Um disco de música tradicional. É a primeira coisa que Dany Lobo diz deste seu trabalho, gravado na cidade da Praia e para o qual contou com a colaboração de vários amigos músicos.
“Sempre defendi a música tradicional. Penso que é o essencial em Cabo Verde. Temos que valorizar a nossa cultura. E eu vejo a música como sendo uma manifestação cultural que usamos tanto para criticar aquilo que achamos que não está bem e como para aplaudir o que está bem. E também para passar mensagens como a saudade, o amor….”.
Considerando-se mais compositor do que intérprete relembra as suas várias composições interpretadas por outros artistas, como o grupo Bokaron, da Ilha do Fogo, ou artistas como Rui di Bitina, Zizi Vaz, Jorge Sena, entre outros.
Neste novo disco todos os temas saíram da sua pena e são inéditos. São 12 músicas que quis que fossem o mais diferentes possível entre sí para conferir ao CD uma variedade de registos e assim escapar ao risco de aborrecer quem o ouvir.
“Gosto de variar o estilo dentro dos géneros de que gosto”, e cita a morna, a coladeira, o batuco, o funaná e a talaia baxu originária da sua terra natal, a ilha do Fogo com a qual diz manter-se sempre em contacto passados 40 anos desde que passou a viver em Santiago, na cidade da Praia. E no entanto faz questão de esclarecer que “na música, sinto-me cabo-verdiano”. E por isso sente-se à vontade em qualquer género dentro da música tradicional, estilo que defende e que busca preservar.
“É uma das minhas preocupações [gravar registos de música tradicional]. Tenho essa sensação de se estar a perder a genuinidade das coisas e temos de falar disso. Sendo a cultura um dos pilares da imagem de Cabo Verde lá fora - basta ver a Cesária Évora - então a nossa cultura deve ser prioridade. A cultura deveria ter um pouco mais de enfoque e a todos os níveis: desde financiar mais os artistas a incentivar os jovens talentos”, defende o músico.
Entretanto, diz-se satisfeito com alguns passos que já têm sido dados quanto à preservação da música tradicional. E exemplifica com a candidatura da morna a Património da Humanidade, “um facto que temos que aplaudir”.
Passaram-se nove anos desde que Dany Lobo, presença assídua em noites musicais e compositor de méritos reconhecidos, reuniu alguns temas seus no CD “Nha Vivência”. De lá para cá, continuou como antes: discreto, participando em tocatinas e pequenos espectáculos, vivendo a sua paixão pela música sem se atrever a chamar o percurso feito de carreira musical.
“Não sou músico profissional, por isso falar de carreira musical é um tanto ambicioso. Fui um pouco “preguiçoso” e por isso não evoluí muito como guitarrista mas, acompanho-me dos melhores músicos e cito aqui, como exemplo, o Kako e o Kim Alves que, estes sim, dedicaram-se muito e também tinham talento nato que herdaram do pai, nhô Djonsinho”.
Funcionário das Alfandegas há 38 anos, Dany Lobo diz viver a música como algo que gosta de fazer e a que gostaria de dedicar mais tempo. Mas vê-se impossibilitado de atender os vários pedidos que recebe de cabo-verdianos em países como França, Portugal ou Holanda e que gostariam de ouvi-lo ao vivo.
“Há essa dificuldade de conciliar as duas coisas. Em Cabo Verde não conseguimos ainda viver só da música”.
Voltando ao novo disco mas ainda reflectindo sobre o caminho que o trouxe até aqui, o compositor diz que não há ruptura entre os dois álbuns que já gravou.
“Quando me perguntam qual dos dois discos é melhor, eu fujo e esquivo-me a dizer. Mas posso dizer que há muitas semelhanças entre os dois trabalhos, sobretudo a nível dos estilos, do género. É claro que há uma melhoria, sobretudo quanto à captação de som mas, isso é também devido à evolução tecnológica. Hoje temos mais condições para gravar”, faz notar, destacando no entanto o “excelente trabalho” feito por Rob Leonardo, responsável pela captação de som e por Kako Alves, que produziu o disco.
Refere-se a “Kelém” como um trabalho colectivo, com vários amigos a participarem de uma forma ou outra, o que muito o emociona. “Estou a viver um momento de êxtase. Sinto muita emoção pelo apoio que me está a ser dado pelos meus amigos.”
E o grande momento de partilha com aqueles que seguem e apreciam a sua música acontece já neste sábado, dia 1 de Dezembro, num evento com duração prevista de 10 horas, criado especialmente para o lançamento do CD. Será na zona de Kelém, em Achada de Santo António, a mesma que o acolheu quando aos 15 anos veio do Fogo para a Praia e que agora homenageia com o titulo deste trabalho.
A festa terá vários momentos, entre os quais a actuação de Dany Lobo, de amigos artistas, jovens talentos da zona, entre outros. Todos são convidados.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 887 de 28 de novembro de 2018.