Foto Melo: Mindelo a preto-e-branco

PorManuel Brito Semedo,23 ago 2020 8:17

Fundada em 1890, a Foto Melo retratou durante mais de 100 anos as paisagens das ilhas do arquipélago e as vidas dos seus habitantes. Djindjon de Melo (João Henriques de Melo, 1871-1944) foi um fotógrafo amador nascido em Santiago, filho de mãe cabo-verdiana e pai português, que encontrou uma oportunidade de negócio em fotografia, quando chegado ao Mindelo.

Homenagem à Foto Melo, “a casa mais conhecida de Cabo Verde”, e ao seu proprietário, o fotógrafo Papim Melo, nascido a 20 de Agosto de 1926. 


Estúdio Foto Melo

Num texto intitulado “Projeto de organização e conservação da coleção de fotografia Foto Melo Mindelo, Cabo Verde”, o arquitecto paisagista e fotógrafo português Diogo Bento, a residir em Mindelo, escreveu o que aqui se transcreve com a devida vénia:

“O estúdio Foto Melo começa por fotografar os navios ao largo do Porto Grande (um dos mais movimentados da África Ocidental, à época), vendendo as fotografias aos marinheiros que entretanto desembarcavam. O estúdio acaba por se tornar numa referência incontornável para os mindelenses e não será exagerado afirmar que todas as famílias da cidade aí tenham feito os seus retratos.

Foi a única casa fotográfica no Mindelo desde a sua fundação no séc. XIX e durante grande parte do século XX e retratou sistematicamente as chegadas de governadores, a elite intelectual local, almoços e jantares de gente ilustre, grupos de ingleses, eventos oficiais, sociais e religiosos, bailes carnavalescos, costumes populares, os navios no Porto Grande, vistas de cidades e paisagens de todas as ilhas de Cabo Verde.

Após a morte do fundador é o filho Papim que passa a comandar os destinos da Foto Melo, embora todos os oito irmãos lá tivessem trabalhado (entre os quais se destaca o Djessa, José Augusto Lima de Melo, recordado por muitos como o mais "artístico" dos irmãos e que viria a estabelecer-se com loja própria na cidade da Praia). Foram ainda identificadas espécies fotográficas de José Henriques de Melo (irmão de Djindjon), referentes às campanhas de 1907-1908 na Guiné-Bissau. Foi já na última década do séc. XX que o estúdio fotográfico fechou portas, numa altura em que os trabalhos produzidos, ainda a preto-e-branco, mostravam o seu desfasamento em relação à evolução da fotografia”.

De 16 de Abril a 16 de Maio de 2012 esteve patente ao público no Centro Nacional de Artesanato e Design, no Mindelo, a exposição de fotografia “Espelho de Prata – um olhar sobre a Coleção Foto Melo” com a curadoria de Diogo Bento.

Últimas informações dão conta que esse espólio fotográfico está na posse dos sobrinhos de Papim Melo.

Papim Melo

Eduardo Ernesto Trigo de Melo, “Papim”, nasceu em São Vicente a 20 de Agosto de 1926 e faleceu na sua cidade do Mindelo a 6 de Janeiro de 1999. Após ter concluído a 4.ª classe e não querendo continuar os estudos, ingressou no mundo fotográfico, ajudando o pai que era fotógrafo.

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Bastante jovem emigrou para o Senegal, onde residiu alguns anos. Regressado a São Vicente, assumiu o lugar do pai na Foto Melo, que era a única casa fotográfica na altura.

Pessoa bastante dedicada na sua profissão, fazia reportagens de casamentos, batizados, festas de romaria, desfiles de carnaval, funerais, entre outros.

É da mais elementar justiça destacar uma outra figura, uma estrela de primeira grandeza, Maria Augusta Lima de Melo, Dona Natália (São Vicente, 25/12/1897 – 07/07/1982), mãe do Papim e restantes irmãos Melo. Segundo informações fidedignas de uma pessoa próxima, ela foi uma peça fundamental na Foto Melo.

Dona Natália Melo aprendeu com o marido e, ainda os filhos eram pequenos, já fazia de tudo na loja e no laboratório. Criou os filhos entre fotografar, revelar, pôr a secar, cortar, atender clientes. Varava noites na câmara escura a trabalhar. Na arte de pintar fotografias, essa que o Djessa aprendeu, a Dona Natália Melo foi uma exímia executante.

Quando o marido morreu e o Papim ficou à frente da Foto Melo, Dona Natália esteve sempre ao lado do filho. As funções inerentes a revelar, fixar e passar para o papel foram da alçada dela, anos a fio, tendo lá continuado a trabalhar até morrer.

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Cinemas e Casas de Fotografia

A cidade do Mindelo, cuja economia dependia, quase na sua totalidade, das actividades relacionadas com o porto, desenvolveu-se graças à revolução industrial inglesa e ao negócio do carvão, tendo-se enchido de oficinas de toda a espécie.

Mindelo cedo entrou na modernidade. Na primeira metade de 1914 surgiu a ideia de se substituir a iluminação pública vigente, do sistema Kitson, por uma rede eléctrica, que viria a ser implementada em 1926 por Pedro Bonucci e João Leça. Em1922, por iniciativa do empresário César Marques da Silva, foi inaugurado o cinema Eden Park e, em 1954,Tuta Melo criou o Parque Miramar.

Por essa altura começaram, igualmente, a surgir casas de fotografia – Foto Melo, no Alto Mira-Mar; Foto Progresso, ou Foto Nhô Djunga, e Foto Vitória, de Orlando Vitória, na Rua Senador Vera-Cruz; Foto Silvestre Rocha, na Rua de Salão Mimoso, na Fonte Doutor; Foto Djibla, na Rua São João, a única a manter-se em funcionamento até hoje; e Foto Daniel Vitória, na Pracinha da Igreja. Isso, até os anos 70, funcionando, em simultâneo, três a quatro dessas casas. De referir que essa tradição de casas de fotografia em Mindelo mantém-se até hoje.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 977 de 19 de Agosto de 2020.

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Autoria:Manuel Brito Semedo,23 ago 2020 8:17

Editado porSara Almeida  em  24 ago 2020 17:24

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