Pub “Tex” (de nome “oficial” Pub Cruzero, por se situar perto desta zona do Plateau) que tanto ensinou e deu a conhecer música e músicos à minha geração. Valiosos os espetáculos ao vivo - como aprendíamos entre nós!
De forma insaciável e natural, ouvíamos os músicos, e nas apresentações ao vivo mostravam-se grupos como, por exemplo, os “Ayan”, absolutamente históricos na inovação de uma época da nossa música. Mais tarde, tornar-se-iam a banda suporte do enorme Pantera.
Lembro-me de quando conheci o “Tex”. Era estudante e vinha de férias. Em palco, timidamente uma voz intensa que modelava consoante o emocional que pautava a letra. Bucólico, tocava um violão de forma diferente. Tinha visto poucos lá fora e nenhum em Cabo Verde que pudesse comparar com o rapaz que me encantava, logo pela primeira.
Tocava sozinho ou num duo que jamais esquecerei e que creio ser o formato mais precioso do músico. Refiro-me à parceria que o nosso músico fazia com o violonista Júlio Rodrigues. Os violões entrelaçavam-se energeticamente em música una.
Definitivamente, era diferente. Com ele, o palco enchia-se, trazia Santiago bem vincado, porém aberto a outras influências musicais que ainda descobria. Chamava-se Tcheka.
Tive a sorte de o conhecer nessa noite, e, a partir daí, conversas entre nós não faltaram.
Não era difícil ver que nascia um músico para o mundo.
Tcheka nasceu a beira-mar da Ribeira da Barca. Muito provavelmente com o barulho das ondas (“ronco di mar” como lhe chamou na sua música) terá aprendido certamente que há sonoridades que poderia ir buscar e torn(e)á-las dele. Com os pescadores aprendeu, tendo estes se tornado personagens constantes das suas letras. Terá Tcheka passado esse pensar para a música? Acredito que sim. Criou estilo próprio, buscou pedrinhas de sons que foi juntando e montando o seu painel musical que - mesmo sem assinatura – é reconhecido ao longe e di “lonji”. Com 14 anos já tocava nas festas locais com o pai, que era violinista, e que um ano depois já se notava no pequeno Tcheka indícios de alguma especificidade na maneira como tocava.
Na verdade, terá sido o começo do que provavelmente será o mais importante pedaço musical de Tcheka - a maneira intensa com que ataca as cordas do violão, onde uma percussividade original se realça misturando-se com uma capacidade inata de modulá-la conforme o momento-emoção da música. Há dias, em conversa com um amigo e conhecedor do historial musical de Tcheka…e companheiro de conversas sobre música – Baluka – confessou-me que Tcheka terá sido admirador dos violonistas do Flamenco, o que me faz acreditar que tenha havido influências óbvias. Contudo, a percussividade que apresenta nas cordas esta intimamente ligada aos ritmos tradicionais de Cabo Verde, sobretudo o batuku e a tabanka. Vai ainda buscar o Brasil, os improvisos do Jazz que cruza com a intensidade da riqueza da música Africana.
Mas se até agora falamos do violão e da musicalidade parida por Tcheka, não menos especial será a voz. Chorada grita de alegria, a sorrir fala de desesperos dos seus personagens e tudo no fim combina. Tcheka conta a cantar. Pinta momentos que acrescidos da sua música tornam-se raridade musical…em que parece que se funde com o violão, sendo este o seu prolongamento. Nos dois a magia de um criar incessante de momentos que nos absorvem. O maior exemplo da fusão de Tcheka-canto-emoção e o contado-cantado será o impressionante tema: “Tchoro na Morte”.
Mas se Tcheka é voz e violão, também é compositor, e justamente por aí, vai buscar a realidade que conta uma vez mais com originalidade, propriedade e enorme criatividade.
Difícil falar da sua discografia: “Agonia”, “Strada Pico”, “Nu Monda”, “Satanaz” do álbum “Nu monda” (2015) - o álbum que provavelmente mais ouvi …obcessivamente…onde os arranjos de Hernâni Almeida pautaram o disco de forma conseguida. Contudo “Argui” o início com os comandos do grupo que se iniciou com Tcheka – os saudosos Arkora: a imagética “Pexin, Pexon”, e todo o grupo de temas como: “Tabanka Assigo”, “Rozadi Rezadu”, ou “Djuana” que tanto trazem os ambientes do “Tex”. Em 2007 chega-nos “lonji” …que nos conta a deliciosa estoria de “Primeru bes kin ba cinema” ,o poderoso “Língua Preta” , o “atual” “Telemovel”…e em 2011 vem a “Dor di Mar- que abre logo com um tratado de voz, no tema “Kriadu Assim” e ainda o já referido “Tchoro na Morte” , “Dor di Mar”e obviamente a homenagem a Norberto Tavares em “ Forti Bu Dan Cu Stango”.
Em 2017, lança “Boka Kafe” com a intervenção de Mário Laginha, num claro clamar da voz-violão de Tcheka e que deixava adivinhar o intimismo e perecia que viria a acontecer mais à frente dos dois músicos.
Prepara o seu mais recente álbum, com lançamento previsto para 2023 e para o nosso KJF reuniu um grupo de músicos da escola do jazz francês e cubano.
Pois é Tcheka – a música é assim: vem-nos de dentro quando a criamos. Compete ao músico, durante o parto, não deixar fugir o seu interior…. da música final que vem para fora. Quando assim o consegue sendo tal interior de onde a música vem de criatividade mágica – o artista faz parte de um grupo restrito de cantautores mundiais… e tu conheces certamente este lugar…
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1108 de 22 de Fevereiro de 2023.