Em 2000, Caetano Veloso propõem-se a produzir um disco de João Gilberto. Entre temas do próprio, de Gilberto Gil, e do repertório dominado pelos belos temas de João Gilberto e João Gilberto/Tom Jobim… provavelmente a selecção dos que mais embalaram Caetano, durante todo o tempo que passou e passa a admirar, ouvir e amar o seu confesso mestre…era construído o disco, que viria a marca a carreira de João, Caetano e de todos os amantes da Bossa.
Veloso junta-se à editora Universal e é então lançado o disco “João, Voz e Violão”. Preciosa obra de arte.
Como o nome diz, é um registo de voz e violão, onde João se apresenta completamente solto, (penso que também feliz) …o seu violão, parece seguir o dono, … e todos nós que tivemos e temos ainda o privilégio de ouvir o disco… só nos podemos deliciar com esta oferenda.
Canta autores que o acompanharam na sua vida…Gil, Caetano, Jobim…
A base dos temas abordam os amores que tão bem (sempre no seu já habitual processo simples-complexo) nos ensinou a degustar, e que pintou com suaves cores (…apenas as necessárias). Ainda aborda o descrever de momentos cotidianos, mas que saem da sua alma de tal modo que parece tudo de uma sapiência impar e, claro…a beleza da Bahia do seu coração…afinal, como diz, “vim da Bahia cantar, vim da Bahia contar/ Tanta coisa bonita que tem/ (…) tem meu céu e meu Mar/ (…) e que vive para dizer como se faz para viver”.
Canta ainda as tristezas vividas, como o clássico tema “Chega de Saudade”. Contudo seriam então apenas tristezas pertencentes aos estados de amor que facilmente são resolúveis, mesmo que seja com a quantidade de” beijinhos que eu vou dar na sua boca” e que serão mais do que “os peixinhos a nadar no mar”… Tristeza bem diferente da que o consome hoje.
Encarna o belo tema de Caetano e canta “Coração Vagabundo” o que “quer guardar o mundo em mim”…na verdade em todos nós quando ouvimos o tema…é essa a sensação com que ficamos.
Caetano realizou o seu sonho, apesar de ter confessado não ter sido fácil pelo feitio do génio Gilberto. Mas que “para ele foi o mundo”.
Em termos de reconhecimentos internacionais e mais na área comercial, o disco ganhou inúmeros prémios, inclusive o Grammy em 2001.
Contudo, o prémio maior, acredito que tenha ido para Caetano, e o estado de alma com que finalizou seu sonho e, para todos nós que amamos João Gilberto Prado de Oliveira.
Como cantas, meu João neste “Voz e Violão”, que o teu “coração não se canse, de ter a esperança, de um dia ser tudo o que quer”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 864 de 20 de Junho de 2018.