“A Colina Perfumada” de Abderrahmane Sissako em rodagem em Cabo Verde

PorSara Almeida,11 dez 2022 9:30

Abderrahmane Sissako e Kessen Tall, com Natasha Craveiro (ao centro), na chegada a Cabo Verde
Abderrahmane Sissako e Kessen Tall, com Natasha Craveiro (ao centro), na chegada a Cabo Verde

O conceituado cineasta Abderrahmane Sissako está de passagem este mês por São Vicente e Santo Antão para rodar “A Colina Perfumada”. O novo filme, que sucede a “Timbuktu” (nomeado para o Óscar de melhor filme em língua estrangeira em 2015), conta com produção executiva em Cabo Verde de Natasha Craveiro, da Korikaxoru Films, Lda.

Se há um ponto de origem para o nascimento do projecto, será este, segundo o próprio Abderrahmane Sissako: um dia, em 2005, descobriu umrestaurante dirigido por um casal afro-chinês, em Bamako. O restaurante chamava-se La Colline Parfumée (A Colina Perfumada).

“Pareceu-me uma indicação do que poderia estar acontecendo entre esses dois continentes”, África e China, conta numa nota de apresentação.

A ideia ficou, “encontros em um mundo em movimento perpétuo”, foi acompanhando o cineasta, germinando.

“Precisava estabelecer este assunto como incontornável na minha jornada enquanto artista, e estou, agora, vivendo esse momento”, escreve.

Em 2007, fez o primeiro esboço de uma história de amor entre uma mulher africana e um imigrante chinês.

“Deixei-a crescer como a uma árvore que plantamos e cuidamos enquanto esperamos os primeiros frutos”.

Amadureceu, o projecto avançou e o filme está agora em fase de rodagem. As primeiras cenas já foram filmadas em Côte D’Ivoire. Seguem-se as filmagens em Cabo Verde e, depois, na China.

Encontros

“A vida é e só será feita de encontros”, escreve ainda Abderrahmane Sissako na sua nota-sinopse.

E foi um encontro relativamente casual em Cabo Verde que ditou, também, a relação entre o cineasta mauritano e a produtora cabo-verdiana Korikaxoru Films.

Em 2019, Abderrahmane Sissako veio fazer uma visita de location scouting a Cabo Verde, arquipélago de que lhe falavam os amigos franceses, inclusive um que cá viveu.

Chegou e dirigiu-se à Associação de Cinema e esta, por sua vez, contactou Natasha Craveiro e Yuri Ceuninck, da Korikaxoru Films.

“Ligaram para nós, fomos ter com ele, mostramos-lhe a ilha [de Santiago], promovemos encontros com outro pessoal da área, realizadores e outros…”, lembra hoje Natasha Craveiro. E, claro, conversaram.

Abderrahmane Sissako falou-lhes de “A colina perfumada” e a da Korikaxoru Films aconselhou-o a visitar São Vicente e Santo Antão, “o que ele fez nessa mesma viagem”.

A scouting deu frutos e parte do filme será então rodado nessas duas ilhas. Ao contrário de muitas produções, em que apenas é usada a paisagem, sem identificação do lugar, fiel aos princípios de fazer cinema de Abderrahmane Sissako, no filme Cabo Verde é mesmo Cabo Verde.

Segundo o script, o migrante chinês veio para cá, teve um caso amoroso com uma cabo-verdiana, que engravidou. Ele parte, e 17 anos depois volta para conhecer a filha”, revela Natasha Craveiro.

Desafio

A parte da produção executiva, no que diz respeito a Cabo Verde, estará a cargo de Natasha Craveiro.

Depois do referido encontro, em 2019, realizador e Produtora foram mantendo algum contacto. Este ano, Abderrahmane Sissako anunciou-lhes que o filme ia ser rodado e convidou-os a trabalhar com ele.

Uma oportunidade e um desafio que foi abraçado com entusiasmo pela Korikaxoru, de trabalharem com uma importante figura do cinema contemporâneo e que marca, também, a sua primeira produção em cinema de ficção.

