Dum lado a Escola, do outro a Biblioteca e, frente à Escola, a Central Eléctrica que, à noite, se torna um inferno barulhento… esta praça era o cantinho discreto dos namorados, com os seus bancos de cimento e as suas flores, mas… agora tem luzes e altifalantes; encheu-se de vida e movimento… pobres namorados.
Maria Helena Spencer, Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação, agosto de 1953.
A Escola Grande
Escola, Biblioteca e Museu
Segundo uma notícia do jornal As colónias portuguesas¹ (Lisboa, 1883/84):
O edifício que representa a gravura é o das escolas da Praia, onde funciona a escola principal e as três aulas de instrução primária. É situado no largo do Guedes. Foi construído em 1877 (…), tem “duas espaçosas salas na frente e no interior uma secretaria da escola. A parte do edifício que faz frente para a rua de D. Luiz é destinada à Biblioteca Pública”.
Em 1887, a Biblioteca e Museu² foi de facto incorporada na Escola, “servindo ao mesmo tempo os alunos e o público” (Portaria n.º 58, de 4 de março).
No ano 1890, António de Paula Brito, autor de Subsídios para a corografia da ilha de S. Thiago de Cabo Verde (1889) considerou o edifício “acanhado para tanta cousa, já que tinha funções de Escola, de Biblioteca e Museu³”.
Em 1918, em ata da sessão do Conselho de Instrução Pública, de 21 de outubro, regista-se que “para a completa instalação da Escola Central do sexo feminino (…) se propõe a apropriação da sala onde funciona a Biblioteca Pública a fim de evitar-se que as escolas funcionem em edifícios separados” (doc. Arquivo Nacional de Cabo Verde – AHCV, cx. 668).
Escola Grande: do ensino primário ao superior
Em 1877, além de aulas de instrução primária, funcionava no edifício do Largo do Guedes, a Escola Principal. O Boletim Oficial de 1 de setembro de 1877 anunciou “a abertura das aulas no dia 1 de outubro do corrente ano”. A Escola, que tinha por fim habilitar professores para a regência das escolas primárias, foi extinta em 1893.
Em 1907 foi construído um telheiro, no pátio interior da escola e algumas obras para a instalação de Escolas de Aprendizagem (Portaria de 16 de julho).
O edifício acolheu a Escola de Ensino Primário Superior que, com algumas interrupções, funcionou até 1921, ano em que foi extinta, “considerando que é de presumir que, em face da situação proveniente da crise de fome que flagela este arquipélago, para o futuro a frequência de tal escola [7 alunos] não aumente, antes diminua” (Portaria de 27 de setembro).
Em 1927 foi elevada a Escola Central. A escola da cidade da Praia mereceu a atenção da imprensa, nem sempre por bons motivos:
Temos nesta cidade uma escola primária, a que chamam Central: muito borborinho e muita intriga tem nela reinado, há uns tempos a esta parte, desconhecendo eu as razões dessas desavenças. (…).
Em vista de tanta balbúrdia (é este o verdadeiro termo, pois ali ninguém se entende) fui forçado a retirar a minha filha de semelhante escola. (…)
A escola primária da cidade da Praia, quanto a professores, deveria ser bem escolhida pois precisamos convencer-nos, isto sem disprimôr para qualquer outra localidade, que a Praia é a capital da colónia. Carta de um pai, Notícias de Cabo Verde, de 3 de outubro 1931.
O edifício da Escola Grande está pedindo … tinta. Até parece que a fachada sofre de sarna ou melhor de bexigas. E é ali que se formam os professores e os meninos a desemburrarem-se. Será por isso mesmo? O Arquipélago, de 30 de maio 1974.
Conforme o Diploma Legislativo de 30 de maio de 1970, a Escola do Magistério Primário foi instalada “no edifício onde vem funcionando a Escola nº 1 da Praia – Dr. Oliveira Salazar”.
Após a independência, na Escola Grande continuaram a funcionar, entre outras atividades educacionais, aulas de ensino básico (prática pedagógica da Escola do Magistério Primário) e nela foram instaladas dependências da Delegação Escolar da Praia.
Dada a precaridade das instalações do Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário, criado em 1979, (inicialmente em salas do Liceu Domingos Ramos, depois, no Parque 5 de Julho), a instituição que evoluiu para Instituto Superior de Educação, instalou-se, entre 1995 e 2006, na Escola Grande. Atualmente é parte integrante do património da Universidade de Cabo Verde.
Fotografia tirada na “Semana de Defesa do Património”, 21-26 de outubro de 1985, promovida pelo Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário.
A Escola Grande, ao longo de mais de 140 anos, tem cumprido a missão inicial de casa de educação e cultura. Em vários ciclos de desenvolvimento tem sido a memória visível da cidade. Tem faltado – em minha opinião – sentido, coerência e planificação das intervenções que a têm marcado. Apesar do destino errático, esta magnífica Escola continua Grande no imaginária coletivo.
Merece maior atenção!
Obs: O texto observa as normas do Novo Acordo Ortográfico com exceção das citações que respeitam as grafias da época.
_______________________________________________________
¹ Apud Oliveira, João Nobre (1998). A imprensa cabo-verdiana 1820-1975: Macau: Ed. Fundação Macau, p. 71.
² A “Biblioteca e Museu Nacional de Cabo Verde” abriu as suas portas no dia 8 de abril de 1871, num compartimento no rés-do-chão do quartel-general, onde residia o Governador. Em maio de 1871 mudou-se para a rua do Quartel (hoje Andrade Corvo), ocupando o prédio n.º 25, onde já tinha funcionado o Gabinete de Leitura. In Figueiredo, Jaime de (1951). A fundação da Biblioteca pública da Praia. Praia: Imprensa Nacional.
³ O espólio do Museu que se resumia a “duas espingardas antigas e alguns objetos abandonados pelo gentio nas operações da Guiné levadas a efeito pelo batalhão expedicionário de Cabo Verde” (Figueiredo, 1951, p. 13), foi transferido para o Seminário-Liceu de S. Nicolau, que “fundou um museu que possue já uma importante collecção em que entram os restos do museu da Praia (Apontamentos para a história da Diocese e da organização do Seminario Lyceu, da autoria do vice-reitor Francisco Ferreira da Silva,1899).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 931 de 2 de Outubro de 2019.