Mais de vinte anos passados e depois de nos ter dado a conhecer Serrano, insular na solidão que impõe às personagens Filipa e a Louca, Dina Salústio volta a inventar um lugar-personagem para contar as histórias que enformam o seu novo romance.
“Veromar” é o titulo do seu novo livro e nome deste espaço inventado ou então reinventado, já que admite que nele há Cabo Verde, ainda que um Cabo Verde reimaginado.
“Dá-me um prazer grande estar a arranjar prolongamentos da vida. Quando vivemos em ilhas, tão reduzidas, acho que todos temos necessidade de sonhar e de inventar... de fantasiar. E tenho essa tendência, de situar os meus personagens, que geralmente não têm nada de inventado, nesse lugar inventado. Costumo fazer isso, arranjar prolongamentos das ilhas”, reflecte a escritora.
E acaba por admitir que Veromar, “se não for Cabo Verde, pelo menos é um pouco o meu mundo. Um mundo a que nós, criativos, temos direito”.
“Fugir” de Cabo Verde, entretanto, afigura-se dificil para a autora que diz ter o arquipélago no sangue e assim a necessidade de falar e escrever sobre as ilhas.
Sobre o que acontece em Veromar Dina Salústio fecha-se em copas. O pouco que revela é que “envolve um pouco de tecnologias”.
“É muito contemporâneo porque os personagens também o são. Há muitas histórias que se entre-cruzam, ou se calhar é a mesma história que se multiplica. Nao parei para pensar nisso. São sim histórias e temas contemporâneos”.
Aliás, como têm sido sempre as suas histórias, quer as que têm por género o conto, quer aquelas cujo formato é o romance.
Diferente dos dois anteriores romances – A Louca de Serrano e Filhas do Vento – neste a autora não identifica prontamente uma protagonista. Pelo menos não uma de carne e osso. A protagonista, diz, será talvez Veromar.
“Sempre me fixei em Veromar para, a partir dali, arranjar personagens que me pudessem contar aquelas histórias”.
Quem foi seguindo o que a autora foi avançando sobre o livro na sua página online não deixou de manifestar a sua curiosidade. Afinal, Veromar existe mesmo? As histórias que lá se passam são reais?
Dina Salústio mantém o mistério. Quer que os leitores descubram por sí as histórias e tirem as suas conclusões. Agrada-lhe a liberdade de criar e deixar que os outros pensem aquilo que quiserem.
“E também participarem, também criarem”.
Mas eis que, afinal, revela um pouco mais da composição do livro: “Posso avançar que é uma história contada por uma mulher. E passa-se sempre ao som de uma canção infantil. Aquela do Senhor Barqueiro... Faz-me sempre muita confusão a história nesta cantiga. Porque o barqueiro exige daquela mãe que deixe um filho como refém, como prenda, como pagamento. Quando atingimos uma certa idade e começamos a pensar no sentido desta canção, questionamos: porquê que o barqueiro pede tal coisa? Então aproveitei essa canção para a fazer de música de fundo desta história. Os meus livros têm sempre uma música de fundo, quando não é o vento, quando não é o mar...”.
Nono livro
Este é o nono livro de Dina Salústio, que começou a escrever nos anos 80 e a publicar sobretudo em jornais, revistas e através da rádio, sobretudo crónicas e contos.
“Acho que a minha relação com a escrita não se alterou muito, desde o primeiro livro. É sempre um acto de muito respeito. Tenho muito respeito pela escrita. Não consigo escrever uma crónica em cinco minutos, como algumas pessoas conseguem. Tenho que trabalhá-la. Dá-me trabalho mas, também dá-me prazer fazer isso tudo à volta de algo tão pequenino que as pessoas lêm em dois minutos. Os leitores é que podem dizer se houve evolução na minha escrita mas, sinto que não andei para trás. Pelo feedback que recebo... E continuo a pesquisar, a tentar, a procurar a melhor frase, a procurar aquilo que o leitor quer”.
E o que muitos leitores parecem querer é uma nova edição de “Mornas Eram as Noites”, o seu primeiro titulo publicado (ICLD, 1994), a colectânea de contos que tantos elogios lhe renderam e que tem sido objecto de estudos académicos e de traduções (para já para o castelhano e italiano). Será esta sexta edição do livro a sua próxima publicação, desta vez com a chancela da Biblioteca Nacional que a inseriu na sua colecção de clássicos da literatura cabo-verdiana reeditados.
Traduzido também foi o romance A Louca de Serrano. Em Julho do ano passado o trabalho do tradutor Jethro Soutar para a editora Dedalus Books rendeu a “The Madwoman of Serrano” o Prémio Pen Reino Unido de Tradução de 2018, tornando-se Dina Salústio a primeira romancista de Cabo Verde a ser traduzida para o inglês.
“Acho que os leitores estrangeiros que vão ler a minha obra sentirão o mesmo que eu sinto quando leio um autor estrangeiro traduzido: eu acho sempre muito mágico estar a ler um livro de um autor americano, de uma autora inglesa, ou de um escritor senegalês. Um livro escrito em outra parte do mundo... De alguma forma vou dialogar com esse autor, uma pessoa que eu não conheço e que não me conhece mas cuja escrita me atraiu”, reflecte.
E junta ainda o seu entendimento de que para qualquer escritor ser traduzido é algo de muito bom, permitindo chegar a mais leitores, penetrar novos mercados, e ainda uma oportunidade mais de ressaltar o nome do país.
Isso mesmo estará a autora a fazer já em Julho quando se deslocar ao Quénia para participar enquanto oradora numa conferência literária, onde irá discorrer sobre a literatura feita por mulheres africanas.
Olhando para um futuro mais longinquo poderemos encontrar uma publicação voltada para os mais jovens. “Não para crianças mas para leitores jovens, leitores que ainda não ganharam o gosto pela leitura. Um livro que tenha pontos de questionamento para essa idade”.
Mas antes, Veromar. A apresentação do livro acontece nesta sexta-feira (10), no auditorio BCA/Garantia, e caberá à docente e investigadora Elvira Reis. A 24 de Maio o livro terá lançamento em Lisboa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 910 de 08 de Maio de 2019.