Os destaques do ano na Cultura

PorExpresso das Ilhas,6 jan 2019 7:01

​Mais um ano recheado de eventos culturais. Muita criação, muita produção, alguma circulação dos artistas e, aqui e ali, grande qualidade. No ano em que perdemos N’Toni Denti D’Oru ganhamos o Prémio Camões. Estes e outros destaques para recordar 2018.

A entrega à UNESCO do dossier de candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade pelo Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas é um dos grandes destaques do ano na área da Cultura. Até Setembro a UNESCO deveria indicar eventuais correcções ao documento, mas nada houve a apontar pelo que as expectativas de que daqui a um ano estejamos a anunciar a indicação do título são altas.

Eventos como os Cabo Verde Music Awards, o Grito Rock, o Kriol Jazz Festival Praia e o Mindel Summer Jazz continuaram a fazer da música um dos nichos mais dinâmicos das indústrias criativas. Na sua X edição o KJF trouxe ao palco da Escola Grande, na cidade da Praia, uma constelação de estrelas. Ayo, Sara Tavares, Seu Jorge, Stanley Jordan e muitos que já tinham actuado em anteriores edições reunidos na Kriol Band, fizeram dessa uma edição de luxo. Os festivais de praia continuam a atrair milhares de espectadores e “dinamizar” economias locais. Mas pequenos festivais temáticos e mais voltados para a música tradicional persistem, com mais ou menos marketing e apoios. É o caso, por exemplo, dos festivais de mornas de São Nicolau e da Boa Vista, e do Festival da Guitarra em Assomada que já vai na sua V edição.

Na música, na recta final do ano o parlamento aprovou unanimemente a lei das entidades gestoras dos direitos de autor e direitos conexos. Destaque também para a assinatura de contrato entre o músico cabo-verdiano Mário Lúcio e a editora Sony Brasil. Por cá, surpreendeu a entrada do rapper Hélio Batalha para o leque de artistas representados pela Harmonia Lda. Um grande passo para o rap crioulo, durante muito tempo marginalizado, mas que na última década conquistou finalmente os grandes palcos e espaço nos meios audiovisuais.

Ainda na música, a registar a perda do lendário N’Toni Denti d’Oru. Pouco tempo depois de se inaugurar, na sua São Domingos natal, o busto que o homenageava, o criador de batucos e finason sucumbia à doença que o mantinha acamado há alguns anos.

Camões

Na literatura, é incontornável a referência ao Prémio Camões atribuído ao escritor Germano Almeida, que se tornou assim o segundo cabo-verdiano laureado. Houve também prémios a distinguir as obras de Dina Salústio e José Luiz Tavares. A tradução do romance de Salústio, “A Louca do Serrano”, para língua inglesa rendeu o Prémio Pen Reino Unido de Tradução. Dina Salústio, que já tem obra traduzida para o catalão, tornou-se na primeira romancista cabo-verdiana traduzida para o Inglês. Já José Luiz Tavares arrebatou em Portugal o prémio Vasco Graça Moura, consolidando a sua posição de “autor cabo-verdiano mais premiado”.

Na sua primeira edição o Prémio Arnaldo França – parceria Imprensa Nacional de Cabo Verde e Imprensa Nacional Casa da Moeda de Portugal – foi para a obra “Beato Sabino” do até aqui pouco conhecido Olavo Delgado.

De resto, manteve-se a grande dinâmica editorial, com as editoras Rosa de Porcelana e a Livraria Pedro Cardoso a fazerem sair vários títulos. Uma a nível nacional e outra internacional, as duas editoras investiram na divulgação do livro e dos autores cabo-verdianos. A Pedro Cardoso promoveu este ano várias feiras do livro com a particularidade de as fazer acontecer em pontos do país onde é ainda difícil chegarem livros. Já a Rosa de Porcelana tem dado contributo na internacionalização do livro e autores nacionais. Para além de realizar na ilha do Sal o Festival Internacional Literatura-Mundo (que encetou parcerias com o Fórum das Letras de Ouro Preto e a Fundação José Saramago), promoveu eventos em Portugal, Espanha e no Vaticano. Marcou ainda presença, com os seus títulos, nas feiras literárias de Lisboa, Leipzig e Frankfurt.

Na literatura, a assinalar ainda a segunda edição do Morabeza – Festa do Livro, desta feita em São Vicente. Dali foi anunciada a próxima edição na ilha do Fogo e a parceria do Morabeza com o Festival Tinto no Branco de Viseu.

