Neste mês da Mulher, da Árvore & Poesia, evoco e homenageio todas as mulheres cabo-verdianas na pessoa da poetisa Gertrudes Ferreira Lima [Tolentino] (Santo Antão, 1854 – 1915).
Buquê di flor
Ta falta’m jeite p’oferecebe
Andâ cu bô braçado
Ta fadja’m compass
Má nem por isse
Ca parce’m si na mundo
Tem amor maior!
Si nhas bêjin
É só na hora di nôs dôs
E nhas carinho
Guardado só pa um momente
Má nem por isse
Ca parce’m si na mundo
Tem amor maior!
Quem qui ca da valor
Nôs amizade
Ca sabê qui amor
Di palco é fingide
Ma qui ta conta é sentimente
Ma qui ta conta é quel di coraçon
- Morna “Nôs Amizade”,
Adalberto Silva ‘Betú’, 2003
Março, mês terceiro do calendário gregoriano
8 de Março - Dia Internacional da Mulher
19 de Março - Dia de São José (patrono da Igreja, dos pais e dos carpinteiros)
21 de Março
27 de Março – Dia da Mulher Cabo-verdiana
Por volta de 21 de Março, o Sol cruza o equador celestial rumo ao norte; é o Equinócio de Março, começo da Primavera no Hemisfério Norte e do Outono no Hemisfério Sul.
O nome “março” surgiu na Roma Antiga, quando era o primeiro mês do ano e chamava-se Martius, de Marte, o deus romano da guerra. Em Roma, onde o clima é mediterrânico, Março é o primeiro mês da Primavera, um evento lógico para se iniciar um novo ano, bem como para que se comece a temporada das campanhas militares.
Árvore, Mulher & Poesia
A Festa da Árvore foi realizada pela primeira vez em Portugal na cidade de Seixal, no dia 21 de Março de 1907, mesmo nos finais da monarquia, que viria a cair três anos mais tarde, mas associada ao ideário republicano, sob a designação de “festa patriótica” ou “festa da árvore”.
Em Cabo Verde, melhor, na Praia, conforme o jornal semanário “O Futuro de Cabo Verde” (Praia, 1913-1916), de 7 de Maio de 1914, a Festa da Árvore, em tudo parecida com a festa de Seixal, foi realizada a 1 de Maio, tendo a Praça Alexandre Albuquerque, “vistosamente ornamentada”, sido o palco escolhido para esse efeito. O momento mais aguardado do acto, presidido pelo Governador Joaquim Júdice Biker (1911-1915), foi a plantação de árvores na praça do Albuquerque, uma por cada escola.
Neste mês da Mulher, da Árvore & Poesia, evoco e homenageio todas as mulheres cabo-verdianas na pessoa da poetisa Gertrudes Ferreira Lima (Ribeira Grande, Santo Antão, 1854 – 7 de Agosto de 1915), a Humilde Camponesa, ou a Obscura Paulense, e reproduzo o seu poema “Esperança” publicado no Almanach luso-africano para 1895, Lisboa, 1894, p. 219, de que foi director o também santantonense Cónego António Manuel da Costa Teixeira (1865 – 1919):
A chorar entrei no mundo
A chorar eu sempre estou
Como a ave do deserto
Que tão pobre e só ficou.
O nordeste do infortúnio
Matou-me bem cedo a côr
Das rosas da juventude
E legou-me em paga a dor.
Não me negues, Esperança,
O teu riso divinal,
É como o doce carinho
D’um coração maternal.
Vem segredar-me baixinho
Fallar-me d’um ceo d’anil
Das fontes e das florinhas
Qu’inda verei vezes mil.
……………………
São a festiva alvorada
Fulgente d’oiro e de luz
Que a minha vida ilumina
E ao doce bem me conduz.
……………………
(Santo Antão - Cabo Verde), Humilde Camponesa (Caboverdeana)
Filha de Luís Pedro de Lima e de Carolina Ferreira, Gertrudes Ferreira Lima [Tolentino] foi professora de ensino primário na escola da Garça e impulsionadora do método pedagógico de João de Deus em Cabo Verde. Casou-se com Manuel Jansenio Tolentino a 16-02-1901, com 46 anos, e viveu em Lisboa por volta de 1898. Colaborou com textos poéticos e em prosa em almanaques portugueses. Foi uma poetisa muito apreciada no círculo poético cabo-verdiano.
“Dona Gertrudes Ferreira Lima (Humilde Camponesa) – É uma mimosa e inspirada poetisa que tem colaborado neste Almanaque com o pseudónimo de Humilde Camponesa. Seus versos são harmoniosos e sentimentais. Grande admiradora de João de Deus, a Humilde Camponesa, professora distinta, foi quem primeiro ensinou pelo método do grande pedagogo, preenchendo assim uma enorme lacuna no ensino das primeiras letras infantis”. – “Cabo-verdianos Ilustres”, in Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro (Presença Cabo-verdiana), 1901-1932, Vol. II, pág. 43.
Gertrudes Ferreira Lima [Tolentino] figura na antologia poética Poetisas Portuguesas. Antologia contendo dados bibliograficos et biograficos ácêrca de cento e seis poetisas de Nuno Catarino Cardoso, Lisboa, 1917.
Neste mês dedicado à Mulher, fica uma nota de apreço e admiração muito especial a todas aquelas mulheres, da estirpe da minha Avó Mãi Liza e da Mãi Xanda que, embora analfabetas, forjaram-se Doutoras na escola da Vida! Mulheres que nos ensinaram o que é realmente fundamental para a vida transmitindo-nos valores e fazendo de nós as pessoas que somos hoje. Um bem-haja a todas!
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Entre as letras, um porto de abrigo
“O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto”
– Conceição Evaristo, escritora e poeta brasileira,
in Cadernos Negros, vol. 15
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1007 de 17 de Março de 2021.