ganhou uma versão em francês] e “Nhu Santiago” e a reacção dele foi: “Uau! Nice. Tens mais?” Pediu-me para lhe mandar mais letras…”.

Mas o apreço pelas letras das músicas que canta – suas e de compositores que interpreta - não é unânime. O seu mais recente single para promover “Kebrada”, o novo disco, é exemplo disso. Mal “Grogu Kaba” começou a circular online começaram comentários a criticar a cantora por…supostamente estar contra um produto que é uma marca cultural do país.

Apesar de dizer que não tem tempo para responder a todas as críticas, Élida defende a sua música. Afinal escreveu-a para ser uma mensagem forte contra o flagelo social do alcoolismo, com todos os males que tem trazido sobretudo à juventude cabo-verdiana. É que o mal resultante do alcoolismo não é algo que lhe é distante, de que ouve apenas falar na imprensa. Tem-no testemunhado nas incursões que faz ao interior de Santiago e mesmo pelos bairros da Cidade da Praia.

“Para quem sai de Praia…Aliás, não é preciso sair de Praia! É só andar pelos bairros e abrir os olhos, e vemos situações lamentáveis. Rapazinhos e até meninas da minha idade que parecem mortos-vivos por causa da bebida. Aquele “grogu” tem tão má qualidade que os torna dependentes num piscar de olhos e acaba com a sua saúde. E é disso que falo nessa música, dos males desse “grogu de quintal”. Temos grogue de boa qualidade tanto aqui em Santiago, como Santo Antão, São Nicolau, etc. Sempre existiu e foi consumido em Cabo Verde. Mas, tem que se ver como consumir. E nessa música relaciono a falta de chuva com a má qualidade do “grogu”, porque quando não chove falta cana e assim aumenta a produção do “grogu” falso e de má qualidade. E é esse que está a acabar com a nossa juventude. Eu sou de Matinho e quando vou lá vejo coisas lamentáveis. Jovens da minha idade quase mortos pelo consumo deste álcool-veneno.

Quanto às críticas, diz que só lhe resta cruzar os dedos e esperar que as pessoas acabem por interpretar correctamente as letras. 

O facto é que “Kebrada” [o titulo remete à localidade onde vive a avó e onde passou muitos bons momentos] traz uma mão cheia de temas com mensagens fortes. Mas não é só dramas sociais. Aliás, a contrabalançar as letras mais sérias e que levantam algumas bandeiras a música é alegre, festiva. “Bersu d’Oru”, que já vinha no EP “Djunta Kudjêr” lançado em Março último, é uma alegre mistura de tabanka e colá sanjon em que homenageia os seus ídolos da música. E mesmo o grito de alerta de “Grogu Kaba” é ao ritmo de um funaná contagiante.

Na festa e na melancolia, no doce e amargo de “Kebrada” têm mãos os seus companheiros de todas as horas, os elementos da sua banda com a qual tem viajado meio mundo: Hernani Almeida - nas guitarras e na direcção musical, Diego Gomes – nos teclados, Nelly Cruz – no baixo e Magik Santiago – na bateria. Mas há ainda espaço para as notas do violoncelo do francês Vincent Segal (que trabalhou com Cesária Évora, Elvis Costello ou carlinhos Brown), para o som da gaita e do ferrinho dos Fidjus de Codé di Dona e para registar uma das últimas gravações feitas pelo acordeonista, compositor e cantor Regis Gizavo, descrito pela revista Songlines como” brilhante” e “um dos mais importantes e amados músicos do Madagáscar”. Agora chegou a hora de apresentar o resultado ao vivo ao público cabo-Verdiano. Para além de Praia, já nesta sexta-feira, Élida e a sua entourage seguem logo no dia seguinte para Boa Vista. No fim-de-semana seguinte será a vez de Santo Antão (dia 08) e São Vicente (dia 09).

 

Élida, já “conseguiu”?

Não! [risos].Longe disso…Bem, essa música [ “N ta consigui” ] é uma inspiração para os jovens… seguir os sonhos... É uma música universal, que fala do sentimento de todas as pessoas, porque todos temos os nossos momentos bons e menos bons. É uma música que sempre que canto há pessoas a chorar nos espectáculos.

 

Este novo CD cumpre com as expectativas que tinha?

Sim… No início foi um pouco… Senti a pressão. É o segundo disco e no primeiro, que - graças a deus! - foi muito bem aceite, consegui marcar território como compositora. Então há sempre alguma tensão, o receio de não conseguir corresponder às expectativas criadas, e há sim uma certa pressão mas …pronto. As músicas foram feitas em países diferentes aproveitando as tournées, mas depois paramos um mês em Abidjan onde fizemos uma residência e eu e o Hernâni [Almeida, director musical do disco] começamos a dar vida às músicas que fomos criando durante as tournées e criamos outras, fizemos maquetes, a pré-produção…De Dezembro a Janeiro fizemos a captação dos instrumentos e, já na altura em que saiu o EP [Djunta Kudjêr, em Março] as músicas do disco já estavam praticamente todas prontas. Nessa altura escolhemos que músicas iam para o EP e quais ficariam para o disco que ia sair mais tarde. Só duas músicas do EP foram repetidas no disco: “Bersu d’Oru” e “Forti dor”.

