Recomendação para ouvir: Quando a música é maior que as notas e as pautas

PorPaulo Lobo Linhares,21 out 2018 13:28

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​Num monumento perto da rotunda do aeroporto lemos a clássica frase de Eugénio Tavares -“Mas, se ca bado, Ca ta birado”. Tendo em conta o poeta, esperemos que isso aconteça ao músico que enalteceu por muitos anos os palcos de Cabo Verde…que volte, pois os palcos destas bandas precisam de ti. Contudo, pelas qualidades musicais que passo a citar nos próximos parágrafos, o ideal é que ele esteja nos palcos onde se sinta bem…de música e alma.

Ensinou-me um dia, um velho amigo, com quem muito aprendi a “ouvir” música, que muitas vezes é preciso não só ouvir a execução técnica do músico, ou seja, o que ele nos transmite e que vem das escalas e das escolas, das pautas etc., mas também partir para outros níveis. Falava-me da capacidade de o músico conseguir extrair a alma do instrumento e com ela se fundir, tornando-se num só (precioso) ser musical. Confesso que a princípio não percebi bem o conceito, mas com o passar dos tempos, conforme fui conseguindo entender e apreciar o que o meu amigo me tinha explicado, cheguei à conclusão indubitável de que – não há música sem essa tal fusão de almas. Mais, só conseguem atingir tal nível os músicos que realmente se apaixonam por esta forma de arte – é necessário paixão para se estar então preparado para conseguir o referido estado.

Quando cheguei de Portugal onde vivia, um dos primeiros espectáculos que vi foi um trio de piano, baixo e bateria. Por coincidência (ou não), nesse espectáculo também vi um dos primeiros músicos que viria a admirar fortemente aqui em Cabo Verde. Tocava e vivia o baixo – lá está – talvez pertencesse (pensei logo) ao tal grupo de músicos que conseguem atingir o tal estado que o meu amigo tanto apregoava.

Conheci-o logo, fizemos algumas brincadeiras com a música juntos, mas depois de estar à frente da editora que criei, e de termos realmente feito vários projectos juntos, tive a certeza de que era um “dos meus músicos de admiração”.

Reunia tudo: capacidade de técnica musical evoluída, vinda de persistente “trabalho-de –casa”, domínio da pauta e das suas leituras, capacidade enorme de trabalho de grupo – sem liderar, liderava, profissionalismo e rectidão ética…e…obviamente: um profundo amor pela música, espelhado pela sua guitarra-baixo e sobretudo pelo seu inseparável contra-baixo – seu companheiro dos últimos tempos. É melódico quando tem de ser, e arrepiantemente percussivo quando necessário. Do contrabaixo extrai sonoridades (vindas certamente da tal cumplicidade com o instrumento e que se reflecte inevitavelmente em palco) que iam dos mais doces ambientes até a marcação percussiva, vinda de certeiros e precisos toques percussivos na caixa do instrumento. A cultura musical (tanto aprendi nas nossas conversas) que o acompanha permite-lhe todas essas explorações, que ainda partilhava com os colegas do grupo.

Binga de Castro, esta sempre feliz em palco.

Apesar de tudo o que disse, nada traduz melhor a paixão que Binga tem pela música, do que a relação que tem com as crianças, onde já não usa qualquer instrumento nem palco, mas sim o seu próprio corpo que transforma em percussão e os jardins e ruas onde se cruzava com os mais pequenos. Tinha sempre uma “nota” ou “som” para oferecer a cada um que mostrasse entusiasmo, principalmente nos que adivinhava que pudessem vir a sentir o que ele sente – um profundo amor por cada nota musical…pela música.

Agora noutros palcos, terás sempre os nossos à tua espera. Os meus serão sempre teus.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 881 de 17 de Outubro de 2018.

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,21 out 2018 13:28

Editado porFretson Rocha  em  8 fev 2019 12:37

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