Ensino de Música nas escolas deveria ser obrigatório, defende Djick Oliveira

PorDulcina Mendes,11 set 2022 14:51

Num país de vários talentos faz todo o sentido haver escolas de música, para ensinar às crianças e aos adultos a base musical. Fomos ao encontro de algumas escolas de música para conhecer as suas ofertas formativas e objectivos. Sendo Agosto o mês em que muitas pessoas estão de férias, encontramos escolas fechadas. E fomos conversar com Henrique Oliveira, mais conhecido por Djick Oliveira que trabalha há 24 anos como professor de música.

Djick Oliveira, que tem a sua escola de música em sua casa e já deu aulas em alguns lugares, defende que Cabo Verde precisa de uma escola de música com quadros e professores formados.

Para este professor, ter um conservatório exige uma outra ambição e um outro tipo de necessidade. Assim, “por enquanto não precisamos de conservatório de música com grande avanço, precisamos de escola de música. Escola de música com quadros e professores formados, quer na área específica da música, no ensino e quer em termos de cultura geral”, especifica.

“Não ensinar a música pela música, mas a música como um caminho para o conhecimento. Música enquadrada na realidade do país, na história do país, como um caminho de conhecimento que solidifique a identidade cultural nacional, que particularmente hoje está sempre em perigo”, defende.

Conforme indicou, os países pequenos, como Cabo Verde, têm sempre a sua identidade em perigo, devido à força de aculturação actual e do poder das culturas dos países que têm recursos e meios técnicos para a quase imposição da sua visão do mundo, filosofia e da sua cultura. E, sublinhou, que para se manterem vivos precisam de preservar a identidade e não a descaracterizar, pois se a descaracteriza, perdem as raízes históricas. “E se perde as raízes históricas, perde a identidade e se perde a identidade, já não é ninguém”.

Ensino da música

Em relação ao ensino da música, Djick Oliveira conta que, pelo menos na sua escola, a procura tem sido boa, tendo em conta que há períodos em que o número de alunos é reduzido, mas sempre entram novos e há aqueles que se mantém por período mais longo na escola.

Djick Oliveira avança que ensina música tradicional cabo-verdiana, que é a “nossa música identitária”, e também um pouco da música brasileira, por ter uma presença constante na cultura musical cabo-verdiana.

“Ensino a cultura e a música cabo-verdiana. Depois de aprenderem, os alunos podem dedicar-se a qualquer género musical que quiserem. Em relação aos instrumentos, ensino violão cabo-verdiano, o estilo cabo-verdiano do violão, porque há uma forma própria com que o Brasil trabalha o violão, para a música brasileira”, explica.

Conforme revela, estudou e preparou o método, que foi apurando e tornando muito eficaz ao longo dos anos de aprendizagem da música cabo-verdiana e do estilo tradicional do violão cabo-verdiano. “Também toco outros instrumentos. Posso ensinar cavaquinho, bandolim, viola braguesa… os outros instrumentos não tem tido muita procura”.

Motivação

Os alunos mostram-se sempre muito interessados, pois a sua escola tem características muito próprias, onde não há exames, por não ser uma escola de carácter institucional.

“Descubro o interesse dos alunos e qual o tipo de motivação que poderia usar. Eles vão para a minha casa e estão num ambiente familiar, são meus amigos, vejo qual o interesse deles na aprendizagem e vou motivando-os. Primeiro começo com uma aprendizagem prática. Aliás, partimos da prática para a teoria, de uma aprendizagem de uma forma mais lenta para a forma mais rápida, em termos de desempenho, nos nossos géneros identitários (morna, coladeira, batuque, finaçon)”, assegura.

Objectivos

Henrique Oliveira começou a ensinar a música porque sentiu a necessidade de partilhar os seus conhecimentos sobre a cultura e a música cabo-verdiana. «Comecei há muitos anos e fui descobrindo e a realidade mostrou-me o que deveria fazer, em termos de programação e método, técnica de ensino e aprendizagem, e descobri uma grande carência na cultura geral. Particularmente na juventude, há uma grande carência de conhecimentos da nossa história e realidade do passado”.

Através da sua iniciativa descobriu, assim, que muitos alunos não têm conhecimento das ilhas e da história das ilhas, da cultura popular, de como é que são as festas religiosas nessas ilhas, do trabalho, da estrutura social, da dinâmica da própria ilha… “Historicamente há uma identidade nacional, mas também há uma identidade de ilha e há uma história específica de cada ilha. A história da ilha Brava não é igual à de São Vicente ou de Santiago”.

O professor de música acrescenta que cada ilha tem a sua história e o ensino da música exige o conhecimento, por parte do professor, quando ele entra nos conteúdos e textos das composições.

