Um move em prol das danças urbanas

PorSara Almeida,7 jan 2023 9:20

Qualificação para o Freestyle Battle Zone - Santo Antão
Qualificação para o Freestyle Battle Zone - Santo Antão

Nasceu de uma paixão, mas também da constatação de uma enorme carência em Cabo Verde de projectos ligados às danças de rua. Talento há, vontade também, faltava essa promoção organizada para dar impulso a esta arte performativa. Criado pelo grupo Dope Move, o projecto Freestyle is the Future (FFCV) está a agitar o panorama levando os diferentes estilos a todos e juntando jovens em cyphers, battles e aulas, todos unidos pela paixão pela dança.

Darlene Soares sempre gostou de dançar. Desde menininha. “Saiu dançando”, como lhe conta a mãe. A certa altura, tornou-se mais do que um gosto, uma forma de comunicar.

“Comecei a ter algumas dificuldades na escola, por exemplo, em comunicar com os colegas. Então, eu comunicava com eles através da dança”, recorda. “A dança fez-me ser quem sou hoje”, resume.

A dança, porém, sempre foi algo que fazia de mote próprio, sem orientação. Via vídeos e ia aprendendo as coreografias.

Até este ano. Um cypher que aconteceu na sua zona, Achadinha, levou-a a um novo passo. A “Freestyle is the future” organizou aí uma battle “dois contra dois e eu fui da turma vencedora”, explica.

Depois da battle, os promotores convidaram-na a integrar a sua escola e desde então a jovem, de 18 anos, treina vários estilos de dança de rua no auditório Jorge Barbosa.

“Afro é a minha uma preferida”, confessa.

A paixão pela dança é algo que Nilton Duarte, 14 anos, partilha. Tudo teve início há cerca de 6 anos. Aliás, o pequeno dançarino lembra-se do momento exacto em que a dança entrou na sua vida. “Aos 8 anos vi na televisão um rapaz a dançar e apaixonei-me” pela dança. Começou a aprender sozinho em casa, com vídeos que tentava imitar. Mas queria aprender mais.

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“Eu já sabia dançar, mas queria saber mais, estar com outras pessoas que sabiam dançar”.

Então, ele e a sua mãe procuraram um lugar onde houvesse aulas de dança. E encontraram a escola do projecto Freestyle is the Future.

“Foi perfeito porque aqui aprendemos hip hop, krump, afro, enfim, todos os estilos de dança de que eu gosto”, conta o rapazinho.

O projecto

Tal como Darlene e Nilton, muitas outras crianças e jovens cabo-verdianos têm a dança por paixão, em particular as chamadas danças urbanas. Mas, apesar desse interesse, em Cabo Verde a oferta formativa, a conexão entre dançarinos de diferentes zonas e o reconhecimento dessa área é ainda pouco.

Foi com o objectivo de promover esse tipo de danças que surgiu em 2021 o Freestyle is the Future (FFCV), um projecto concebido pela equipa de dança Dope Moves.

Para perceber as origens é pois preciso falar da Dopes Moves, criada em 2015/16 no Porto (Portugal) por um grupo de três cabo-verdianos: Rogério “Roca” Rodrigues, Ruddy “Ruthless” Timas e Andreia “SAS” Semedo. O grupo começou a organizar eventos e a participar em outros, em vários pontos da Europa – Portugal, Polónia, Espanha, etc.

Quando chegaram, em 2021, Rogério e Ruddy tinham então na bagagem toda experiência com as aulas, workshops, cyphers e batalhas de dança – com destaque para o Freestyle Battle Zone, em 2020, no Porto – que trouxeram do Porto e que tencionavam, de alguma forma poder aplicar aqui.

Arrancaram com os Cyphers (círculos de dança em tradução livre) como os que realizavam no Porto, agora no Plateau e outros locais.

A ideia nem era ficar muito tempo. Rogério, por exemplo, tencionava seguir caminho para a Holanda, mas a falha nessa área era enorme.

“Começamos a ver que era necessário algo do género aqui na nossa terra”, conta Rogério. “Cabo Verde pode ser recheado de muito valor, há muito talento aqui, mas em termos de se organizar alguma coisa ainda estamos muito fracos”.

