José Luiz Tavares vence bolsa de residência literária em Portugal e manda recados a Cabo Verde

PorExpresso das Ilhas, Inforpress,16 out 2022 15:45

"Em quase sete anos deste ministro houve editais para tudo: renda, casca de coco, chifres, carapaça de tartaruga, batucadas, petiscadas, passeatas. Para o livro, nada, zero"
"Em quase sete anos deste ministro houve editais para tudo: renda, casca de coco, chifres, carapaça de tartaruga, batucadas, petiscadas, passeatas. Para o livro, nada, zero"

O poeta cabo-verdiano foi seleccionado para a primeira edição das Bolsas de Residência Literária Eça de Queiroz que tem por objectivo promover a produção literária em língua portuguesa.

“São políticas culturais como essas que não se vêem em Cabo Verde”, onde o “investimento no livro e no apoio à criação literária têm sido nulos”, disse José Luiz Tavares à Inforpress, numa primeira reacção à bolsa que lhe foi atribuída.

“Repare que em quase sete anos deste ministro houve editais para tudo: renda, casca de coco, chifres, carapaça de tartaruga, batucadas, petiscadas, passeatas. Para o livro, nada, zero. Só a megalómana e fracassada morabeza que, infelizmente, gente com responsabilidade aceitou integrar, quando a sua recusa seria altamente salutar, pois teria matado a fanfarrona iniciativa à nascença”, criticou, adiantando que investimento que é feito no artesanato não é feito no livro.

“Note-se o fausto da remodelação do CNAD [Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design] e a Biblioteca Nacional a cair aos pedaços. Só num país culturalmente atrofiado é que o artesanato é colocado antes ou acima do livro, e, contudo, temos esses escribas acocorados debaixo da mesa do poder, sempre prontos a aceitar as suas pobres migalhas”, sublinhou.

O poeta fez referência ao “propalado festival de literatura que acontece por estes dias na Praia”, considerando que o título da iniciativa – festival – “é indicativo de que para o patrão da cultura, o ministro da pasta mais dirigista e estatizante que conheço em 47 anos, de que o que conta para ele é a farra, e não algo de substancial, que permaneça e se constitua como gérmen de obras novas”, disse o poeta.

“Respeitando a liberdade do meu amigo Germano Almeida de ir a onde lhe apetecer, não entendo como é que ele, que tem criticado, e bem, a ausência de políticas públicas para o livro e a literatura aceite integrar esses eventos, esses fogos-fátuo mediáticos que visam esconder o nulo investimento no livro e na criação literária”, referiu ainda José Luiz Tavares.

Também em relação ao cancelamento de iniciativas que o poeta considera “ocas” por escritores com responsabilidades, Tavares reiterou que a “morabeza teria morrido à nascença se alguns não tivessem voltado com a palavra atrás, aceitando participar na coisa, quando lhe tinham garantido que não iriam”.

“O Arménio Vieira participou porque foi ludibriado por alguém em quem confia”, referiu, indicando que na homenagem feita ao Oswaldo Osório, o poder “de novo se utiliza impudicamente a sua provecta figura para caucionar iniciativas que nada de substancial vão produzir”.

“Homenagear Oswaldo Osório seria publicar um volume com a sua poesia completa, com estudos introdutórios, etc. A Biblioteca Nacional fez isso? Não, porque isso custa tempo e dinheiro e não rende dividendos mediáticos”, vincou.

Sobre o diálogo com novos escritores, Tavares disse que não vê “nenhum novo” na literatura cabo-verdiana. “Não é porque aparecem meninos e meninas sedentas de palco, que publicaram livrinhos toscos e irrelevantes, que eles são novos. Novos são aqueles que produzem obras relevantes que acrescentam o nosso património literário, que alargam as fronteiras da linguagem e, concomitantemente, do humano”, concluiu.

José Luiz Tavares, 55 anos, autor de vários livros de poesia como “Agreste Matéria Mundo” (2004), “Lisbon Blues seguido de Desarmonia” (2008), “Cabotagem & Ressaca” (2008), “Cidade do Mais antigo Nome” (2009), “Coração de lava” (2014), “Contrabando de Cinzas” (2016), “Polaróides de Distintos Naufrágios” (2017) e “Rua Antes do Céu” (2017), foi escolhido por um júri que avaliou 206 candidaturas admitidas a concurso, de acordo com critérios como o domínio da linguagem artística, a qualidade cultural e artística do projecto, a adequação da proposta à durabilidade da bolsa, e a formação e competência reveladas nos trabalhos já realizados (publicados ou não).

A bolsa consiste na estadia durante um mês em Tormes, concelho de Baião, local idílico com larga tradição literária que inspirou Eça de Queiroz a escrever “A Cidade e as Serras”, contando os residentes com todas as despesas pagas, bem como honorários no valor de 1330€, e ficam alojados numa casa autónoma, com todas as condições para terem tempo e sossego para escrever.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Inforpress,16 out 2022 15:45

Editado porJorge Montezinho  em  17 out 2022 8:29

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