Dino D’Santiago: “Num ano senti o reflexo de tudo que sempre ambicionei como artista”

PorDulcina Mendes,26 out 2019 8:57

Nasceu em Portugal mas é filho de pais cabo-verdianos. Com o lançamento do CD “Mundu Nôbu”, em 2018, Claudino Pereira, de nome artístico Dino D’Santiago, está a viver os melhores momentos da sua carreira. Desde o ano passado que o artista está a ser galardoado no mundo da música. Na véspera do primeiro aniversário do seu álbum Dino recebeu mais um prémio, na quinta gala do Somos Cabo Verde, que aconteceu na passada sexta-feira, na Cidade da Praia

O teu novo álbum “Mundu Nôbu” completou no dia 19 de Outubro um ano. Qual o balanço que fazes deste primeiro ano?

Num ano senti todo o investimento de vários anos de música. Já tenho 15 anos no mundo da música, e num ano senti o reflexo de tudo que sempre ambicionei como artista, como ser humano, cidadão e activista. Neste ano, manifestou-se tudo de uma forma muito bonita. O disco saiu no dia 19 de Outubro de 2018 e nesse mesmo ano foi considerado pela crítica em Portugal e por todos os jornais e revistas como o melhor álbum do ano. Depois comecei o ano de 2019 com uma tournée na Polónia esgotado em nove cidades. Em Abril recebi três prémios da música portuguesa. Nesse primeiro ano recebi o prémio de Melhor Álbum do Ano, Melhor Artista Nacional e o Álbum da Crítica. Então, daí veio uma grande tournée a nível nacional que também se materializou fora; estive nos melhores festivais como Primavera Sound e Super Rock, Super Bock. 

O “Mundu Nôbu” está a ser um sonho … 

Está sim, agora já não sinto o sonho, mas estou realmente a viver um sonho dentro de um não sonho.

Porquê o título “Mundu Nôbu”?

“Mundu Nôbu” pela minha busca de criar uma ponte entre o lado moderno e o tradicional. Nós artistas procuramos sempre o lado mais contemporâneo e foi sempre muito com base nas influências anglo-saxónicas ou francófonas que vinham dos Estados Unidos ou da cultura Francófona também o tipo estético e sonoridades, baseando nos ritmos deles como hip hop, r&b sempre nas cadências rítmicas que foram criadas por eles. O meu desafio era basear-me nos ritmos de Santiago como o batuco e o funaná e principalmente o funaná lento e mais “rapicado”. Com esses ritmos imagino como é que um cidadão de Londres ou de Nova Iorque ia sentir e foi o que fiz e juntamente com Kalaf Epalanga trouxemos um produtor de Nova Iorque e de Londres. Vieram e ficaram em Santiago e foram ao espaço musical Kaku Alves na Várzea, Cidade Velha e outros sítios para sentirem a cultura mesmo crua e depois disseram ok, não podemos alterar isto, vamos então só mexer à volta. Tive medo e receio dessa mudança, mas foi muito bem recebida. O disco conta com 80% de músicas cantas em crioulo e só 20% em português. Recebi o prémio de Melhor Álbum em Portugal, acho que foi uma cereja no topo do bolo. Em Cabo Verde recebi o prémio de Música Internacional, nos Cabo Verde Music Awards, onde convidei Nha Balila para receber o prémio. Fiquei muito feliz com a decisão, porque ela foi uma das pessoas que me inspirou neste disco. Este disco está a ser muito abençoado, as mensagens são muito tradicionais e de intervenção que te faz olhar para o teu país sem fronteiras e que com mensagem como “un bai estrangeiro ma nka estrangeiro não”, e essa para mim é a mensagem mais forte.

Além de funaná e batuco, também trouxeste mais ritmos … 

Sim, tenho esses ritmos, também fundidos com a célula do kizomba e do tarraxa mais lento. Fui pegar nesses ritmos lusófonos e a génese no crioulo, combinar esses ritmos como os nossos, conseguimos criar uma narrativa. Por exemplo, fui o primeiro lusófono a ser destacado na Rolling Stones Maganize, nos Estados Unidos da América. Não fiz magia, simplesmente foi algo que aconteceu, porque há uma mistura, chegou lá fora e as pessoas entendem a mensagem. Eles já estavam a atacar o mercado latino mas não havia nada da lusofonia. Do lado do latino já tinham explorado outras coisas como o reggaeton que é feito na América Latina, depois já tinham aproximado do baile funk. Vejo que podemos vencer se pegarmos naquilo que é nosso. 