O Dope Moves estabeleceu parcerias, destacadamente, com a empresa de marketing e eventos BRO Consulting. O projecto FFCV foi-se consolidando. Ademais, começaram a surgir oportunidades. A oportunidade de ter uma escola, de organizar os eventos, …

Hoje, o projecto tem três vertentes. Ao grande evento que se pretende promover, o Freestyle Battle Zone, juntou-se a escola, entretanto fundada, e, desde Julho, Freestyle 4 all, a vertente social do FFCV que promove as danças de rua nos bairros, junto às comunidades.

3 vertentes

O Freestyle Battle Zone, ainda na fase de qualificações, é um evento mensal que visa “dinamizar os bailarinos de Cabo Verde em batalhas de dança 1 vs 1, all styles”.

Neste momento, já foram feitas 8 qualificações (Praia, São Vicente e Santo Antão) para a final, prevista para Abril e na qual será escolhido o campeão nacional.

Com 11 finalistas escolhidos, a ideia é fazer mais uma qualificação na Assomada, de onde sairá o 12.º e último concorrente.

O projecto tem também uma escola de dança, com aulas em estúdio. Rogério Rodrigues dança hip hop, Ruddy Timas krump, mas o projecto engloba e está aberto a vários outros estilos de danças.

Assim, também na escola, que funciona de segunda a sexta no auditório Jorge Barbosa, cada dia é dedicado a um estilo diferente, dado por professores diferentes.

O pacote danças urbanas contempla quatro estilos. Segunda-feira é dia de Hip Hop, terça de Afro, quarta “era de Breaking mas agora é New Style, hip hop” e sexta-feira de krump. Às quintas há um pacote “diferente”: danças latinas (com a professora Tamara Ishmukhametova).

Nas aulas de danças urbanas são dadas, além de Rogério e Ruddy, por dois outros dançarinos cabo-verdianos.

Gerson “Gege” Teixeira há muito que dança, e Afro é o estilo que melhor domina e que lecciona. Os vídeos que postava chamaram a atenção de Rogério, que o convidou para ensinar na escola. Gege, que já tinha experiência a ensinar, aceitou.

“O projecto é muito interessante e acho que vale a pena mesmo estar aqui”, analisa.

Wilson Whizz é o outro dançarino. Há uns meses, quando Rogério viajou para organizar o Freestyle Battle Zone em São Vicente, convidou-o para o substituir na escola. Whizz, que já dera aulas (antes da pandemia) na escola da Nicole, mas de momento estava livre apenas participando nos cypher (na rua), aceitou.

“Tivemos bom engajamento e alunos gostaram da minha aula”. Então o convite estendeu-se a algo mais duradouro e desde então é também professor.

Além das aulas, amiúde são convidados dançarinos que vêm dar workshops [ver caixa].

E 4 all

A terceira vertente, que parece ser especial para os promotores, pelo entusiasmo com que dela falam, é a social com o Freestyle 4 all. Nesta vertente, o projecto corre os bairros, promovendo battles e cyphers, partilha e muita dança, com as comunidades, e encontrando talentos… Dando e recebendo, abrindo horizontes cá e lá.

No fundo, dá-se oportunidade “a miúdos que nunca a tiveram de estar num ambiente com outras pessoas que estão a fazer a mesma coisa, que partilham da mesma paixão ou da mesma vontade de fazer”, dizem os Dope Move.

Ou seja, levam-se as danças de rua às ruas e a todos.

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Nessas idas aos bairros, o projecto tem sido sempre bem recebido. Afinal, todos ali estão unidos por um gosto e objectivo comum: a dança. E o sentido de comunidade – que é um pilar das próprias aulas em estúdio – reforça-se.

“É uma cena cultural, e quando é cultural, toda a comunidade se apropria, participam nas nossas actividades e a ideia é mesmo isso”, diz Rogério.

“Muitas vezes, eles não têm oportunidades, nascem em famílias com poucas possibilidades. Isso é uma coisa que nós não podemos controlar, mas o que nos podemos controlar é mostrar a essas pessoas que realmente há algo que se pode fazer, que há mais para além da realidade onde estão embutidos”, expõe, por seu turno Ruddy.

Futuro

Mas, independentemente das condições familiares, da zona onde vivem ou do seu dia-a-dia, a verdade é que as oportunidades escasseiam para todos os amantes das danças de rua.

