Como continuas presente meu mestre Cê

PorPaulo Lobo Linhares,24 jan 2022 8:00

​Não me lembro de mim sem Caetano Veloso. Desde que a música, sussurrou-me baixinho que tinha nela uma companheira de sempre, lembro-me de ter Caetano Veloso sempre presente.

Naturalmente que primeiro nos discos dos meus pais, depois ia ouvindo nas novelas que íamos espreitando quando crianças, no tempo em que as bandas sonoras das mesmas eram elevadíssimas selecções de música brasileira, como a “Tieta do Agreste”, ou o “Bem-Amado” onde o mestre Vinícius ou Toquinho musicavam as estórias….

Mais tarde, obviamente veio a pesquisa profunda de Caetano, e o perceber o quanto ele foi importante na música do Brasil, não só com o Tropicalismo, mas também com a quantidade de músicos que abençoou, com as bandas de gente mais nova que ia escolhendo para acompanha-lo …enfim, por ser mestre e pensador descomprometido.

Lembro-me de quando tive a real noção do que era o disco “Transa” ou da primeira vez que ele meteu assumidamente os sons da Bahia no álbum “Livro”, no disco que gravou ao vivo com o também mestre Chico Buarque ou do seu primeiro disco “Domingo” com Gal Costa…ainda a respirar o tropicalismo… de todos os discos dele, dos livros, da sua “insitaSon” à liberdade…e da fotografia que tirei com ele depois de um espetáculo…confesso que transpirei…

E assim Caetano foi seguindo, fomos seguindo e com o tempo é fascinante ver alguém que continua a produzir, tendo agora lançado o seu mais recente disco: Meu Côco…

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Começo pelas entrevistas que fui ouvindo relativas à saída do disco - é impressionante como o tempo passa por Caetano e ele tem sempre a capacidade de falar-o-momento-presente, de forma simples, mas cada vez com mais sabedoria.

Os vídeos e a capacidade de movimentos corporais e imagética que quase vão complementando o que Caetano nos passa são emocionantes. Na verdade, quase volto para o Tropicalismo de “Domingo” e discos ainda de 70, mas com batidas do “Livro” ou de “Noites do Norte”, porém sambado, logo no tema principal: o “Meu Côco” que abre o disco.

Procuro palavras para defini-lo e aparece-me instigante, continuo …

Continuemos então neste disco que confesso ter valido sobretudo por ver que o mestre está (em)pleno e total(mente) grande.

Apesar de ter ido repescar temas dele, mas que já tinham sido interpretados por Maria Bethania no álbum “Maria” …” Essa noite de cristal” e a música “Pardo” cedido à cantora Céu, tornou-as dele (de novo). Aliás, uma das questões que confesso ainda não ter percebido a intenção (será necessário?) é a de Caetano juntar no disco tanta referência a outros músicos: Pixinguinha, Milton Nascimento, Jorge Benjor como em “Gilgal” que roça os ritmos do Candomblé nas ondas de um grande compositor que descobri agora: “Mateus Aleluia”. Na verdade, o tema “Meu Côco”, dedicada a Mautner, é recheado de nomes da música brasileira, parecendo que Caetano convida todos para que espiritualmente estivessem com ele. Uma sala de visitas onde as paredes são de música. Deve vir do tal “Caetanear”.

O disco vai das estórias de Caetano às mestrias das mensagens (em)directas políticas. Em “Enzo Gabriel” é de louvar uma mistura de mensagem e esperança(?) para as gerações vindouras…linda, do vídeo ao acordeão que passeia pelo tema, para em “Anjos Trochos” chamar as guitarras “da geração dos filhos” – que repito ser uma das grande vitórias de Caetano (não reúne consenso) nas inovações sonoras que o vão marcando no último terço da carreira Notável o companheiro que já com Caetano actuou mais vezes das cordas de Morelembaum presentes em alguns temas e do grandioso Hamilton de Holanda em “Você-você” onde participa também a fadista Carminho. Há muito mais por ouvir….

E assim Caetano viaja, ou melhor, tem a capacidade de viajar porque ainda tem a lucidez e a capacidade pura de o fazer…gravando o disco em estúdio próprio, com músicos muito novos, participações várias, presentes e citadas…

Caetano continua presente e coerente, pensando música e propondo estados e emoções.

Com 80 anos, a viagem continua ainda na mesma velocidade-qualidade de cruzeiro que começou “Num Domingo à Tarde”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1051 de 19 de Janeiro de 2022. 

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,24 jan 2022 8:00

Editado porAndre Amaral  em  25 jan 2022 7:45

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