Num abraço

PorCarla Correia,14 fev 2022 10:17

Um abraço, foi tudo. Um abraço espontâneo e inesperado, em que me invadiste com a tua ternura. Dizem que o amor brota assim, das coisas pequenas e simples, como uma pequena semente que se atira ao chão.

Um abraço e eu encontrei-me ali, enredada naquele pedacinho de infinito, num momento em que o tempo se parece ter enrolado, deixando-me vislumbrar brevemente presente e futuro. Vi um pouco de tudo, sabes, momentos bons, de uma felicidade leve, e outros, difíceis e pesados. E o universo que parecia perguntar-me, vale a pena? “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Quem sou eu para contrariar um poeta? Por isso abracei-te também, e mal sabia eu, mal sabíamos nós, que aquele momento tecia já laços invisíveis que nos uniam, entre nós, apesar de nós, tatuados por baixo da nossa pele.

A vida continua apesar destes momentos. O tempo, inflexível, ditava a tua hora de partir e saíste a correr, olhando para trás e acenando, também tu não querias ir. Eu fiquei naquele assombro, sem saber o que pensar, incapaz de decidir para onde ir a seguir, que caminho haveria que não me levasse de novo ao abrigo do teu abraço? Os meus pés começaram a mover-se, primeiro um e depois outro, criando passos na direção em que partiras, num desejo absurdo que voltasses para trás, porque se voltasses, ah, se voltasses, me encontrarias à espera.

E no entanto, as únicas certezas que temos são que tudo muda e tudo acaba, tantas vezes uma em razão da outra. Tudo muda porque acaba, tudo acaba porque muda, ou pior, porque não muda o suficiente. Foi assim também connosco, coisas da vida que não mudou que baste. Mas no intervalo, lembro-me de momentos em que as coisas eram leves, quentes, sabinhas.

Lembro-me porque, apesar de o tempo ser implacável na sua passagem, por vezes parece que se desdobra em espiral, e há momentos que se tocam e se mantêm perto de nós, ou será a nossa memória que regista um tempo diferente para os momentos mais marcantes, não sei. Ou serão os dias que se confundem por serem tão iguais. Como se tivessem sido ainda ontem, ainda esta manhã.

Parece-me que foi ontem que fui ter contigo à pensão onde te alojavas, estavas em trabalho e eu de férias no Mindelo, mas a tua equipa era descontraída e convidaste-me a acompanhar-vos, fui ter contigo nesse dia e em todos os seguintes enquanto lá estiveste. Quem não ficou contente com a minha presença diária foi a rapariga da receção, parece que tinha engraçado contigo e chegou a dizer-te “paquê bo ta anda pa tras dess mnininha se bo teme li?”. Não faço ideia do que lhe respondeste, essa parte não me contaste, aposto que te riste, eu também teria achado graça, prop trivida, tentou a sua sorte, mas naquele momento ainda tudo era novo para nós e não deixava espaço para a concorrência.

Levavas-me para todo o lado e houve um dia em que me levaste para a Baía, era altura do Festival e lembro-me de comprares umas bebidas e de estarmos no meio da multidão, da confusão, do barulho. Pegaste-me pela mão e disseste que íamos ver o mar. Andámos imenso, todo aquele ruído começou a ficar distante e o som do mar cada vez mais presente, parecia estar mesmo à nossa frente, mas por mais que andássemos não o chegámos a ver. Finalmente sentámo-nos num pequeno muro pelo que pareceu uma imensidão de tempo, ali apenas de mãos dadas, e apesar de algumas pessoas irem passando e nos lançarem cumprimentos, aquele espaço parecia longe de tudo, quase paralelo a tudo, e pertencia-nos só a nós. Um mundo novo criado ali, entrelaçado como os dedos das nossas mãos.

Regressámos e entregaste-me à porta de casa. Pouco tempo depois, partias. A inevitabilidade da tua partida foi sempre uma sombra que viveu entre nós. És como uma brisa quente, tu, que chega, envolve-nos, aquece e depois parte.

E não sei se é o tempo que nos prega partidas ou se é a vida, mas sempre que olho para ti, sei que há mais uma constante que é o amor. Por mais começos e partidas, mudanças e finais por que passe, um amor que alguma vez foi, ainda é e será sempre. Continua a ser, ainda que se transforme, ainda que mude de nome para amizade, ternura ou simplesmente afeto. Fica ali para sempre, tatuado num abraço debaixo da pele. E saber aceitar que assim é devolve-nos a leveza e a capacidade de piscar os olhos ao futuro.

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Autoria:Carla Correia,14 fev 2022 10:17

Editado porAndre Amaral  em  14 fev 2022 14:34

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