O Carnaval tem gerado alguma economia, sobretudo na ilha de São Vicente, onde esta manifestação cultural tem mais peso. Mas não vamos esquecer das lojas que vendem tecidos e acessórios para os grupos, nem os trabalhadores que conseguem algum rendimento com esta manifestação cultural. O Expresso das Ilhas foi saber junto de alguns grupos carnavalescos o que significa dois anos sem desfile. Os representantes dos grupos carnavalescos entrevistados, nas cidades da Praia e do Mindelo dizem-se tristes com esses dois anos parados, mas, por outro lado, entendem que as medidas para conter a pandemia são necessárias para que o país volte à normalidade.
O presidente do grupo carnavalesco Estrelas do Mar (São Vicente), Fernando Fonseca, disse que dois anos sem Carnaval é algo que o deixa muito triste, mas reconhece que a situação não permite a realização de eventos que promovam aglomeração de pessoas. “Temos que conter e fazer de tudo para que no próximo ano façamos o melhor para compensar estes dois anos que ficamos parados”.
Jailson Juff, do Cruzeiros do Norte (São Vicente), asseverou que foi com grande tristeza que receberam o anúncio de que este ano não haveria Carnaval. “Recebemos a notícia que este ano não teremos Carnaval e foi com grande tristeza. Já estávamos a preparar para começarmos o trabalho de estaleiro. E é com grande tristeza que vamos passar sem o Carnaval”.
Para o presidente do grupo Vindos d’África (Praia), José Gomes (Breu), dois anos sem Carnaval é muito para aqueles que gostam desta manifestação cultural. “É o dia que exteriorizamos toda a nossa fantasia e saburra, e quando não temos este dia para podermos expressar é como se estivéssemos num mundo sem ninguém, ainda mais dois anos seguidos é muito para aqueles que gostam do Carnaval como crianças, jovens adultos”.
Amélia Monteiro, do grupo Vindos do Mar (Praia) considera que estão a sentir um vazio com essa paragem de dois anos, pois “o Carnaval traz grande benefício para Cabo Verde. Em primeiro lugar, o Carnaval gera emprego, movimenta pessoas e traz turistas de várias partes do mundo. Por isso estamos a sentir-nos um pouco isolados sem o Carnaval”.
Para o Presidente da LIGOC-SV, Marco Bento, dois anos sem Carnaval não é bom para os grupos, para as pessoas que trabalham com os grupos e nem para a economia da ilha. “O Carnaval é uma indústria, temos essa noção que movimenta a economia da ilha. Em relação aos fazedores do Carnaval estamos a trabalhar com o Ministério da Cultura para vermos se conseguimos mitigar a falta da receita que vinha para os fazedores, mas a nível da economia vamos ter que adaptar e esperar, e no próximo ano espero que tudo volte ao normal”.
Investimentos
Fernando Fonseca diz que ainda não tinham feito nenhum investimento, mas que o enredo já estava pronto e a música praticamente concluída. E as pessoas para participar no desfile já estavam completas. “Fizemos muito movimento para nos prepararmos para este ano, mas tendo em conta que não haverá Carnaval este ano, vamos deixar para o próximo ano tudo o que tínhamos preparado para este ano”.
Já o Cruzeiros do Norte tinha feito algum investimento, mas Jailson Juff não considera que com isso o grupo fique com algum prejuízo, mas sim com trabalhos avançados.
O presidente dos Cruzeiros do Norte mostrou-se preocupado com as pessoas que trabalham no Carnaval que estão há um ano e tal sem trabalho, para garantir algum sustento. “Vamos ter problemas, mas é com os trabalhadores que estavam com esperança que este ano estariam a trabalhar para garantir algum sustento, porque com a pandemia não tiveram trabalho”.
Com a expectativa de que este ano haveria Carnaval, Vindos d’África, conforme explica José Gomes, já tinha feito algum investimento e tinha o tema preparado para o desfile. “Já tínhamos começado a montar algumas peças, mas com o anúncio da suspensão do Carnaval tivemos que guardar tudo, e esperar até que as coisas voltem à normalidade”.
Este ano, o grupo Vindos do Mar já estava a preparar algumas coisas para o Carnaval, “em primeiro lugar já estávamos a preparar o tema com que íamos desfilar na Avenida, porque tínhamos aquela parte principal que é tema, para desenvolver o nosso trabalho. Com a suspensão do Carnaval anunciada pelo Governo tivemos que parar, mas pensamos que a Câmara Municipal da Praia pode fazer outras coisas para não ficarmos sem fazer nada. Podemos não realizar o desfile oficial, mas vamos fazer outras coisas para compensar esta paragem”.
Retoma
O Presidente do Estrelas do Mar afirma que não terão dificuldade na retoma do Carnaval, até porque o grupo tem estado a fazer o seu trabalho e que depois de dois anos parado, o pessoal estará com ânsia de participar no Carnaval.
