“Sampadiu” de Ary Kueka

PorPaulo Lobo Linhares,27 jun 2021 9:10

Coerência musical mostrada e misturada …ritmos, tradições e paixões passeiam de mãos dadas numa melodia (só) verde, onde o amor é maior do que o tempo.

Nasce em São Vicente, mas cedo parte para Santo Antão que adota como “sua” ilha. Vive também em Santiago, onde conhece de perto a Tabanka. Apaixonado pela cultura de Cabo Verde, defende-a como um todo.

Durante muito tempo compôs para outros nomes como Ceuzany, Tito Paris, Mirri Lobo…

Agora chega o tempo – esse bem tão preci(o)so na obra de Kueka – de o termos connosco. Trouxe inovação, música refrescada em letras intensas, onde convida todos para viagem numa só cor: Cabo Verde “Sampadiu”.

Rege-se pelo típico formato cantautor, que mistura “mi ma nha guitarra” para passar mensagens de experienciada vivência, contando-nos o que canta, encantando quem o ouve e envolvendo cada um.

Na mensagem mora claramente o seu poder. A letra tem uma tela comum e notável: o experimentado em palavras feitas de massa vivida. Juntam-se de forma natural e quase que sem espaço entre elas, formando frases. Estas unem-se umas às outras numa renda que se assenta sobre a tal tela inicial.

Com as palavras brinca e conversa descomprometidamente com sentimento e alma.

Da mesma maneira, celebra ou critica, enaltece ou chora… A crítica é subtil e carregada de humor ou… profunda e assente em expressões que levamos connosco e que nos remete para o (re)pensar da mensagem.

Em quase todos os temas – observações onde os ingredientes passam sempre pela procura do bem. Ary propõe um mundo com a necessidade de ser por vezes reciclado, onde o amor e a gratidão são certezas pelas quais nos devemos reger.

A voz de Ary é forte, intensa, parecendo nela conter tempo de maturação. Muda rapidamente de formatos em instantes, passando da alegria de uma coladeira ao choro-cantado, que se mistura depois com o canto da Tabanka ou a energia do Sanjon, indo até ao “Rap”. Vai buscar carimbos-marca como por exemplo um tipo de arrastar-eco da última silaba de algumas palavras que nos remetem ao significado de tempo. Aliás, em relação ao tempo, é sublime a maneira como o canta, contando. Há ontens que se tornam hojes de forma valiosa e bucólica, nas estórias que foram histórias e na vida que corre pela linha do tempo.

…sampadiu

Num à-vontade precioso, vagueia pelas sonoridades das ilhas, em saber baseado em inspirações/aprendizagens que vão de Manel d’Novas a Tcheka…O único comprometimento de Ary é com a música e a cultura de Cabo Verde, dez ilhas e dez músicas… dez inspirações.

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Na verdade, conforme Ary canta em “Sampadiu” há nele claramente uma “Katxupa rika sampadiu” que traduz uma “Kultura rika sampadiu” temperada com essências da Tabanka, do Batuku, Sanjon, Mornas e Coladeiras, num todo Cabo Verde. Ary é claramente um Sampadiu musical – ideologicamente, conceptualmente e musicalmente.

…quando o amor é maior do que o tempo

O músico que defende que o amor dura mais do que o tempo, só poderia criar uma pequena ilha, onde cabe musicalidade descomprometida. Ary, qual criança, guarda os poemas-imagem que foi criando. Se no disco há músicas compostas há poucos anos atrás, outras há que perduram por mais de década e que foram agora propostas. Tudo o que é feito de forma cuidada e com doses de paixão inerentes, tem maior probabilidade de ser “transversal ao tempo”. Ary assim o fez: os temas perduram. Porque na verdade, como nos diz Ary,” Amor é maior di ki temp”.

…quando a naturalidade se mistura à simplicidade

A naturalidade é outra característica essencial das estórias contadas e cantadas de Kueka. Quando as ouvimos, parece que são situações que já também experimentamos, mas não soubemos dar-lhes nome. Ary fá-lo sem esforço nem requinte. Real(mente) precioso. Só temos de ouvir e sentir. A simplicidade torna o disco sensorial.

Em suma, Ary é claramente mensagem, voz e violão. Neste formato, todo o orgânico que nele mora, explode num processo de entrega e celebração em palco, que poderá ser o de um anfiteatro ou um a pedra num campo, rodeado de amigos. Salas certamente virão e outros países o acolherão. E quando percorrer mundo, voltará para fechar tours no seu “habitat” maior – o Atelier Bar, na ilha de Santo Antão.

Ary mistura Cabo-verdianos e Cabo Verde com o mundo.

Uma certeza: Ary é mundo firme. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1021 de 23 de Junho de 2021.

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,27 jun 2021 9:10

Editado porDulcina Mendes  em  28 jun 2021 14:16

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