Da utopia à realidade, das conquistas musicais às sociais de um hoje chamado Bulimundo

PorPaulo Lobo Linhares,31 jul 2023 8:00

​Conta a história que foi um dos responsáveis directos – a par de um grupo de colegas que sabiam o que queriam e por tal lutaram – pela transcrição feita do ferro e gaita, que na altura faziam a sonoridade do Funaná, para os ditos instrumentos de palco. Se preferirem um tipo de estilização do Funaná.

O musicólogo Bota, J. defende “a transcrição como um processo de recriação. Uma atitude composicional que vai além das simples transposições das alturas das notas musicais, em que procura converter a obra musical aos novos meios agregando-lhe uma parte das características do novo meio expressivo, sem perder de vista os parâmetros formais da obra original”.

Recorrendo à tal defniçmo, será fácil sublinhar que todo o processo de “estilização” que foi pensado por Katchás e levado adiante por todos de forma colaborativa, teve nesses nomes heróis que souberam trabalhar as sonoridades pelas quais se apaixonaram e trazê-las para os palcos. Souberam entender que o que era produzido pelo ferro e gaita poderia, sim, passar para palcos e instrumentos de palco – sem jamais perder a sua essência.

E assim aconteceu.

O resgate do género musical do campo para a cidade ...de um ritmo musical restringido ao campo, que fez nascer palcos e de palcos... mundo.

Há registos que mostram que, aliado a este transpor musical, estava também a ideologia social que pretendia diluir as barreiras existentes entre o campo e a cidade. A música terá sido o facilitador para pensares maiores? Assim terá sido pensado pelos Bulimundo? Creio que sim.

“O Funana não trazia simplesmente o sentimento do camponês, mas toda uma forma de pensar ligado à terra, às nossas coisas, àquilo que nos unia...” defendia Kaká Barbosa, crendo que a revolução atingia patamares ainda maiores.

Voltando à música, o caminho deste grupo de jovens foi uma revolução musical que terá de ser bem sublinhada em qualquer estudo, livro ou documentário que aborde a música de Cabo Verde e alguns movimentos da música africana. Segundo o pesquisador musical Carlos Gonçalves: “a maior conquista da música cabo-verdiana, no seu processo de evolução” in: Cabo Verde & Música – Dicionário Virtual da pesquisadora Gláucia Nogueira.

Quanto a mim, houve, sim, uma clara revolução musical sonhada que ultrapassou o sonho e tornou-se realidade. Sim, um grupo de jovens - há 45 anos, sonhou e hoje tal sonho-realidade é do tamanho do mundo. O Funaná correu palcos, países, continentes e impôs-se. O sonho que iniciou há mais de 45 anos, galgou caminho, ultrapassou as célebres barreiras recheadas de preconceitos e aos poucos chegou aonde teria que chegar – à prateleira dos géneros musicais de Cabo Verde que correm mundo. Conforme acima dito: na base, um grupo de jovens que orgulhosamente sustentaram o nome que hoje é marca feita de instituição nacional – os BULIMUNDO.

Permitam-me hoje – tentarei continuar certamente a tocar em mais nomes – trazer um dos mais discretos músicos deste grupo (uma parte do todo) – Silvestre Alfama ou Silva – o baixista que nesse processo de transcrição passou a mão esquerda da gaita (acordeão diatónico) para o baixo.

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Conta ele que “sendo ainda relativamente limitativo”, criou ambientes e variações sobre o que tinha. Nasce o balanço do baixo com a marca Silva, admirado pela maioria dos grandes baixistas da nossa música.

Na música é difícil, para não dizer impossível, “medir” os músicos pela sua qualidade. Contudo, pode-se certamente dizer que uns – pelo seu feito e intervenções na música - serão mais consequentes do que outros. Aí, não tenho dúvidas em assumir que sim – Silva é referência na historia dos baixistas da nossa música.

Já em vários textos venho defendendo o papel da humildade na grandeza do músico. Se no parágrafo anterior não tinha dúvidas em citar o nome de Silva, muito menos então o terei aqui.

Tive o privilégio de trabalhar com Silva no último ano. Como amante da música é reconfortante ver o respeito que vou vendo, nacional e internacionalmente, por parte dos baixistas quando se dirigirem ao Silva. Num misto de respeito, admiração e amizade procuram sempre o aperto de mão, minutos de conversa e a foto com o mestre Silva, que guardarão certamente como recordação – aquelas que os músicos têm e guardam a sete chaves e vão buscar quando é preciso inspiração...

Se continuasse o texto, mais haveria para dizer sobre o Silva, mas neste espaço deixo a fórmula: pesquisa pensada + criatividade musical medida + humildade para os três tripés que certamente sustentam Silvestre Alfama – o Silva, baixista dos Bulimundo.

As ilhas devem aplausos aos Bulimundo. Não tenhamos receios em louvá-los, mesmo que, com um aperto de mãos, minutos de conversa ou algumas fotos, conforme fazem os baixistas com Silva...

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1130 de 26 de Julho de 2023.

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,31 jul 2023 8:00

Editado porAndre Amaral  em  31 jul 2023 14:16

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