Há cinco anos, com “Flor di Bila”, Neuza dava o salto das tocatinas nos espaços nocturnos para os palcos. O disco teve grande repercussão e tornou-a num dos nomes mais referenciados e apreciados na nova geração da música tradicional cabo-verdiana.
Agora a viver nos Estados Unidos da América, Neuza acaba de lançar por estes dias o seu novo álbum, “Badia di Fogo”. O título faz referência a um insulto com que a perseguiam na infância – Neuza nasceu e cresceu na cidade da Praia mas, a mãe era natural da ilha do Fogo e ela cresceu sob a influência forte da cultura dessa ilha que sente como sua – que, porém, acabou por se tornar um apelido carinhoso atribuído por uma amiga. Assim, à semelhança de Flor di Bila, que antes de ser nome do disco era também um nome que lhe atribuíam, este Badia di Fogo acabou também por se tornar título do novo trabalho e forma de assumir as duas culturas que influíram na sua identidade.
Um dos pontos fortes atribuídos a “Flor di Bila” é a riqueza das suas composições, quer a nível das letras – ricas em referências às tradições e ao quotidiano da ilha do vulcão e trauteadas pelos fãs em qualquer oportunidade – quer a nível das melodias, com os géneros típicos do Fogo em destaque. É a própria cantora a dizer que este “Badia di Fogo” segue a mesma linha: traz morna, coladeira, talaia baxu, rafojo, bandera e karkutisan.
“Música tradicional, que é o que muito aprecio, principalmente os ritmos de Djarfogo””, admite, feliz com o resultado.
A novidade é que desta vez o disco também traz composições (letras) escritas pelo seu punho. São quatro temas e em cada um recupera memórias pessoais e histórias de gentes que lhe foram muito próximas. Em “Badia di Fogo” é a memória do bullying sofrido na infância, já aqui referida, mas sobretudo dos concelhos maternos em como não devia sucumbir aos insultos e assim evitar desgostos. A mãe, também ela cantora nas noites cabo-verdianas de tocatinas, foi uma grande influência na sua vocação musical. Perdê-la quando tinha apenas 6 anos foi traumático para Neuza, que a homenageia na morna “Izilda”, onde tenta recriar as últimas memórias que tem da progenitora.
“ Cantei esta morna hoje num programa de TV e foi complicado. Emocionei-me e quase que não conseguia acabar de cantar. Algumas pessoas à volta choraram…”.
Outras músicas com temas tristes são “Armanda”, onde lembra uma amiga da adolescência que pôs termo à vida e “Bara Pó”, em que relata a rigidez com que as meninas eram educadas antigamente, obrigadas às tarefas domésticas, como andar quilómetros para buscar água, sem direito a ir à escola e submetidas a cortes de cabelo radicais - para não haver risco de arranjarem namorados - e a castigos físicos caso não cumprissem às muitas regras.
Neuza explica que cantar estas tristezas é uma forma de “pôr para fora”. Diz ter aprendido que as coisas tristes devem ser transformadas em arte. E assim começou a escrever os seus próprios temas.
Mas “Badia di Fogo” também é alegre. No álbum recupera a bem sucedida parceria com outro menino querido da ilha e da música tradicional cabo-verdiana: é com Michel Montrond que canta o animado karkutisan “Subi Cutelo” da autoria de Alberto “Neves” Alves, naquele que será o primeiro vídeo de uma música do novo disco. Com Montrond Neusa tinha gravado “Trabessado”, um grande sucesso cujo vídeo leva mais de 1 milhão de visualizações no Youtube.
“Badia di Fogo” conta ainda com uma mão cheia de compositores muito apreciados pela intérprete que se diz “muito satisfeita” de poder ter as músicas deles no disco. Casos de Júlio Correia, que lhe ofereceu dois temas; Ramiro Mendes, que ainda não conhece pessoalmente mas com quem quer um dia trabalhar; Romeu di Lurdis, que fez especialmente para ela o tema “Visto Merka”; e também do amigo Michel Montrond.
Na criação do disco tiveram ainda mãos os músicos Kim Alves, Totinho, Khaly, Rob Leonardo (engenheiro de som). Nos arranjos, a batuta de Kaku Alves. As gravações, que começaram na Praia, decorreram sobretudo nos Estados Unidos da América para onde parte da equipe viajou.
Neuza, que esteve estes dias em corrupio de entrevistas para divulgar o novo álbum (disponível nas plataformas online e nas lojas) prevê regressar em Janeiro a Cabo Verde para apresentar num espectáculo ao vivo este “Badia di Fogo”. Para Fevereiro e Março serão agendados shows em Angola e no verão deverá participar num festival musical na Itália.
“Mas quero voltar mais vezes a Cabo Verde e também fazer shows em Portugal, França, Estados Unidos... Inscrevi-me na Atlantic Music Expo. Espero conseguir vir e ter oportunidade de agendar outros shows”.
Para um futuro mais distante o projecto é escrever e publicar um livro. Uma autobiografia para a qual até já tem título: Flor di Bila.