“O professor tem que ter uma sólida cultura geral, no que diz respeito à história de Cabo Verde e das ilhas, para poder programar a aprendizagem dos alunos. Os alunos conhecem nomes de alguns compositores e ficam-se pelos nomes. Da Brava falam sempre de Eugénio Tavares e a ilha das flores tem uma mão cheia de compositores que são, todos eles, poetas-compositores, inclusive com livros de poesia e de composições de mornas publicadas nos Estados Unidos da América. Para além de Eugénio Tavares, há João José Nunes, Wilson Nunes, Cristiano Pereira, e tantos outros que há na Brava”, cita.

A aprendizagem da música na sua escola obedece ao princípio do prazer, refere ainda. “Tematizo a história a partir da música, faço uma abordagem dos temas de uma forma sintética do ponto de vista musical. Por exemplo, a imigração, historicamente faço uma abordagem de como o tema foi trabalhado pelo os nossos romancistas, poetas e compositores e esse tema vai percorrer ilha a ilha, através dos representantes mais autênticos nessas diversas áreas da história, literatura. Então, o aluno fica a conhecer Cabo Verde, a cultura cabo-verdiana, a história de Cabo Verde, os seus representantes, de acordo com as épocas, caso contrário ficam no estado de ignorância”.

Música nas escolas

Henrique Oliveira recorda que no seu tempo de estudante, se ensinava música nas escolas. Era inclusive obrigatório. “Era obrigatório a música e o canto coral. A música e as aulas de religião e moral eram dadas por um padre. A música fazia parte da educação da sensibilidade do adolescente e da educação da cultura do ponto de vista cultural”.

“Depois da independência deixou de haver aulas de música nas escolas, ou porque secundarizaram esta disciplina ou por falta de professores. Deixou de haver aulas de música e com a separação da igreja do Estado deixou de haver religião e moral”, frisa.

Nestas duas áreas, sublinha, ficou um buraco, do ponto de vista da educação da sensibilidade dos adolescentes, da sua cultura musical e do ponto de vista da sua formação ético-moral que é fundamental. “Hoje só fazemos nos liceus a transmissão de conhecimentos. Isto é, só se cuida da parte intelectual da educação e caiu no esquecimento a vertente que é fundamental que é a formação ético-moral, e não é qualquer um que pode ser professor de ético-moral. Por alguma razão era dada por um padre”.

Por isso defende que se deveria continuar a formação musical e em específico a formação ético-moral dos alunos. “Do ponto de vista religioso seria importante a educação religiosa dos alunos. É claro, teríamos de nos sintonizar com os tempos de hoje, poderia ser uma disciplina de opção, no que diz respeito à formação religiosa. Se os alunos que não quisessem ou os pais que não quisessem não frequentavam”.

“Os que quisessem, frequentavam e, tal como no meu tempo, as notas não seriam quantitativas, mas sim qualitativas. Dependendo do desempenho há a respectiva avaliação. A nota deveria sair também na pauta, no nível de desempenho nestas áreas. Teria de ser de opção, devido à separação do Estado e qualquer confissão religiosa. Já a música deveria ter um carácter obrigatório”, assegura.

Música cabo-verdiana

Questionado sobre como vê a música cabo-verdiana, Henrique Oliveira disse que actualmente o panorama musical é muito eclético, uma espécie de prato de “djagacida”, com muitos elementos e componentes, o que considera inevitável, porque “Cabo Verde sempre foi um país de aculturação, por isso no panorama musical tradicional temos o concurso de vários géneros musicais”.

“Quando era aluno no liceu em São Vicente, juntamente com o Chico Serra e o irmão dele, fundámos um grupo musical que se chamava `Os Mindless`”, porque na altura, nos anos 60, os Beatles dominavam o panorama musical. Tocavam morna, coladeira, “mas também o rock da época, música dos Beatles e outros géneros musicais do mundo, por uma questão de aculturação. Cabo Verde sempre foi um país de aculturação”, conta.

Hoje, com os meios modernos de informação e difusão, já não há fronteira entre os países. “Os meios modernos e a tecnologia de informação e difusão da informação da cultura ultrapassam todas as fronteiras, vemos que para além da música identitária, particularmente a juventude dedica-se à assimilação e ao cultivo dos géneros musicais estranhos”.

Desde modo, a influência dos géneros de fora na nossa música é inevitável, porque estamos no século XXI e Cabo Verde sempre foi um país aberto ao mundo, “mas a juventude não deve nunca perder de vista os géneros identitários. É fundamental aprender a cultivar os géneros identitários da nossa música, e também dedicar-se aos géneros que quiserem”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1084 de 7 de Setembro de 2022.

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Autoria:Dulcina Mendes,11 set 2022 14:51

Editado porSheilla Ribeiro  em  12 set 2022 9:43

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