 

Porquê essa opção de um EP a preceder a saída do novo disco? Não é arriscado tantas músicas novas num período tão curto?

Sou uma artista da nova geração, com mente aberta, moderna... Nós, essa nova geração da música, temos estado a tentar “dançar conforme a música”. O público actual, mais jovem, não tem paciência de ouvir mais do que duas músicas de cada vez, querem sempre algo novo. Então decidimos lançar antes o EP, e felizmente correu tudo bem. A música “Bersu D’Oru”, que vem primeiro no EP, foi muito bem recebida. É incrível ver como as pessoas reagem nos festivais, é arrepiante ver a juventude a viver essa música. Conseguimos dar um toque moderno a esta música que é uma tabanca (um ritmo que estava quase no esquecimento). A nossa geração tem que ultrapassar essa discussão badiu vs.sampadjudu, São Vicente vs. Praia. É a discussão mais ridícula que existe. E uma forma que encontramos de ultrapassar isso foi a música. É só ver o funaná que o Hernâni, um sampadjudu, faz. Uma coisa incrível! É deixar a música falar mais alto.

 

E tem também um toque de colá sanjon nessa música.

Sim. Tabanka e cola sanjon não têm assim tanta distância, assim como badiu e sampadjudu não têm. Isso é algo de importante na nossa geração: fazermos a música de Cabo Verde ganhar e não perder com essas mesquinhices.

 

Conseguiste logo ao primeiro CD ter uma grande aceitação como compositora, com letras que ficaram na ponta da língua dos fãs… Mas depois há também reacções fortes ao contrário, com algumas polémicas…

[Risos] É das sensações mais deliciosas. Na altura do primeiro CD tinha apenas 21 anos de idade. Tinha assinado com a Harmônia e o Djô da Silva apresentou-me a temas de grandes compositores para escolher e cantar. Um dia tomei coragem e disse-lhe que eu também escrevia. E ele pediu-me para lhe mandar as minhas letras. Estamos a falar de Cabo Verde, terra cheia de grandes compositores. De certeza que as pessoas não ligariam a mínima às minhas letras. Mas ele me encorajou, perdi o medo e fui escrevendo mais. Escrevi “Joana” e todas as outras músicas… e foi gratificante ouvir as pessoas a dizerem de qual gostavam mais. Quanto às críticas negativas…Essa geração de hoje é “balenti” [risos]. Atrás de um ecrã de computador ou smartphone dizem qualquer coisa, pois estão escondidos. É triste. No passado grandes compositores, como Manuel d’Nova, B. Léza, Codé di Dona, Katxás… todos têm músicas com letras sarcásticas, em que gozam com pessoas e situações, e ninguém nunca disse nada. Dançaram e cantaram sem problemas. E porquê? Eles eram homens! Aliás “É Zonban” [ também conhecido como “Rapaz di Praia é Malandro”] foi gravada pelo seu compositor [Manu Reis] há três anos, as pessoas ouviram e ninguém reclamou! Porque é que comigo as pessoas reclamam? Porque sou mulher e não posso chamar os rapazes de “malandros”. [Risos] De repente, os cabo-verdianos decidiram mandar naquilo que os compositores devem escrever. Não é só comigo… Agora é toda música que “sai”. E por mais que isso traga “views” [visualização na internet] nenhum artista quer passar por isso.

 

O que sentes que este disco tem de diferente em relação ao primeiro?

Este está mais festivo, mais dançante. Continuei na mesma linha, em termos de fusão da música de Cabo Verde com músicas do mundo e continuo a contar com o Hernâni, que é alguém que não tem medo de ousar. Somos os dois uns malucos. Continuo a falar de Cabo Verde. O primeiro disco era mais biográfico, falava mais de mim e do meu mundo. Já este é mais uma radiografia de Cabo Verde, é mais abrangente. Falo das coisas que se passam por este país, como  a história de uma mãe que perde uma filha para a droga, falo de um casamento que começa de sonho e acaba por evoluir para uma situação de violência…Acabou por ser um disco mais crítico do que imaginava. Não era a intenção. Mas, como as músicas são mais festivas e dançantes isso acaba por suavizar.

 

Disseste antes que ainda não “conseguiste”. O que te falta para chegares”lá”?

Quando estou em países que tem muitos cabo-verdianos é bom ver como comparecem aos meus shows e enchem as salas. Fico feliz de ver que os cabo-verdianos gostam de mim e foram os cabo-verdianos que me lançaram no mundo. Um dos meus objectivos com a minha música era conquistar Cabo Verde e hoje acredito que os cabo-verdianos gostam de mim. Mas agora há os outros... É muito mais difícil porque há mais competição. Mas tem corrido bem. Tenho feito muitos concertos, muitos festivais… Mas as coisas não acontecem da noite para o dia. Ainda há muito caminho a fazer. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 835 de 29 de Novembro de 2017. 

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Autoria:Chissana Magalhaes,3 dez 2017 6:04

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 dez 2017 11:44

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