Cabo Verde tem agora três festivais internacionais de teatro. O Mindelact, que para o ano completa um quarto de século de existência – ganhou dois irmãos: o Sal EnCena, que nasceu há seis anos como festival nacional e nos mais recentes começou a receber grupos de além fronteira. Este ano acolheu espectáculos de Portugal, Brasil e Espanha. Em Santiago, a cidade da Praia recebeu este ano a primeira edição internacional do TeArti – Festival de Teatro do Atlântico que trouxe à capital várias companhias de países do Atlântico, como Cuba, Espanha, Guiné-Bissau, Angola e São Tomé e Príncipe.

Com a dançarina Marlene Freitas como cabeça de cartaz, o Mindelact voltou a encantar. Em palco esteve também a consagrada actriz brasileira Vera Holtz e a polémica peça “Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu” que rendeu debate nas redes sociais antes mesmo da sua encenação no Mindelact. A peça foi uma das exibidas na Praia que esteve ano voltou a receber a extensão da programação do maior festival de teatro do país.

Do teatro para a dança, mas ainda sobre Marlene Freitas. A cabo-verdiana há largos anos baseada em Lisboa viu a sua dedicação à dança render-lhe o Prémio Leão de Prata de carreira na Bienal de Dança de Veneza. Premiado também foi o dançarino Djamilson Pereira, de 40 anos, que 15 anos depois de ingressar no grupo Raiz di Polon foi o escolhido para a bolsa para residência artística em Lisboa destinada a bailarinos de nacionalidade cabo-verdiana… em início de carreira. A iniciativa é da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Este ano o dançarino e coreógrafo Mano Preto homenageou, num espectáculo muito aplaudido, um dos nomes maiores da cultura nacional: “Kodé di Dona”. Por sua vez Rosy Timas e Bety Fernandes resgataram um dos maiores sucessos da companhia Raiz di Polon: “Duas Sem Três”.

As artes plásticas também tiveram este ano a sua quota de polémica: primeiro Tchalê Figueira recusou integrar a exposição colectiva integrada na cimeira da CPLP, que aconteceu na ilha do Sal. Foi a forma encontrada pelo artista de protestar contra a presença de alguns chefes de Estado pertencentes à organização que ele considera ditadores. Menos mediática foi a troca de farpas entre os pintores Oleandro Pires Garcia e Omar Camilo, com o primeiro a acusar o segundo de plágio e de tentar roubar-lhe a técnica.

Uns de costas voltadas, outros em estreita colaboração: Yuran Henrique e Nessas Almeida juntaram literalmente os seus trabalhos de pintura e fotografia na exposição “Extratos” que esteve em exibição na Praia e em Mindelo. Já David Levy Lima e o sobrinho Luis Levy Lima regressaram a Cabo Verde, um ano depois de “Duas gerações, quatro artistas” para apresentar “O futuro é das crianças”.

Os festivais de cinema continuam a acontecer e a trazer alguma dinâmica a um sector onde a produtividade se encontra sobretudo no campo audiovisual, com a proliferação de videoclipes e a qualidade destes a melhorar a olhos vistos. Já a produção de filmes continua escassa. Ainda assim há algumas boas notícias: o projecto de documentário “Bidon” de Celeste Fortes e Edson Silva foi o escolhido no concurso internacional DocTV. Outro projecto de documentário premiado foi “The Master’s Plan”, de Yuri Ceunick, pelo Durban FilMart2018. Perspectiva-se que em 2019 haja mais filmes cabo-verdianos a estrear agora que a Associação do Cinema e Audiovisual começa a lançar editais para financiamento de produções.

A nível do Património, para além do dossier morna, registe-se o projecto da Fundação Amílcar Cabral de fazer candidatar os escritos de Amílcar Cabral ao programa Memória do Mundo da UNESCO, a assinatura da concessão da gestão do património da Cidade Velha entre o Instituto do Património Cultural, a Câmara Municipal de Ribeira Grande de Santiago e a Proimtur e a revitalização da Tabanca.

Referência ainda à grande dinâmica da agenda cultural do Palácio da Cultura Ildo Lobo, Cesária Évora Academia, Centro Nacional de Artesanato e Design e Centro Cultural do Mindelo, à polémica em torno de grupos do Carnaval de São Vicente em relação à organização do evento do ano que se aproxima, e aos 20 anos do projecto Sete Sóis, Sete Luas em Cabo Verde, iniciativa que tem contribuído em muito para a descentralização da cultura.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 892 de 2 de Janeiro de 2019.

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Autoria:Expresso das Ilhas,6 jan 2019 7:01

Editado porSara Almeida  em  7 jan 2019 8:28

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