Já em alguns concelhos da ilha de Santiago, este género musical tem ganho cada vez mais incentivo, com a realização de festivais e concursos, onde vários grupos se reúnem num palco para mostrar os seus trabalhos.
Anualmente, no concelho de São Miguel acontece o Festival de Batuco e Funaná que reúne grupos dos dois géneros musicais num só palco. Em Santa Cruz também acontece todos os anos o Festival “1 Concelho, 3 Ritmos”, que celebra os três ritmos tradicionais, sendo um deles o batuco. No concelho de Santa Catarina de Santiago realiza-se o concurso de batuco, para se escolher o melhor agrupamento.
Este género musical está também na nossa diáspora, mais concretamente em Portugal, onde existem vários grupos, de destacar, Orkestra As Batukadeiras e Finka Pé. Estes grupos formados maioritariamente por mulheres juntam-se todas as semanas para o ensaio.
Quase todas essas mulheres são donas de casa e ensaiam todas as semanas para alguns espectáculos e manter o batuco sempre vivo. O grupo de batucadeiras Finka Pé esteve no passado mês de Julho em Cabo Verde no âmbito da celebração dos seus 30 anos de existência e realizaram várias actividades, sendo uma delas no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na cidade da Praia. O grupo encantou o público com o seu ritmo e dança.
Para nos falar desse género musical conversamos com o músico, actor e encenador Gil Moreira e o artista Bob Mascarenhas. Para Gil Moreira o batuco morreu e ressuscitou e o facto de hoje estar em toda a ilha de Santiago e no Maio é uma grande vantagem, mas defende que estamos sem a essência do batuco.
O músico afirma que hoje temos um batuco com tendência desvalorizativa, que está a fugir do seu campo folclórico no orquestramento de terreiro e no elemento que compõe o terreiro.
“Estamos com um batuco diferente, com posição diferente, andamento mais corrido, há mais preocupação com as letras, introdução de alguns instrumentos que não são da base ou da sua influência cultural”, explica.
“É necessário ter uma equipa forte com tendência, identitária e cultural para a preservação da base folclórica da tradição cultural cabo-verdiana, isso tem que ser a preocupação não só institucional, mas também individual de cada elemento que pertence a uma cultura. Isso, se quisermos ver o batuco a espelhar-se no mundo com a sua base perante a globalização e influências culturais na contemporaneidade”, acrescenta Moreira.
Bob Mascarenhas, por seu lado, diz que a essência do batuco mudou com a introdução de alguns instrumentos musicais.“Hoje em dia o batuco mudou porque os artistas passaram a introduzir instrumentos musicais. Já as batucadeiras, ainda continuam com a essência da nossa raiz”.
Por outro lado, Gil Moreira realçou que não há uma política de levar o batuco para as ilhas turísticas e que é necessário fazer isso. “Maio é a ilha mais próxima da ilha de Santiago, por isso que está com batuco. As pessoas da ilha de Santiago começaram a ir ao Maio através da ligação da apanha do sal e para alguns trabalhos naquela ilha. Com isso criou-se aquela especificidade e irmandade muito ligada a Santiago”.
“Temos a Boa Vista que podia dar mais um passo e ir mais além por ser a ilha turística com um batuco mais trabalhado. A ilha do Sal com este estilo musical, também trabalhado. Ter para cada ilha um batuco devidamente trabalhado, pois nessas ilhas estão pessoas da ilha de Santiago”, frisa.
Conforme Bob Mascarenhas, o facto de termos grupos de batuco não só na ilha de Santiago mas no Maio, Fogo, Boa Vista e na diáspora é de se louvar e merece o devido respeito.
Também conversamos com Tomé Varela da Silva que é filósofo e estuda a tradição oral e a herança musical de Cabo Verde. Para Tomé Varela da Silva, o nosso batuco não corre o risco de desaparecer e citou Orlando Pantera que tinha dito que o “Batuco está na moda”, e está mesmo na moda. Está a ser muito cultivado. Ainda acho que se está a adaptar aos tempos modernos porque é diferente daquele batuco que conheci na minha infância com três fases em cada sessão”.
Madonna com batuco
Madonna, a estrela pop norte-americana, lançou um videoclip intitulado “Batuka”, tema retirado do seu novo álbum “Madame X” lançado no mês de Junho, que contou com a participação da Orkestra As Batukadeiras de Portugal.
Este disco é o resultado da sua vivência em Portugal onde se cruzou com vários artistas portugueses e o artista cabo-verdiano Dino D`Santiago. Madonna conheceu a Orkestra As Batukadeiras e mostrou-se encantada com as mulheres e este género musical cabo-verdiano.
O facto dessa cantora norte-americana ter feito o tema “Batuka”, para Gil Moreira traz uma mais-valia, mas avisa que é bom que o batuco não perca a sua essência. “Madonna é uma pessoa de influência cultural muito forte, tem cantado muito bem, tem tido grandes produtores mundiais, tem pisado grandes palcos do mundo e hoje está a cantar batuco ou a associar a sua imagem ao batuco”.
Para o activista cultural, é necessário levar aquilo que é folclórico, porque ainda só temos a imagem da Madonna no batuco, mas nao a essência do batuco.
“É preciso que esse batuco deixe de ser apenas a imagem da Madonna no batuco, mas um batuco cantado por Madonna com toda a sua tendência folclórica cultural”, assegura.
“Madonna pode colocar piano e guitarra mas o principal é aquele básico, assim conseguimos ganhar mais, pois, assim estamos a levar a componente cultural, não só a imagem de marketing para comercializar. Mas isso é positivo, é bom que uma artista mundial queira entrar colocar a sua imagem na nossa tradição cultural”, frisa Gil Moreira.
Já para Bob Mascarenhas, o que a Madonna cantou não é batuco. “Espero que todos que conheçam o batuco, principalmente os jornalistas, respeitem os nossos estilos musicais para não dizer que o que a Madonna cantou é batuco. Batuco precisa de respeito, só quem sabe o quê é o batuco pode dar-lhe o devido valor. Para mim, o que a Madonna fez foi uma falta de respeito para com a nossa música, principalmente para com o batuco”.
“Vi só uma parte na televisão e isso não me permite fazer uma avaliação mais ou menos correcta, mas acredito que mostra a força do batuco. Madonna é uma cantora internacional, de outro país, outra cultura, e mostra interesse pelo batuco, isso mostra que o batuco tem força”, indica Tomé Varela da Silva.
Conforme disse, isso serve para engrandecer a nossa cultura. Falando agora da valorização desse género musical. Dino D’Santiago é um dos artistas que também quer ver o batuco num outro patamar. “Só descansarei quando as batucadeiras e o batuco forem reconhecidos como Património Imaterial da Humanidade”, escreve Dino D`Santiago na sua página na rede social, Facebook.
“A artista tem mostrado a sua paixão por este género musical, em diversas formas, por exemplo, tem colocados nos seus discos este género musical, além de estar sempre a exibir uma camiseta escrito Batuku”.
A Madonna já começou o seu tour. A estreia aconteceu no passado dia 17, em Nova Iorque, onde a estrela pop norte-americana esteve acompanhada pela Orkestra As Batukadeiras.
O Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, encontraram-se com Madonna depois de um dos seus shows em Nova Iorque. Ulisses Correia Silva aproveitou a oportunidade para agradecer à cantora por ter divulgado a música, a cultura e a identidade de Cabo Verde. Essas informações foram partilhadas na rede social, Facebook, de Ulisses Correia e Silva.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 931 de 02 de Outubro de 2019.