“Para nós é como um sonho realizado. Já acompanhávamos o trabalho do Abderrahmane Sissako e só o termo-nos encontrado com ele foi já uma coincidência super feliz da vida. Imagine-se agora trabalhar com ele! É algo que não tem preço, por tudo o que vamos aprender e ver, e que vai ficar no nosso currículo. Não tem preço”, confessa Natasha Craveiro.

Desde o mês de Maio que começou esta relação de trabalho “mas ainda mais de aprendizagem” e agora vão arrancar as filmagens vão ter lugar no Mindelo, São Vicente, e na aldeia Fontainhas em Santo Antão.

Entretanto, sublinha Natasha Craveiro, a principal produtora do filme é a Dune VIsion, sedeada em Mauritânia cuja CEO é Kessen Tall, esposa de Sissako, que é também a guionista do filme.

Equipa multi-nacional

Entre actores e técnicos, a equipa de rodagem é verdadeiramente multi-nacional “há pessoas de Taiwan, da China, do Senegal, do Burkina Faso, França, da Côte d’Ivoire, …” entre outros locais. E, claro, de Cabo Verde.

“Abderrahmane Sissako tem este princípio: quando vem a um país, leva alguma coisa, que são as paisagens, etc., mas quer deixar alguma coisa em troca. Então os assistentes são todos cabo-verdianos. Ele quer deixar algum aprendizado”.

De fora está, assim, prevista a chegada de cerca de 30 pessoas, que se juntam a cerca de 20, cá. Um número que aumenta quando contabilizados os figurantes.

Muitos dos actores, como é recorrente nos filmes de Abderrahmane Sissako, são pessoas “comuns”, que nunca fizeram cinema. Foi então lançado um castings em Cabo Verde, abertos a todos, nos quais foram selecionados vários actores, inclusive entre a comunidade chinesa.

Esta semana, a equipa internacional já chegou a Cabo Verde, e as filmagem começam no dia 9 em Santo Antão. Estima-se que até 20 de Dezembro, a rodagem em Cabo Verde esteja terminada.

O projecto é 100% financiado por parceiros Africanos e Europeus.

Filmagens na Costa do Marfim

O lançamento das filmagens de “A Colina Pefurmada” aconteceu na Côte d’Ivoire, país de onde é, inclusive originária a actriz principal, Nina Mélo e onde a rodagem recebeu apoio institucional significativo.

No dia 1 de Dezembro, em Abidjan, o set contou com a visita de Patrick Achi, primeiro-ministro da Costa do Marfim que aproveitou o momento não só para mostrar apoio ao realizador e actores, como, num discurso mais geral, anunciar o apoio institucional do Estado ao desenvolvimento do sector.

“O desenvolvimento da indústria criativa no mundo, a sua natureza criadora de emprego e o seu potencial em África são as razões pelas quais o Estado está envolvido na evolução deste sector, através da estratégia do Presidente Alassane Ouattara para 2030 na Côte d’Ivoire “, disse Patrick Achi.

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Abderrahmane Sissako, por seu lado, explicou a escolha dos sets não só pela evolução do cinema na África Ocidental, mas também pelo facto de que: “Abidjan está a tornar-se a capital do cinema”.

“O cinema está a tornar-se cada vez mais importante aqui. Assim, fazer um filme aqui, com jovens marfinenses, é para mim, como cineasta africano, a minha forma de dar um contributo”, disse, citado em notícia oficial do governo ivoirense.

Paweł Pawlikowski

Falando ainda de Cabo Verde. As dificuldades de fazer cinema são, por demais, conhecidas em Cabo Verde. Os recursos são limitados, os fundos disponibilizados pelo Estado irrisórios, e não há investimento do privado até porque não há garantias do retorno.

Acima de tudo, e apesar de alguns avanços como a criação da NUNAC, “não existe uma indústria”, resume Natasha, e, portanto, não há uma economia em torno do cinema.

Também ainda não há – apesar de haver esforços nesse sentido, nomeadamente através dos festivais de cinema – uma divulgação efectiva e incentivos declarados do país como destino para a indústria cinematográfica.

