Espaços com história II

PorAdriana Carvalho,12 nov 2019 6:11

A cidade da Praia vai-se embelezando, num ritmo que quem a viu há cinco anos vem encontrar grandes diferenças. Está quase concluída a praça Luís de Camões enquadrada pelo moderno edifício do Centro de Estudos, pela Escola Dr. Oliveira Salazar, Cinema e Biblioteca. Ronda pelas ilhas. O Arquipélago, de 20 de outubro de 1966.

                         De Centro de Estudos a Reitoria da Universidade de Cabo Verde

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O Centro de Estudos no dia da inauguração, 9 de fevereiro de 1968 (Arquivo da RTP – Rádio Televisão Portuguesa). 

O Centro de Estudos de Cabo Verde, com sede na Praia, foi instituído pelo Decreto n.º 43.564, de 17 de março de 1961, tendo incorporado o arquivo e os fundos do Centro de Cultura de Cabo Verde¹. Conforme o preâmbulo do diploma fundador, “a criação de um centro de estudos, há muito reclamado” justifica-se pela “existência verificada de um escola de valor intelectual no arquipélago”. 

O Centro de Estudos de Cabo Verde é o organismo provincial da Junta de Investigação do Ultramar, que assegura a extensão da sua actividade científica e cultural na província de Cabo Verde, (…) [devendo] concorrer para o desenvolvimento da ciência, por meio da investigação científica continuada dos problemas específicos do arquipélago; (…) Para a execução das suas atribuições, deve [entre outras] (..): promover conferências, colóquios, exposições culturais (…); subsidiar investigadores e conceder bolsas de estudo; promover a publicação dos resultados das investigações, (…) ou de obras que julgue incluídas nos seus fins. (Artigos 2.º e 4.º do referido decreto) 

Conforme notícia do Cabo Verde: Boletim de Propaganda e Informação, data de janeiro de 1962 “o magnífico projecto, que já se encontra em poder dos Serviços de Obras Públicas, a construir na Praceta Luiz de Camões”. No terreno, onde esteve implantada a antiga Central Elétrica², foi erigido o edifício para o Centro de Estudos. Segundo O Arquipélago, de 4 de agosto de 1966, “com a conclusão do edifício, que muito brevemente vai ser inaugurado, deu-se inicio às obras de modificação do Jardim Luís de Camões”. A inauguração, com pompa e circunstância, aconteceria um ano e meio depois, por ocasião da visita à colónia do Presidente da República Portuguesa, Almirante Américo Tomás. 

Como referiu a arquiteta Ana Vaz Milheiros³, “o Centro de Estudos é provavelmente da autoria de arquitetos afetos ao Ministério do Ultramar, [existindo] notícia de um esboço desenvolvido na Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar, por António Sousa Mendes (1962), seguindo já uma linguagem abstrata”. É um belo edifício, “de estrutura pavilhonar (…) composto por gabinetes e um auditório, [que] reflete uma certa predileção moderna em isolar o objeto arquitetónico na paisagem urbana”. 

Após a independência, o prédio foi adaptado para nele acolher o Ministério de Negócios Estrangeiros, tendo também abrigado os serviços de apoio à Assembleia Nacional Popular. O espólio do Centro de Estudos foi transferido para a Biblioteca Pública da Praia.

Em 2005/06, o imóvel foi, de novo, reabilitado para receber a Reitoria da Universidade de Cabo Verde. O jornal Horizonte de 23 de novembro de 2006, noticiou: E o sonho fez-se realidade. A reitoria da Universidade de Cabo Verde foi inaugurada terça-feira, dia 21, e, nesse mesmo dia, tomou posse o seu primeiro reitor António Correia e Silva numa cerimónia que decorreu na Pracinha da Escola Grande em frente às instalações da reitoria, na cidade da Praia. 

Segundo o Reitor Correia e Silva, “a Uni-CV deveria recuperar edifícios que tivessem tido um passado ligado à educação”. Assim aconteceu:A atual reitoria fora o Centro de Estudos de Cabo Verde. António Carreira, que foi meu mestre, contava diversos debates ali ocorridos. Eu mesmo assisti ali à minha primeira conferência, no então único anfiteatro da cidade da Praia. Quando adquirimos as chaves, chamámos dois arquitetos, um do tempo da construção do edifício, o Pedro Gregório, e outro mais novo, o João Vieira. Para mim, foi um momento emocionante quando disse ao arquiteto Pedro Gregório que eu tinha recordações românticas de um antigo anfiteatro, onde tinha assistido a minha conferência, e ele muito sereno, como quem reencontra um velho tesouro, respondeu-me “ele está guardado por baixo do estrado, intacto”. E de facto estava. O João Vieira reabilitou o edifício com muito bom gosto e cuidado.

(Entrevista concedida em 16 de novembro de 2016⁴) 

Com este edifício fechou-se o anel Escola - Cinema - Biblioteca, espaços de cultura em torno da Pracinha da Escola Grande, nome carinhoso que a população da cidade da Praia dá ao antigo Largo do Guedes; depois, Praça Luís de Camões e, mais recentemente, Praça António Lereno. 

Espera-se que este anel se mantenha com projetos de memória e futuro, com uma visão prospetiva onde “temos de ter o cuidado de acrescentar respeitando o resto, mas temos de construir o nosso tempo”⁵. 

Obs: O texto observa as normas do Novo Acordo Ortográfico com exceção das citações que respeitam a grafia da época.

_____________________________________________________________________

¹ O Centro de Cultura de Cabo Verde tinha sido criado pela Portaria n.º 4.594, de 17 de julho de 1954 e extinto pela Portaria n.º 6.208, de 7 de outubro de 1961. 

² Conforme “Esclarecimento da Câmara Municipal da Praia” (Cabo Verde: Boletim de Propaganda e Informação, de abril de 1961), a nova central foi inaugurada no dia 1 de maio de 1960) 

³ Cabo Verde e Guiné-Bissau: Itinerários pela arquitectura moderna luso-africana (1944-1974). Atas do Colóquio Internacional Cabo Verde e Guiné-Bissau: Percursos do Saber e da Ciência, Lisboa, 21-23 de junho de 2012, Instituto de Investigação Científica Tropical e Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.

⁴ Publicada em Carvalho, Maria Adriana Sousa (2019). O ensino superior em Cabo Verde: Génese e Desenvolvimento. Ed. Uni-CV.

⁵ Arquiteto Aires Mateus, Prémio Pessoa em 2017 (https://www.satae.pt/lisboa-50-projetos/).


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 936 de 6 de Novembro de 2019. 

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Autoria:Adriana Carvalho,12 nov 2019 6:11

Editado porClaudia Sofia Mota  em  12 nov 2019 18:08

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