Hoje é dia de Santo António, santo padroeiro do bairro de Achada de Santo António onde desde 2014 a tabanca vem recuperando vitalidade e regista dinâmica na recuperação dos rituais típicos das festas dos santos populares.
Um destes rituais, o roubo do santo, foi cumprido no início da manhã de hoje. Um grupo de “ladrões” dirigiu-se à capela da corte da tabanca e retirou a bandeira branca com uma cruz vermelha ao centro e uma vara de marmeleiro com uma fita vermelha atada numa das pontas que simboliza o santo.
A corte da tabanca, segundo explica Pedro João Carvalho, coordenador da tabanca de Achada de Santo António, é constituída pelo rei, rainha, princesa e demais membros da corte.
“A capela da corte está constantemente protegida pelos guardas armados com espingardas de pau, mas os ladrões e seus acompanhantes ultrapassam os guardas e efectuam o roubo. Depois, levam o Santo para a venda na “rainha de gasadjo” se for mulher ou ”rei de bandeira”, se for homem”. Depois do roubo do Santo a bandeira é colocada a meia haste, na Capela da corte, símbolo de luto da Tabanca…”, explica uma nota enviada pela organização das festividades.
Em entrevista, Pedro Carvalho explica que o valor de 15 mil escudos arrecadados com a venda do santo (valor este que foi crescendo ao longo dos tempos) é normalmente gasto pelos ladrões num grande banquete.
“O santo só volta à capela depois do ritual de “buska santu”, que deverá acontecer a 21 de Junho. Em anos anteriores, o santo vinha sendo resgatado em Achada Grande mas, este ano a “rainha de gasadju” é daqui mesmo, da Achada de Santo António”, explica o agente cultural segundo o qual desde o desfile de 2015 têm conseguido por cerca três mil pessoas a acompanhar o desfile da tabanca pelas principais artérias da cidade da Praia, feito que este ano pretendem repetir ou superar.
A tabanca de Achada de Santo António, a mais organizada e activa da capital, tem hoje cerca de 100 personagens (pessoas que desfilam caracterizadas: rei, rainha, princesa, noiva, soldado, tocadores dos tambores, búzios e apitos, etc.) e 90% dos integrantes são jovens.
Em Abril passado, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas assinou com os grupos de tabanca um protocolo no sentido de revitalizar e manter activa esta importante manifestação cultural cabo-verdiana que remonta aos primeiros tempos da colonização. Mediante a atribuição anual de 200 mil escudos (até 2010) os grupos comprometem-se a promover, entre outras actividades, formações e desfiles, bem como contribuir para o inventário da tabanca em curso, com o fim de ser declarada Património nacional e preparar uma futura candidatura a Património da Humanidade .
Foram contemplados no protocolo todos os grupos de tabanca identificados pelo Instituto do Património Cultural, o que inclui as três tabancas da capital (para além da de Achada de Sto. António, as de Achada Grande e Várzea), as de Santa Catarina, Tarrafal, Santa Cruz, Ribeira Grande de Santiago (Salineiro) e Maio (a única ilha para além de Santiago onde existe a tabanca, tendo actualmente quatro grupos activos).
Segundo o livro “O ciclo ritual das festividades da tabanca” (Spleen Edições, 1997), dos investigadores José Maria Semedo e Maria r. Turano, uma das hipóteses para o surgimento da tabanca remete ao séc. XVIII, num dia 3 de Maio. Nessa data é celebrada a Santa Cruz, e os senhores dos escravos teriam concedido, por um dia, a liberdade aos escravos para realizarem os seus festejos. “Os escravos teriam então aproveitado essa liberdade temporária para realizar um teatro de rua onde ridicularizariam toda a estrutura social então em vigor. Juntando sincreticamente aspectos religiosos cristãos com práticas de origem africana, a tabanca foi se desenvolvendo num desfile em que cada interveniente representava um elemento da sociedade”.
A festa de Santo António prossegue hoje à tarde na comunidade com um grande almoço de confraternização, após o regresso dos “ladrões” à capela.