Para este disco foste beber em vários sítios…

Sim, bebi muito em Londres, Berlim, Lisboa. Em Lisboa consegues encontrar mesmo uma mistura e há muitas pessoas do mundo todo que vão para a Cidade de Lisboa e ali encontras a cultura mais a aculturação. As pessoas misturam os ritmos. Foi isso que a Madonna encontrou em Lisboa que não conseguiria em Londres, Nova Iorque e nem em Los Angeles, porque tens várias culturas nesses sítios, mas está tudo segregado. Ali não há a única combinação, depois tenho influências de Luanda (Angola) Nova Iorque, foi um disco que viajou por muitos sítios.

Apesar dessas viagens pelo mundo, Cabo Verde continua a ser a tua fonte de inspiração? 

Sim, por isso é que estou aqui. Sem dúvidas, é um Bitori Nha Bibinha que me faz viver, é uma Nha Balila, é ver a nova juventude como o grupo musical Azagua, Hélio Batalha, Kiddy Bonz, e os que estão a fazer música lá fora, como Djodje, Mayra Andrade, Loony Johnson, Nelson Freitas, e Elji, tudo isso inspira-me. E as suas maneiras mantêm Cabo Verde vivo. A Lura, Elida Almeida, Sara Tavares e outros, são tantos. E é bonito ver que são tantas as gerações que se misturam. Há um contraste tão grande entre o tradicional e o moderno mas tudo a co-habitar e sinto que Cabo Verde ainda tem muito para dar. 

E a nossa música está a vingar lá fora … 

Sim temos que valorizar muito os músicos que aqui ficam, porque esses são os mais sacrificados, que nos inspiram e depois não têm possibilidades de sair para fora. São eles é que mantêm o crioulo vivo, aqui. É de se louvar e nós que estamos lá fora temos que fazer de tudo para ser uma voz para eles também. 

E neste momento o quê que estás a preparar?

Agora vem o EP intitulado “Sotavento”, com cinco vídeos que vão sair em simultâneo. O Sotavento é como um fechar de páginas do “Mundu Nôbu” para abrir outra, e aí é pegar no batuco e funaná. Funaná e o batuco no seu compasso mais tradicional e dar aquela roupagem electrónica mais contemporânea mais as mensagens interventivas. É um EP muito activista. 

“Sotavento”, porquê? 

Por ser filho de Sotavento em Cabo Verde e em Portugal, porque em Algarve vivo na zona de Sotavento. Quarteira faz parte de Sotavento. Então é uma homenagem a essas zonas. Estou feliz com o resultado.

Este EP sai quando? 

Sai no dia 25 deste mês.

“Mundu Nôbu”já foi apresentado em alguns países da Europa… 

Sim, já o apresentei em Portugal, na Polónia, Inglaterra, agora vou para Paris no dia 1 de Novembro e depois vou para Londres, novamente em Janeiro de 2020, mas ainda tenho vários concertos em Portugal. Estive em Espanha, também este ano, e todos os concertos estiveram esgotados. Só me falta concertos de apresentação em Cabo Verde. 

Era isso mesmo que queria saber. Para quando os shows em Cabo Verde? 

Em Cabo Verde só não aconteceu, porque ainda não há nenhuma proposta em que pudesse trazer o meu formato na íntegra. Acho que Cabo Verde mais do que qualquer outro país merece ver como os outros tiveram oportunidade de ver. A minha estrutura montada, a minha banda, as três raparigas onde posso mostrar o meu lado feminista, a emancipação das mulheres. Não vou a Cabo Verde para fazer algo que é menos com o que estou a dar lá fora, então vou dar mais do que já dei. Agora juntamente com o Augusto “Gugas” Veiga já se está a chegar a um acordo para ainda este ano celebrar um ano de “Mundu Nôbu” na terra que me viu nascer. 

Em Cabo Verde já sabes onde é que vais apresentar o teu trabalho? 

Além da Cidade da Praia, o Sal já está em contacto, quero ir para São Vicente, Santo Antão e Fogo onde ainda não fui. 

Não podia terminar a nossa conversa sem falar da Madonna. Como é que surgiu a Madonna na tua vida? 

A Madonna surgiu graças a Cabo Verde, porque fui actuar com uma amiga brasileira em Lisboa e estava uma grande amiga da Madonna que é a Vitória Fernandes, uma colombiana. Ela me viu cantar Cesária Évora  e gostou e disse-me que tem uma amiga que vai adorar conhecer-me e essa amiga era Madonna. Depois desse primeiro encontro ela só me pediu para mostrar o quê que Lisboa tinha, inspirações e sons, fizemos várias festas privadas onde mostrei-a as músicas de Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Brasil e São Tomé e Príncipe, e o que ela mais gostou e sentiu foi de Cabo Verde, a morna, o batuco acima de tudo as histórias das batucadeiras.

