É minha intenção propor a quem ainda não o ouviu que se aproxime deste disco, consuma-o primeiro com os olhos, pois a capa é uma perfeita obra de arte. O olhar já nos convida à viagem disco dentro.
Confesso ser um dos quadros das paredes (e de mim próprio) de minha casa.
Já aqui tinha trazido o disco para contar como nasceu… e nunca será demais relembrar resumidamente como tudo se passou. Contudo, hoje tento aqui deixar a proposta para que todos o ouçam, pelo que este poderá causar em nós. Em momento em que o mundo precisa de beleza, usemos, pois, balões de oxigénio que, mesmo que pelo tempo de um disco, nos façam atingir estados marcantes do belo.
Conta-se que na altura, no ano de 1975, uma produtora alemã de 17 anos de idade resolve contratar um pianista já conceituado, para tocar na Opera House, na Colónia. Ousadia inocente e mágica de que ama a música.
Produção em alta, pormenores cuidados, e finalmente o famoso instrumento com o qual o pianista iria tocar um concerto algo improvisado. Fazendo um parêntesis e “contando” outra estória dentro desta, consta que o pianista antes do espetáculo faz questão de passear pelas cidades onde toca, para assim senti-las. Assim foi. Faz sentido sentir para depois fazer sentir.
A poucas horas do espetáculo, notou-se que o piano que tinha sido requisitado não era o que estava em palco. Já não havia tempo para trocar. A primeira reacção do pianista foi, obviamente, não fazer o espetáculo. Contudo, aconteceu. O pianista subiu ao palco e tocou…improvisou…num piano que não era o escolhido (mas talvez fosse esse o destinado). Não tenho a menor dúvida de que quando a música tem de acontecer, tudo se torna pequeno para a travar.
A casa estava cheia e o espetáculo foi um êxito. Foi gravado e ainda hoje (e sempre!) é um dos incontornáveis da história da música.
Obviamente que não poderia estar aqui a falar da parte técnica do músico (aliás, acredito que sejam poucos os que o possam fazer mundo fora), mas sim, da imensidão emocional que desde a primeira vez que o ouvi, nos anos 90, só foi crescendo.
Há liberdade no som que a obra traz. Há sonoridades que pertencem ao compositor, inclusive desafiando os próprios géneros musicais, talvez resultante do à vontade que o músico tem tanto no jazz como na música erudita? Fica inclusive aqui uma definição deliciosa de um jornalista francês, que sobre isso diz que o músico é um delicioso outsider do Jazz e da Música Erudita, por não se fixar em numa delas…será esse o segredo, fazendo-me aqui lembrar ao de leve Bob Mc Ferrin? Provavelmente.
Outro atrativo será certamente a conjugação em partes iguais da técnica com que o músico tocou e a mais profunda emoção impregnada no concerto que viria a dar-nos o disco. É um todo onde as notas e a própria respiração do músico se envolvem numa só dança.
24 de janeiro de 1975 foi data escolhida pelos deuses da música. Nasce um dos mais profundos estados de beleza musical - o Koln Concert de Keith Jarrett, um dos discos que, repito, não consigo descrever por ser tão sublime, e por isso não traduzível por palavras. Sim, choro, sorrio e deixo-me embebedar pela inexplicável beleza. Sinto a pequenina parcela que sobrou para mim quando o mestre se inspirou e partilhou o que sentia com o mundo.
Certamente para ouvir e sentirmo-nos privilegiados.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1082 de 24 de Agosto de 2022.