Depois da primeira fase de prospecção em 2012 e de trabalhos nos finais de 2018, regressaram as escavações arqueológicas na Baía do Alcatrazes, no concelho de São Domingos, em parceria com arqueólogos da Universidade de Cambridge.
"Estamos escavando a cidade perdida de Alcatrazes, que descobrimos em 2012, sempre se soube que a segunda capitania portuguesa ficava algures por aqui, muito por causa da igreja. Aqui há uma bela igreja gótica na colina. Havia um muro defensivo em frente ao outro lado da baía", começou por descrever à Lusa Christopher Evans, arqueólogo da Universidade de Cambridge, que liderou a equipa de trabalhos, que aconteceram entre 01 e 11 de Novembro.
De acordo com o mesmo investigador, já foram descobertos seis edifícios no local histórico, onde os portugueses tiveram uma presença por apenas cerca de 50 anos, de 1475 a 1525.
"E isso significa que há dois aspectos que o tornam interessante. Uma delas é que é muito importante em termos de artefactos, cerâmica, metais, todo o tipo de coisa que encontramos porque é um período de tempo muito curto e isso é importante. Isso também significa que o local não é muito complicado", explicou.
Localizada na parte oriental da ilha de Santiago, a cerca de 30 quilómetros do centro da cidade da Praia, Alcatrazes terá sido, segundo os historiadores, a segunda povoação de Cabo Verde, desenvolvida em 1462, ao mesmo tempo que Ribeira Grande de Santiago que é hoje património da Humanidade, mas foi abandonada meio século depois devido à aridez do local.
As escavações acontecem a cerca de 200 metros da igreja católica, gótica, de Nossa Senhora da Luz, datada de 1480, que será a segunda mais antiga da África subsaariana, depois da Cidade Velha, e que foi totalmente reabilitada em 2020, e onde durante as escavações também foram feitas várias descobertas sobre a fase de ocupação da baía, actualmente com alguns aglomerados populacionais nas imediações.
"Também encontrámos vários outros sítios, mais acima no vale há capelas que se relacionam claramente com os portugueses, as duas capelas principais", precisou o arqueólogo inglês, que constatou que outro aspecto "bastante importante" é que quando os portugueses deixaram o local, nem toda a gente se foi embora.
"É o sentido de uma espécie de híbrido, a mistura entre o estilo português das coisas e depois a influência africana e também o desenvolvimento local. Então, especialmente para a cerâmica, é muito importante", salientou.
Os arqueólogos encontraram ainda, a cerca de meio quilómetro da igreja, um edifício de plantação que se tornou um edifício "luso-africano", evidenciando mais influência local. "Acho que para fins de educação, pode ser muito importante".
Terminada esta fase na sexta-feira, o arqueólogo inglês mostrou-se disponível para futuramente realizar mais trabalhos com os colegas cabo-verdianos, mas vai alertando para os riscos no local, nomeadamente a agricultura, praticada de forma intensiva.
"Então tem que ser protegido e ter a certeza de que as pessoas não estão cultivando em áreas de arqueologia. Nós ainda precisamos de fazer mais reconhecimento. Não temos certeza de que encontramos toda a cidade, então gostaríamos de investigar mais", disse.
A directora dos Monumentos e Sítios do Instituto do Património Cultural (IPC), Sandra Mascarenhas, que está a coordenar o projecto, disse à Lusa que o objectivo é ir mais além, estando também ambientalistas a participar nas escavações, para conhecer a vegetação.
Além das edificações, tanto de ocupação portuguesa como africana, a directora disse que o processo está a ajudar os investigadores a conhecer um pouco da história da cerâmica e da olaria de Cabo Verde, a partir de fragmentos e vestígios encontrados, sobretudo na parte africana.
"A ideia é darmos um 'up', vamos recolher alguns vestígios para serem estudados, e no futuro podermos partir para a musealização 'in situ' dessas duas partes", traçou Sandra Mascarenhas, dizendo que essa preservação será semelhante à que está a ser feita na Igreja Nossa Senhora da Conceição, na Cidade Velha, tornando-se um centro interpretativo e um museu a céu aberto.
"Não se vai reconstituir o que lá existia antes, mas vamos musealizar, explicar, dar a conhecer a história de cada uma das peças que lá se encontram e torná-lo um circuito visitável", disse, acrescentando que se trata de um "trabalho minucioso", que provavelmente vai exigir o regresso ao país dos arqueólogos ingleses.
"Porque é preciso estudar todos os fragmentos, tudo o que se encontra, para podermos ter a noção do que é que se vai musealizar", prosseguiu, indicando que depois disso será preciso também arranjar financiamentos, a nível nacional e internacional.
A ideia, frisou a directora, é não perder os vestígios encontrados até agora. "Porque cada vez que nós fazemos escavações depois para-se, depois quando se retoma há outros vestígios, outros componentes que vão se agregando ao sítio, que depois é preciso descartar, para podermos ir mais a fundo".
Com a conclusão dos trabalhos, a directora dos Monumentos e Sítios considerou que Alcatraz poderá trazer "alguma luz" sobre a história de Cabo Verde, desde a ocupação ao povoamento das ilhas e também as razões por que foi abandonado pelos portugueses.
"Penso que o estudo disto tudo pode nos levar de alguma forma a entender essa história, entender Alcatrazes e trazer Alcatrazes para a história cabo-verdiana, porque tínhamos duas capitanias, Alcatraz e Cidade Velha, hoje património mundial, Alcatrazes ainda permanece atrás, exactamente por todo esse enigma à volta do sítio", comparou.
Outro aspecto que o IPC não quer descurar é de dar a conhecer à população os achados que têm sido feitos no conjunto histórico e arqueológico de Alcatrazes e também sensibilizar sobre a sua importância para a dinâmica socioeconómica da localidade, quanto mais não seja porque a Diocese de Santiago pretende construir um santuário mariano de Cabo Vede no local.
"E isto acaba por constituir um polo de atractividade para os próximos tempos", concluiu.