Batucadeiras precisam ser valorizadas em Cabo Verde, defende Bob Mascarenhas

PorDulcina Mendes,22 mai 2022 13:56

Cabo Verde tem, actualmente, vários grupos de batuque. Aliás, neste momento só não há grupos de batuque nas ilhas de São Vicente, Santo Antão, São Nicolau e Brava. Na diáspora há também grupos em Portugal, Holanda, França e Luxemburgo.  Em conversa com o Expresso das Ilhas, o músico e fundador da Fundação Batuku CV, Bob Mascarenhas, fala sobre a situação em que se encontram os grupos de batuque em Cabo Verde.

Bob Mascarenhas considera que as batucadeiras ainda não estão a ser valorizadas como merecem. “As Batucadeiras não são consideradas artistas. É um dos erros que nós cometemos, porque achamos que elas não são artistas. E eu considero as batucadeiras mais do que artistas, porque muitas coisas que elas fazem nós (artistas) não fazemos”, afirma.

Segundo explicou, as batucadeiras são as únicas que fazem cultura por amor. “Como costumo dizer, elas não fazem cultura por dinheiro, porque se fosse por dinheiro não tínhamos grupos de batuque. Se convidares um artista para actuar, a primeira coisa que dizem é “o meu cachê é X”, e tens que dar a esse artista estadia, alimentação e bilhete de passagem, mas as batucadeiras são diferentes. Quando são convidadas para algum evento, dizem “OK” e pedem só transporte, porque é algo que gostam e amam fazer, então já está na hora de valorizá-las”.

O músico critica também o cachet que as batucadeiras recebem pelas suas actuações. “As batucadeiras actuam cerca de 40 minutos e recebem 20 contos e quando dividem esse valor com os outros elementos dos grupos, isso não chega para nada. Sabendo que são grupos com um mínimo de 12 elementos. Há grupos que têm 16 elementos.”

Bob Mascarenhas conta que é isso que tem estado a acontecer, por falta de valorização e de sensibilidade de cada organizador de evento. “Se podes gastar com um artista cerca de mil contos, para o trazer para Cabo Verde, porque não dar a um grupo de batuque 100 ou 200 contos? Pelo menos esse dinheiro dá para alguma coisa”.

Por outro lado, reconheceu que as batucadeiras aceitam receber menos do que aquilo que merecem porque sozinhas não conseguem mudar essa situação. “Hoje em dia qualquer grupo de batuque pode viver das suas artes, se pararem para pensar e se organizarem são capazes de viver só dos seus trabalhos”.

O músico afirmou que os governantes e entidades têm complexos em assumir que o batuque é um património. “Podíamos introduzir o batuque dentro do turismo, porque faz parte. As nossas entidades têm um complexo forte em assumir isso, ou em apanhar um grupo de batuque e o levar a um qualquer país no momento em que vão assinar um protocolo. Porque não levar a tua cultura para outras paragens? Isso não têm estado a acontecer”.

“As câmaras municipais, os agentes culturais que temos em cada município, têm a mesma política: não consideram batuque um instrumento cultural ou de turismo. Há dias tínhamos um grupo de batuque `Mondon` no centro da cidade, e houve uma moldura [humana] e alegria dos turistas ao ver as batucadeiras, então eu pergunto porque é que que nós não as valorizamos”, questiona.

Conforme disse, as batucadeiras são usadas só no tempo das campanhas. Nessas alturas levam as batucadeiras para “aqui e acolá”, para fazer a festa. “Depois de ganharem as eleições tomam posse e elas são esquecidas, já não conhecem as batucadeiras. Se reparar, em todos os festivais que têm estado a acontecer não há nenhum grupo de batuques nos cartazes. Temos um grupo que ganhou um concurso de batuque a nível de Santiago, porque não convidá-las para os festivais? Ou então criar um festival de batuque dentro das festas do município”.

E pergunta, o porquê de não dar às batucadeiras o mesmo palco e som que os artistas, para que possam sentir-se valorizadas. “Isso não tem estado a acontecer. Temos um Ministério da Cultura que apoia o Carnaval, uma tradição que não é nossa, e é feita uma vez por ano, no montante de dez mil contos. Agora pergunto: quanto é que tens para o batuque?”

“Não sou contra o Carnaval, e nem contra nenhum estilo de música, mas quando dás um montante para um, deves dar para o outro também. Porquê não dar a cada grupo de batuque um montante, principalmente quando envolve mulheres, pois elas têm força e uma dinâmica muito forte?”, sublinha.