Sobre todos os constrangimentos, porém, na verdade, verifica-se segundo Natasha Craveiro, um certo interesse e curiosidade dos cineastas internacionais por Cabo Verde.

“Há dias estive com o Paweł Pawlikowski. Fui com ele à Boa Vista, fazer os primeiros contactos, porque há cenas do seu próximo filme que ele quer filmar nessa ilha”. O filme que terá como protagonista o actor Joaquim Phoenix.

Pawlikowski, realizador polaco reconhecido internacionalmente será certamente mais um nome importante no roteiro cinematográfico nacional. Este cineasta, recorde-se, entre várias distinções, foi por duas vezes nomeado para o óscar de melhor filme em língua estrangeira. Venceu esse prémio em 2015, com “Ida” (coincidentemente, no mesmo ano em que “Timbuktu” estava também nomeado).

Para Natasha Craveiro esse interesse que se tem vindo a sentir por Cabo Verde, por parte de cineastas renomados, e não só, terá a ver com as “particularidades de cada ilha, a variedade enorme de cenários e por sermos ainda muito inexplorados”.

“Se tudo correr bem, Pawlikowski, vai voltar para fazer essas filmagens em Agosto do próximo ano. A Korikaxoru não vai ter a posição de produtora executiva, mas vamos estar [a trabalhar] com ele”, antecipa. 

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Abderrahmane Sissako

“La Colline Parfumée” é o filme sucedâneo do muito aclamado Timbuktu (2014), que conquistou diversos prémios, inclusive o César de Melhor Filme e Melhor Director. Foi também nomeado para Melhor Filme de Língua Estrangeira, tornando-se o primeiro filme mauritano a conseguir essa distinção. A obra foi inclusive apontada “pela imprensa americana como um dos filmes mais importantes do início do século XXI”, recorda a sua nota biográfica.

Com uma obra humanista e engagé, onde sobressai a urbe africana e a universalidade dos sentimentos e vivências por trás das realidades do continente, Abderrahmane Sissako é hoje um dos realizadores africanos mais reconhecidos.

Nasceu na Mauritânia em 1961, mas passou a infância no Mali, tendo seguido em 1983, para a União Soviética para estudar cinema na VGIK de Moscovo. De acordo com a sua nota biográfica, foi aí que fez as primeiras curtas-metragens: The Game (1989), que é também o seu filme de graduação e Outubro (1991), apresentado no Festival de Cannes em 1993 como parte de Un Certain Regard, em Cannes. No início dos anos 90, Abderrahmane Sissako mudou-se para a França, onde até hoje passa longos períodos. Em 1998 dirigiu La Vie sur Terre (Vida na Terra) e em 2002 viu mais um filme seu seleccionado para Un Certain Regard: Heremakono (Waiting for Happiness) que recebeu o Prémio da Crítica Internacional. Em 2006 apresentou Bamaki em Cannes, fora de competição. Voltou ao festival em 2014, com Timbuktu, já em competição. 

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Korikaxoru Films

A Korikaxoru, criada por Natasha Craveiro e Yuri Ceuninck há cerca de seis anos, nasceu durante a preparação de um projecto.

Face às dificuldades em conseguir fundos, tornou-se premente a necessidade de criar uma personalidade jurídica para concorrer a fundos, principalmente no exterior. Mas os projectos continuaram e a Korikaxoru também.

O seu portfolio foi ganhando um leque de documentários, muitos dos quais premiados. Destaque, por exemplo, para “The Master’s Plan” (realizado por Yuri Ceuninck) que venceu o prémio Outstanding Storyteller Award, no Durban FilmMart 2018, na África do Sul.

Entre os projectos mais recentes da Korikaxoru Films estão MAMA (realizado por Natasha Craveiro) e The New Man (Yuri Ceuninck), cujo projecto foi premiado no festival de cinema de Burkina Faso de 2020 e está neste momento em fase de pós-produção na Bélgica.

Com “A Colina Perfumada” a produtora faz agora a sua primeira incursão no cinema de ficção.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1097 de 7 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:Sara Almeida,11 dez 2022 9:30

Editado porJorge Montezinho  em  12 dez 2022 15:18

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