“Há pessoas com muito talento, mas não tem oportunidades, como nós não tivemos. No início não tivemos instituições a ajudar-nos, não tivemos aulas, fomos aprendendo, vendo, e depois começamos a levar a dança mais a sério. Eu comecei a dançar como um hobby. 25 anos depois cá estou, ainda a fazer aquilo de que eu realmente gosto”, conta Ruddy, destacando a importância de experimentar para definir paixões.

O projecto FFCV traz assim possibilidades para experimentar as danças urbanas, mas também oportunidades para quem já é amante das mesmas. Uma oportunidade de que Cabo Verde e os seus auto-didactas precisavam.

Olhando para trás, também Rogério fala na sua própria experiência. Quando começou a dançar, aos 16/17 anos, em 2009, não havia escola de dança urbana na Praia. “Havia escolas de danças clássicas, como o ballet”. Raiz di Polon era já uma referência, mas street dance propriamente dito, nada.

Quem me dera que na altura tivesse a oportunidade que estamos a tentar dar aos nossos alunos e jovens hoje”, confessa. Uma oportunidade, como diz, não só de praticar, mas também das próximas gerações terem a “possibilidade de consagrar-se como profissionais de danças urbanas. Esse é um dos maiores objectivos do próprio projecto”.

Aliás, em Cabo Verde ainda a arte, neste caso em específico a dança, é visto como um hobby e não como uma profissão que deve ser respeitada e da qual os seus profissionais possam viver.

Ter toda uma estrutura de suporte, e inclusive dotar a sociedade de uma nova visão sobre as danças de rua, é, pois, algo que falta e que todo o projecto FFCV proporciona.

Além disso, a dinamização dos próprios dançarinos cabo-verdianos que é promovida permite apetrechá-los de experiências que poderão ser-lhes úteis no futuro e naquilo que cá dentro ou no estrangeiro, possam encontrar. Eventos, por exemplo.

Entretanto, avaliando este cerca de um ano de projecto, Rogério e Ruddy consideram que tem sido bem acolhido não só pelos alunos e dançarinos como pelas próprias entidades públicas e privadas nacionais. Todas as vertentes contam com parceiros, desde a escola, aos prémios do evento e o Freestyle 4 all, o que mostra já algum reconhecimento do papel do FFCV.

_______________________________________________

Workshop de House

Além das aulas “correntes”, o FFCV organiza, sempre que possível, workshops que percorrem vários estilos de dança de rua. Uma forma de proporcionar novas experiências, contacto e aprendizagem entre os amantes de dança.

O último workshop de 2021 ocorreu no dia 30, esteve a cargo de Viviane “Vivi” Monteiro e foi dedicado ao House.

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Depois de muitos anos a praticar ginástica rítmica, Vivi, que vive em Lisboa, começou a dançar. Foi há cerca de 3 anos e nunca mais parou. O gosto foi crescendo, experimentou vários estilos e foi também descobrindo estilos preferidos. Hoje, “estou mais concentrada em House e Contemporânea”, conta.

De passagem por Cabo Verde, a convite de Rogério Rodrigues, preparou então uma aula de House dance, a sua primeira, como forma de dar também o seu pequeno contributo, partilhando conhecimentos.

“Sei das limitações que ainda temos cá, na dança. Em Portugal também há, mas a dimensão é completamente diferente em termos de estrutura e condições. Como tenho a oportunidade de aprender muita coisa e conheci gente muito boa que me acompanha e que realmente me motiva a continuar, decidi vir e tentar partilhar um pouco do que eu aprendi”, explica.

Quanto à escolha do House, Vivi Monteiro define-o com “um estilo de partilha e comunidade”, e que a revitaliza, melhora a sua energia, mesmo depois das 8h de trabalho sentado.

”É uma dança com uma energia muito para cima. Identifico-me muito com a energia do House”.

O workshop contou com a participação de crianças e jovens de várias idades e “diferentes níveis”. E em todos sentiu “um esforço genuíno”. Afinal, aqui todos partilham o gosto pela dança e vontade de melhorar, move forward.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1101 de 4 de Janeiro de 2023. 

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Autoria:Sara Almeida,7 jan 2023 9:20

Editado porDulcina Mendes  em  8 jan 2023 10:45

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