No universo cinemato-gráfico consensualizou-se que um filme de curta-metragem tem a duração máxima de até 30. Este é o intervalo de tempo que a equipa do projecto Azimut definiu para condensar o material das filmagens que a partir da próxima semana irão realizar na ilha do Fogo. O documentário produzido terá como foco os efeitos e as consequências sociais na localidade de Chã das Caldeiras depois da erupção vulcânica que teve início a 23 de Novembro de 2014, e que em apenas uma semana destruiu 400 hectares de terreno – grande parte dos quais cultivável – e mais de 50 casas, desalojando dezenas de famílias nos mais de dois meses que durou o fenómeno.
O filme pretende também mostrar a luta da população de Chã para “reivindicar a sua identidade, o seu sentimento de pertença e o seu direito a formar parte de uma paisagem tão harmoniosa quanto hostil a partir de um desastre natural que ameaçou a sua sobrevivência”, diz o concept paper do projecto.
O Projecto Azimut, que aposta fortemente no ensino prático e integrador, é uma iniciativa do Departamento de Imagem e Som do CIFP César Manrique, um dos mais importantes centros de formação profissional das Canárias onde o curso de Produção e Realização de Audiovisual e Espectáculos é um dos destaques.
Concebido para proporcionar aos estudantes canarinos uma formação audiovisual que os ponha em contacto com outros jovens dentro do espaço geográfico africano-macaronésio, o projecto contempla a realização conjunta de uma curta-metragem documental sobre “diferentes temáticas que nos unem a África”, para além de um making-of onde ficará registada a experiência de bastidores e que ajude na divulgação do projecto.
Guiné, Mali, Marrocos, Costa do Marfim, Sahara Ocidental, Senegal, Mauritânia, Açores e Madeira serão contemplados em futuras edições do projecto. Desta coube a vez a Cabo Verde através do M-EIA, Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura de Mindelo.
O contacto com o instituto surgiu a partir de uma recomendação. “Queriamos estrear o projecto em Cabo Verde porque com nenhum outro território africano ou macaronésio Canárias tem mais laços culturais”, revela Pedro Alemany, integrante do projecto e professor de Imagem e Som no CIFP César Manrique.
“Uma vez decidido isto, começamos a procurar escolas com as quais poderíamos cooperar e apareceu o M-EIA. Imediatamente, tudo tornou-se mais fácil. Convidamos Leão Lopes, um dos responsáveis, a vir a Tenerife conhecer-nos. Desde então temos colaborado, confiando plenamente no trabalho desenvolvido tanto nas Canárias como em Cabo Verde, e que tem sido muito. A sintonia e a confiança para com o pessoal da M-EIA é total”, sublinha Alemany, que adianta ainda ter partido da instituição educativa dirigida por Leão Lopes a proposta do tema do documentário.
Filmar em Chã
“A eleição de Chã das Caldeiras foi uma proposta dos nossos parceiros da M-EIA. Digamos que nós escolhemos o M-EIA e o M_EIA escolheu o tema que poderíamos trabalhar em conjunto”, explica o canarino, jornalista de formação.
“Temos muito claro que o nosso objectivo, mais do que rodar um documentário, consiste em impulsionar um projecto educativo que perdure no tempo e que seja mais um pretexto para nos unirmos mais. De qualquer forma, quando os nossos contactos no M-EIA nos contaram a história recente da ilha do Fogo a ideia de filmar no vulcão nos entusiasmou, entre outras razões porque estamos [nas Canárias] acostumados a conviver com eles”, continua, lembrando que o pico mais alto de Espanha é o vulcão de Tenerife, tão impressionante como o do Fogo.
A rodagem na ilha do Fogo inicia-se na quinta-feira, dia 28, devendo durar uma semana. No processo irão participar alunos e professores do centro César Manrique e do Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura de Mindelo. Antes, a dezena de estudantes espanhóis seleccionados para esta edição do projecto deverão chegar à ilha de São Vicente para os primeiros contactos com a parte cabo-verdiana da equipa. Juntos seguirão para a ilha do Fogo onde, para além do documentário, parte do grupo irá registar todos os detalhes do processo de rodagem para realização de um making-of.
“ Esperamos que nesse tempo consigamos rodar material suficiente para conseguir um bom resultado. Mas já se sabe que na filmagem de um documentário nunca se pode prever o que se vai encontrar. Um documentário social, que fala da vida das pessoas, nunca se pode fechar antes da rodagem. Está vivo até ao último dia. Esse é o seu grande encanto, mas também a sua grande dificuldade”, diz Pedro Alemany que também se mostra ciente dos desafios diários que a equipa irá encontrar
“Se tiver que destacar um [desafio] será o ganharmos a confiança das gentes de Chã das Caldeiras. Só conseguiremos retractar fielmente o que ali aconteceu e acontece a cada dia se conseguirmos nos integrar”, conclui.
Terminadas as filmagens, os três estudantes cabo-verdianos seleccionados para o projecto irão deslocar-se às Canárias para participar no processo de montagem do documentário e assistir ao início de um curso de formação juntamente com a restante equipa. A expectativa é de que antes do final deste ano o documentário possa estar concluído, e a vontade dos responsáveis do projecto é que o filme possa estrear-se em Cabo Verde, concretamente em Chão das Caldeiras, já que os habitantes da localidade é que serão os protagonistas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 864 de 20 de Junho de 2018.