O músico afirmou que quando alguma entidade visita o nosso país, as batucadeiras são convidadas para actuar, numa lógica de poupança. “Porque querem poupar, convidam as batucadeiras para actuar”, frisou, dizendo que é uma luta muito forte e difícil que estão a ter. “Mas vamos chegar lá. As batucadeiras estão todas motivadas, e é isso que é importante e vamos atingir esse objectivo”, antevê.

Bob Mascarenhas lembrou que o Ministério da Cultura lançou um edital de 100 contos para a realização de actividades culturais, e critica: “esse montante não dá para realizar uma actividade cultural”.

“É triste, mas o batuque não vai morrer. Quem pensa que batuque vai morrer, pode esquecer, porque batuque não vai morrer. A força das batucadeiras também não vai morrer, cada vez mais estamos mais fortes. Hoje em dia, aonde fores vais encontrar um grupo de batuque”, indica.

Em relação, à actuação das batucadeiras no Quintal da Música, todas as semanas, Bob Mascarenhas disse que gostaria que esse restaurante recebesse, a cada semana, um grupo diferente e não sempre o mesmo grupo. “Mas, é política deles, não posso interferir. Batuque está na moda”.

Fundação Batuku CV

“Depois de conhecermos a realidade dos grupos, decidimos criar a fundação para ajudar essas mulheres a ter condições dignas como um qualquer artista. Também criamos a fundação, porque tem isenção na alfândega, para facilitar na retirada de muita ajuda que vem de fora”, explicou Bob Mascarenhas.

E frisou que através da fundação vão trabalhar com os grupos para que possam ter uma vida digna. “Então é neste sentido que criamos a fundação. Agora temos toda a burocracia que existe no país, porque para criar uma fundação tens que ter um certo montante, para poder sair no Boletim Oficial. Então estamos a lutar para ter esse fundo, para que a fundação saia no Boletim Oficial, e a partir daí tenho certeza que as batucadeiras vão ganhar muito com isso”.

Conforme o músico, a Fundação Batuku CV e projecto “Batuku Nós Alma” estão a trabalhar para que os grupos de batuque sejam valorizados. “Temos estado a dar aos grupos muitas formações acerca disso, e a falar com elas para que, quando são convidadas para qualquer actividade, digam que são artistas e apresentem o seu cachet. Caso contrário, que fiquem em casa”.

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“Estamos a trabalhar nesse sentido de falar com as batucadeiras e mostrar-lhes que têm potencialidades na valorização da nossa cultura, principalmente do batuque. As entidades já esqueceram que elas existem, mas as batucadeiras vão continuar a batalhar. É uma luta constante, não é fácil. Temos um povo ainda com aquele machismo dentro dele que não nos deixa desenvolver”, sublinha.

Para Bob Mascarenhas a valorização das batucadeiras é uma batalha difícil, mas acredita que vão vencer.

Projecto

Bob Mascarenhas contou que o projecto da fundação é ajudá-las a ter os seus próprios meios para ganhar dinheiro, para poderem sustentar os seus filhos. Para isso terão formação em várias áreas.

“Neste momento, estamos com um projecto que é `Pró-pesca`, que deverá arrancar em Porto Rincão e na Ribeira da Barca, onde as batucadeiras vivem praticamente do mar. Nessas comunidades, há muito desperdício de peixe, então, através dessa formação, os peixes não serão deitados ao mar ou no lixo”, salientou.

O músico frisou ainda que a fundação tem o objectivo de reactivar os grupos que estão inactivos. “No ano passado, durante três meses reactivamos cerca de 25 grupos. E não só reactivamos os grupos, mas demos-lhes uniformes e `tchabeta`, o seu instrumento musical. Ao todo já conseguimos vestir 45 grupos de batuque”.

Festival Internacional de Batuque

Bob Mascarenhas anunciou a intenção de realizar o Festival Internacional de Batuque, no dia 31 de Julho, Dia Nacional de Batuque, que irá juntar os grupos nacionais e da diáspora, num só palco.

Neste festival, que irá acontecer todos os anos por essa altura, vão realizar formações, workshops, exposição e homenagens às batucadeiras que já têm 30 anos no batuque. “É um conjunto de actividades que vamos realizar, tudo relacionado com o batuque.

É uma forma de criar um documentário sobre o batuque para que possamos chegar a um processo, para apresentarmos, para que o batuque seja um património imaterial”.

“A maioria das ilhas tem grupos de batuque, mas queremos ter grupos de batuque em todas as ilhas”, sublinha. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1068 de 18 de Maio de 2022.

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Autoria:Dulcina Mendes,22 mai 2022 13:56

Editado porSheilla Ribeiro  em  23 mai 2022 10:40

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