“Acho que não teremos dificuldades na retoma. Toda a gente sabe que tivemos essa paragem, agora temos que ambicionar estar num patamar para compensar as entidades e empresas que costumavam colaborar connosco. Acho que não teremos dificuldades na retoma. Se tudo melhorar não teremos dificuldade, mas temos que fazer o nosso trabalho também”.
Já para Jailson Juff com essas paragens a retomada será difícil. “Já tínhamos um projecto que era para encontrar algum lugar onde podíamos fazer um desfile de Carnaval, um lugar fechado, claro que não será um desfile igual à da Rua de Lisboa, mas um sítio menor, mas infelizmente, o governo não autorizou e não vejo a possibilidade de acontecer o Carnaval em 2023, porque a qualquer momento podemos ter outra variante”.
José Gomes diz que está preocupado com a paragem, porque considera que pode trazer algum retrocesso para os grupos, por isso diz que está em sintonia com os agrupamentos neste sentido. “Isto porque o Carnaval da Praia já tinha dado um bom sinal de evolução, mas o meu maior receio é para não termos retrocesso. Com os dois anos de paragem o grupo começa a dispersar, e para aqueles que não têm sede própria não têm como se reunir com os seus elementos, então fica complicado se não há actividades para ajudar”.
“Estou em sintonia com os grupos para não termos retrocesso, aliás tivemos encontro com o director de Cultura da Câmara Municipal da Praia para ver o quê é possível fazer para não termos um recuo. Neste encontro abordamos temas como empoderamento dos grupos, a questão dos estaleiros, kits para os grupos terem algum fundo para 2023, oxalá tenhamos Carnaval na Praia, em 2023”, almeja.
Amélia Monteiro acredita que o grupo não terá dificuldades na retoma do Carnaval, porque “praticamente já temos aquela base, que nos ajuda a regressar assim que for possível. Acho que não teremos dificuldades na retoma”.
Marco Bento assegurou à nossa reportagem que não haverá dificuldades na retoma do Carnaval, “já estão delineadas, sabemos o quê que temos que fazer, os grupos têm que trabalhar em segurança. Se houver algum contratempo poderemos pedir mais apoios aos nossos parceiros: Câmara Municipal e Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas. De qualquer forma estamos muito atentos àquilo que está a acontecer e daqui a pouco o Ministério da Cultura e da Câmara Municipal vão disponibilizar alguma verba para que os grupos possam continuar a trabalhar de forma intensiva até ao próximo Carnaval”.
Financiamento do Governo
Para Estrelas do Mar, a verba será bem-recebida, e “espero que seja cumprida a promessa que irá garantir o nosso próximo Carnaval. Por isso temos estado a trabalhar para termos uma participação de alto nível no Carnaval de 2023”.
Jailson Juff espera que as instituições cumpram com as suas palavras, e que será uma grande ajuda para os trabalhadores e “a ideia é de formar os jovens na Cruz João Évora, para não desviarem para o mundo da droga e da prostituição. Queremos formar esses jovens para que possam ocupar os seus tempos livres. Estamos com o projecto pronto, só estamos a guardar financiamento”.
Amélia Monteiro diz que ficou contente ao saber que o Governo vai apoiar os grupos, mas pergunta quando é que esse financiamento será disponibilizado aos grupos, porque precisam desse apoio para realizar alguns trabalhos com os jovens do bairro.
O Presidente da LIGOC-SV afirma que esse financiamento do Governo é bom para os fazedores do Carnaval para que possam trabalhar num ambiente onde terão algum sustento. “Depois de dois anos sem Carnaval queremos voltar com algo que seja inédito ou em grande, para que as pessoas possam entender que o Carnaval ainda está vivo e que vamos continuar a fazê-lo”.
Outras actividades
José Gomes frisou que o Vindos d’África desde sua existência até hoje tem estado a fazer um trabalho social, não só no bairro Craveiro Lopes, mas também em outras comunidades, porque muitos elementos do grupo são oriundos de Eugénio Lima, Várzea e de quase todos os bairros da Cidade da Praia.
O grupo carnavalesco Vindos do Mar também tem estado a realizar algumas actividades no bairro de Achada Grande Frente como formação para jovens e adolescentes nas áreas da arte e reciclagem, durante todo esse tempo. “Tivemos encontro com o director da Cultura da Câmara Municipal da Praia que nos aconselhou a realizar actividades como Conversa Aberta e Oficina para que as nossas crianças possam aprender algumas coisas, principalmente nas áreas ligadas ao Carnaval”.
Jailson Juff lembra que o Cruzeiros do Norte não é só Carnaval, mas também um grupo recreativo, cultural e desportivo. “Fizemos um documentário onde limpamos todas as praias de mar e transformamos o lixo em trajes para fazer um desfile em Cruz João Évora. Temos estado a recolher materiais escolares para entregar aos alunos carenciados, vamos completar sete meses num projecto de alimentação para oferecer às pessoas carenciadas nas zonas de Cruz João Évora e Espia”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1056 de 23 de Fevereiro de 2022.