E depois disso ela fez uma música com as batucadeiras … 

Sim, com o seu mundo, tem dois momentos da música em que ela fica dentro do batuco como nós fazemos. Neste tema ela manteve a tradição de pergunta/resposta do início ao fim e pôs as batucadeiras a cantar em inglês. A Madonna nunca falou com as batucadeiras em inglês, foi sempre em crioulo e havia sempre alguém a traduzir, para que ninguém ficasse despercebido. 

As batucadeiras vão andar pelo mundo com a Madonna… 

O momento mais importante do concerto dela é com as batucadeiras e ela realmente quer mostrar ao mundo a história dessas mulheres que são anónimas para a sociedade, limpam as nossas casas e aeroportos, entram e saem invisíveis e ela está a dar um palco digno a cada uma dessas mulheres. Tive o cuidado de escolher em cada uma das mulheres da diáspora, da Inglaterra, Suíça, França, Portugal, de Cabo Verde. Está a Ellah Barbosa a representar Cabo Verde. Ver as fotos delas no Central Parque, aquilo para mim diz muito. Foi a minha maior missão e sei que posso fazer muito mais. Mas só o simples facto de saber que essas mulheres durante 97 concertos, durante oito meses vão andar pelo mundo a representar a nossa cultura, isso não tem preço. 

Há alguma possibilidade de fazeres uma parceria com a Madonna, no futuro? 

Eu não ambiciono nada disso. O que mais ambicionava neste sentido era ver a bandeira de Cabo Verde elevada e respeitada acima de tudo. E ela no concerto dedica momentos à Cesária Évora e tem as nossas batucadeiras como personagens principais, tem o músico cabo-verdiano Miroca Paris, a trompetista Jéssica Pina para representar Angola, levou o Gaspar, que é bisneto de Celeste Rodrigues, fadista portuguesa irmã da Amália Rodrigues. 

Diz-se que o que a Madonna fez não é batuco… 

Acho que a partir do momento em que ela tem batucadeiras a representar, ela podia nem estar a cantar já era batuco, porque ela pegou num ritmo nosso e inspirou-se nesse ritmo e criou algo do seu universo. Ela não tinha que fazer batuco tradicional porque ela não é cabo-verdiana. No concerto, ela faz mesmo o batuco com a nossa tradição mas quando entram as músicas dela, é as músicas dela com a participação das nossas batucadeiras. É isso que é muito importantes as pessoas saberem: é Madonna que convida as batucadeiras para tocar um tema que é dela, ao qual ela baptiza de “batuka”, para no feminino honrar as mulheres e dentro desse tema que tem dois momentos. E se as pessoas identificarem o batuco vão perceber que há duas células na introdução e no meio, onde ela dá oportunidade de meter no nosso ritmo depois volta ao ritmo dela e é mais natural. O que a Madonna fez não é batuco, mas ela fez com que o mundo percebesse o que é o batuco. Porque depois disso, as pessoas começaram a pesquisar tudo o que há sobre as batucadeiras em Portugal, França, Alemanha, Inglaterra Suécia, e isso é bom. Quando as pessoas pesquisarem sobre o batuco vão encontrar temas do Orlando Patera, Nha Balila, Nha Nácia Gomi, vários nomes a voltarem, graças a esse olhar. O simples factos de estarmos a discutir de que aquilo que a Madonna fez não é batuco, vais querer saber o quê que é o batuco.

Publicaste na tua página do Facebook: “Só descansarei quando as batucadeiras e o batuco forem reconhecidos como Património Imaterial da Humanidade”. Porquê afirmação? 

É o meu maior desejo, porque a minha mãe é uma pessoa ligada ao batuco, desde criança que vejo o que isso representa para ela. Então ver o batuco a ser elevado é uma missão, e mais do que isso é ver as mulheres cabo-verdianas a serem elevadas, porque são pessoas que vivem uma história. Nós falamos da beleza da mulher cabo-verdiana, mas na hora H somos os primeiros a abandoná-las e a deixá-las com cinco/seis filhos. Então essa consciência tem que vir de cima, se realmente elas são o que nós dizemos que elas são, então vamos valorizá-las e as próprias mulheres deixarem de ser tão machistas, quando estão em cargos de poder e lembrarem sempre que precisamos que sejam femininas e feministas é o que pode mudar toda a forma como a mulher africana no geral é tratada.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 934 de 23 de Outubro de 2019

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Autoria:Dulcina Mendes,26 out 2019 8:57

Editado porAndre Amaral  em  27 out 2019 8:47

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