Fogo Fogo - Chão sempre dançado em balai de ritmo sentido

PorPaulo Lobo Linhares,30 set 2024 7:44

Oiço o grupo Fogo Fogo. Ao ouvi-lo, encontro em cada pedaço-momento um tempo, marcas e notas, sentires que se fazem sentir e que acabam por formar um todo-Fogo Fogo.

Há cordas da guitarra de Katchás que se juntam às sonoridades das teclas e dos pratos da bateria, e que nos remetendo para os Bulimundo. Mas também há cantar a dois e o embalo festivo e instrumental próprio dos Ferro Gaita. Há claramente os sons de Cabo Verde que hoje se ouvem na chamada “Nova Lisboa” (...). Será também “uma Lisboa onde cabe toda a África, sobretudo a que fala português, tanto a do futuro como a do passado”?... na emigração… há as saudosas formatações musicais que estão lá atrás, num valioso tempo tão presente (e que por cá muitos de nós, teima em torná-lo ausente) …em Rotterdam ou Lisboa, nas décadas 70-80. Tempo em música que tanto nos ensinaram e… que só alguns vão lá beber. Roubemo-lo, pois...usar este precioso legado 70-80 é necessário. Também há fagulhas de um afro-funk sempre presente e sonoridades que fazem viagens, principalmente pelo trabalho das teclas que nos levam a cores de um caleidoscópio crioulo….e assim, tudo se mistura, num entrelaçado que dá origem a um “balai” que acolhe sons que se tornam – sonoridade própria, una e …Fogo Fogo.

Permitam-me avançar que há claramente uma sonoridade nova criada por buscas baseadas em liberdade-paixão musical que também é robusta por ter recolhido todos os ingredientes de forma conceptual. Tudo isso deu esta cachupa rica, onde todos, directa ou indirectamente, temos certamente um tempero a dizer.
Vejo e oiço um Funaná, tratado (também) como estilo musical urbano, com rigor no aprendizado que o grupo vai buscar na nossa cultura: cantando-a e contando-a de forma sentida, com base em profunda aproximação da mesma…
Sigo viagem e chego a lugares. Sinto no grupo os quintais de baile num pós- almoço quase jantar, os “badju pupular” doutrora e o apelo à dança - a dança que começa em nós e acaba no chão que pisamos, como se ouve na letra do tema “Chão Dançado”, que só pelo sugestivo e imagético título do tema, nos passa o sentir do grupo e… horizonte futuro.
Mas há ainda as letras – que à imagem do início da história do Funaná - intervém no social – sobretudo no hoje, mas também num hoje que foi ontem…quer apontando o que é diferença sem fundamento, quer cantando e elevando o que é nosso, o que nos identifica e que muitos se esquecem de elevar: falo da nossa cultura, da nossa tradição musical e não só.
O Funaná sempre viveu de movimentos-marca. Sempre intenso, foi primeiro escondido e (res)guardado por nomes que estão na base de tudo. Resistência pura perante os senhores que o queriam “apagar”. Mais tarde torna-se cidade, palco e palcos, saindo de Cabo Verde a partir de uma revolução musical seriamente de livros da história da música (e que Cabo Verde teimosamente aguarda dar à luz) … Continuou noutra direcção onde ao formato palco, regressava à gaita e ao ferrinho. Mais palcos se abriram
… e o mundo num hoje abraçou o Funaná.

Hoje que o Funaná é mundo – mais mundo do que o património imaterial. É ritmo que nasceu no país das ilhas e em legado guardado se tornou mundo. Neste sentido, o Funaná torna-se livre. O Funaná combina com liberdade ou a busca dela e, músicos apaixonados pelo ritmo dele se “apoderam”, recebem a estafeta do legado num formato que carrega: respeito, conhecimento procurado do ritmo, e acima de tudo …muita paixão – o caso dos Fogo Fogo.

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Fogo Fogo – por paixão e conhecimento adquirido de forma responsável – são também soldados desse escalar – Funaná mundo fora.

O grupo é formado por cinco músicos. O projecto de Francisco Rebelo (baixo), João Gomes (teclas), Edu Mundo (bateria), Danilo Lopes (vozes/guitarra) e David Pessoa (vozes/guitarra) e como os próprios dizem, “representa a força experiente e enérgica destes músicos que há muito nos habituaram por esses palcos fora. Os cinco juntos somam quase 120 anos de carreira. Cada um deles é dono de um talento imenso, consolidado pela experiência de anos em alguns dos maiores palcos do mundo” - lê-se na biografia do grupo.

Sim, é enorme a experiência dos músicos. Entre já terem pertencido a grupos que marcaram “novas tendências” na música portuguesa, como os Cool Hipnoise e de certa forma os Orelha Negra, há ainda participações com músicos de Cabo Verde como: Sara Tavares, Tito Paris, Dany Silva, Jon Luz ou os Ferro Gaita - grupo que participa no tema “Nho Buli” deste “Nôs Riqueza”. Há, na verdade, vivências em alma que se ligam a Cabo Verde e, como acima referido, a várias outras latitudes de “África, sobretudo a que fala português”. Neste âmbito, não poderia passar ao lado do que li no texto de apresentação do grupo: Nástio Mosquito, poeta, artista plástico, actor e músico angolano descreve Fogo Fogo como “mais uma celebração da cultura do baile, do quintal, do clube e dos exageros familiares da carne e do coração (…) Testemunhar a poeira que a banda gera (…) é algo que se inspira, e inspira. Oiço Fogo Fogo e não penso em multiculturalismo. Oiço Fogo Fogo e sinto que eles me pertencem. Presenciar Fogo Fogo alimenta partes em nós que se revelam famintas de troca humana. É suor-perfume que nos lembra que ter vontade por vezes basta.”

13 temas fazem “Nha Riqueza”, 2 anos atrás - a data em que o grupo lançou o seu primeiro álbum: “Fladu Flâ” e 10 são os anos que os Fogo Fogo percorrem palcos portugueses e estrangeiros a espalhar o Funaná, em e com, musicalidades outras.

É claramente hora da viagem passar pelas ilhas - abraçá-las e pisando o “chão dançado” e celebrar festivamente juntos Nos Riqueza…pamó musika el é di nos tudu…
e Fogo Fogo, sabe tanto à Mana Sara…

Bailemos todos pois , pelas vozes dos mestres, nas músicas e músicos que nos inspiram, nos ritmos que nos entranham e que são devolvidos a todos em formato “balai”... num riqueza ki nu buska.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1191 de 25 de Setembro de 2024. 

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,30 set 2024 7:44

Editado porAndre Amaral  em  1 out 2024 7:45

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