Não será isso o que nos fará admirar este pianista de 28 anos, que surpreende a cada dia que passa o Brasil e o mundo? Aliás, se nos perdermos em tentar catalogar a música de Amaro, mergulhamos no desnecessário, e perdemos tempo precioso que deverá ser usado a ouvi-lo e deixarmo-nos levar, para onde ele…e nós quisermos.
A música de Amaro foi das coisas mais originais que ouvi nos últimos anos. Pura criação que nos arrebata e envolve, quer em melodias intensas, quer em deliciosos sobressaltos ou embalares percussivos.
Com 24 anos lançou o disco “Sangue Negro” e a partir dai as tournées pelo mundo multiplicaram-se, tendo pisado os mais famosos palcos do Jazz – um final feliz para um menino que, como muitos no Brasil, vê seus sonhos escapar por volta dos 14 anos – quando foi obrigado a suspender a escola de música onde estudava e se enamorou pelas teclas… por não ter dinheiro para o transporte. Felizmente, a paixão pela música falou mais alto e Amaro desdobrando-se, conseguiu manter os estudos e dar seguimento à sua paixão pela música.
Começou desde muito cedo quando o pai o levava as sessões músicais da igreja evangélica, onde iria aprender a tocar bateria. Estando esta classe cheia – a música sabe sempre o que faz – o menino Amaro passa para o Piano, começando assim a carreira de um dos mais extraordinários pianistas dos últimos anos da música brasileira…e para mim, do mundo do piano.
Das memórias da bateria retém claramente a percussividade que imprime ao piano e que mistura de forma impressionante com melodias corridas, em resultados absolutamente hipnotizantes. Mas calma…ainda falta o maior dos ingredientes da música de Amaro – a criatividade… a delicada e sublime criatividade.
A sua base vem claramente do jazz, onde admite influências diretas de Chick Corea, Monk e Keith Jarret. Do Brasil, refere-se sempre a João Donato, Hermeto, Gismonti e o meu admirado Moacir Santos. Contudo, Amaro soa sobretudo a Hermeto. Como diz um amigo meu: “Amaro quando for velho “também” terá a barba e cabelo comprido e branco” … Sim, é muito Hermeto…
Não poderei desenvolver muito mais como gostaria sobre o meu novo herói, dado ao espaço desta coluna, ficando assim muito por referir. Assim, proponho que o resto seja feito em escutas e escolho o álbum “Rasif” onde a cultura nordestina – o frevo, o baião, o maracatu, a ciranda ou o maxixe passam para a linguagem do jazz. Sim, o jazz recebe o Nordeste.
Para além do álbum, várias foram as parcerias do músico. Deixo outro momento de intensa beleza: o vídeo que gravou com Milton Nascimento e Criolo no tema “Não existe amor em SP” – mágico.
Fecho, pedindo que oiçam quase que em postura “obrigatória” o menino que partindo de Pernambuco, arrastou o piano Made in Brasil, para o mundo…
“This is not Samba-Jazz; this is something much more interesting” – Phill Freaman
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 988 de 4 de Novembro de 2020.