Elisabete Gonçalves: Quero fazer teatro até ao fim da minha vida

PorDulcina Mendes,20 jul 2025 8:54

Elisabete Gonçalves, uma das fundadoras do Mindelact, é actriz de teatro, contadora de histórias e professora de Artes Gráficas. Faz teatro desde 1995. A sua primeira experiência aconteceu numa peça encenada pelo grupo do Centro Cultural Português e, desde então, nunca mais parou.

Licenciada em Artes Visuais e com formação em diversas áreas artísticas, Elisabete Gonçalves é actriz, encenadora, formadora, figurinista, animadora cultural e artista plástica. Desenvolve trabalhos em várias disciplinas artísticas, com especial destaque para o teatro, mas também no cinema e na televisão.

Além de ser uma das fundadoras do Festival Mindelact, é membro-fundadora do grupo teatral TIM e do Grupo de Teatro do CCPM, com os quais representou o teatro cabo-verdiano em vários palcos internacionais.

Elisabete Gonçalves é colaboradora do grupo de teatro Sikinada na interpretação, cenografia, figurinos e adereços. É, também, docente e coordenadora do curso de Artes Gráficas, na Escola Secundária Polivalente Cesaltina Ramos, na cidade da Praia.

A artista recebeu, em 2019 a medalha de mérito, pelo seu contributo para as Artes Cénicas nacionais, o Prémio de Mérito Teatral, atribuído pela Associação Mindelact. Em 2023 foi galardoada pelo Governo de Cabo Verde, com a medalha de Mérito Cultural.

Numa entrevista ao Expresso das Ilhas, Elisabete Gonçalves falou do seu percurso no mundo das artes cénicas, sobretudo do seu amor pelo teatro, que já lhe levou para vários países. “Acho que o teatro é algo que tenho em mim. Desde criança tenho a arte e o teatro em mim. Não brincava, porque gostava mais de desenhar, estava sempre a moldar alguma coisa, então é algo que trago comigo”.

A actriz conta que nunca saiu da arte, cresceu e fez formação superior e conseguiu trabalhar na mesma área. “Ainda continuo a entrar nas peças de teatro como actriz, na parte de arte com figurino”.

Bety, como é carinhosamente conhecida, explica que todas as peças de teatro que fez lhe marcaram de alguma forma, porque teatro é algo que gosta de fazer. “Já fiz peças que me marcaram muito, porque tinha que fazer alguma transformação em mim para enquadrar naquele trabalho”.

“Tinha de fazer aquela transformação, e foi numa época em que tinha acabado de ser mãe, tinha que cortar o cabelo para enquadrar na peça. Tinha de fazer mais transformação em mim e com a criança pequena, fazer toda a digressão e ter de dar de mamar ao meu filho, foi algo que me marcou muito”, conta.

Já nas artes plásticas relata que foi marcante a ilustração que fez no livro da escritora Fátima Bettencourt “Nas artes plástica, o que me marcou mais foram duas ilustrações que fiz no livro ´O Sapatinho Magico´, de Fátima Bettencourt, foi algo que me marcou muito porque dizia que não me ia meter nessa área, sempre usei a mesma técnica, como a que usei na exposição “Sereia na Matu”, que apresentei nas cidades da Praia e do Mindelo”.

Desafios

Elisabete Gonçalves enfatiza que o seu último desafio foi fazer o cenário da peça “Cabral, A Última Lua do Homem Grane”, uma adaptação de Mário Lúcio feita pela Sikinada. “Criar o cenário para a peça, foi o meu maior desafio, porque comecei a desenvolver a peça que a companhia me pediu para fazer. E era a primeira vez que ia fazer algo grande”.

Gonçalves afirma que teve de se inspirar em um grande cenário para fazer aquele trabalho. “Onde fui inspirada para fazer o grande cenário dentro dessa textura. Às vezes as pessoas, quando olham a peça dizem que viram mais o cenário, então ficas contente, quando alguém elogia o teu trabalho, ficas feliz”, frisa.

A actriz sublinha que tem a sua forma de ser que passa por não exibir os seus trabalhos.

Teatro na Praia e São Vicente

Elisabete afirma que na cidade da Praia, por exemplo, as pessoas não se dedicam ao teatro como antes faziam em São Vicente. “Nós sacrificamos qualquer coisa para fazer o teatro. As pessoas estão a trabalhar bem aqui, há grupos que estão a trabalhar bem e a colocar as pessoas a ensaiar e a fazer formação”.

“Actualmente tem um grupo de teatro que traz pessoas de fora para dar formação e as coisas estão muito melhores. Não tem nada a ver com quando cheguei à Praia. No início quando vim para a cidade da Praia tentava fazer algumas formações com grupos de teatro daqui, dava para ver que elas não tinham aquela vontade, mas agora sentes que estão apaixonados por essa área e essa linguagem teatral, mais universal que não é só folclore”, cita.

A actriz disse que o teatro está melhor na Praia, “já em São Vicente, nos últimos tempos tem regredido. Acho que nos últimos tempos as coisas estão a regredir em São Vicente, porque fomos muito para frente e agora as coisas estão mais paradas. Das peças que vi no Mindelact sentes que está tudo igual e não sentes que as pessoas estão a evoluir, enquanto aqui na Praia, tem-se registado alguma evolução”.

Mulher e teatro

Por outro lado, disse que não sente muita dedicação da mulher no teatro, porque a maioria tem outra coisa para fazer. “Elas não são como nós antigamente que éramos doidas, que largaríamos qualquer coisa por teatro”.

Na mesma linha revela que a única forma da mulher entrar no teatro bem e se fizeram só isso. “A vida da mulher não dá para se dedicar só ao teatro. Fazer teatro exige muita coisa, não sei como é que consegui ter quatro filhos e dedicar-me ao teatro, ao mesmo tempo, porque não é fácil”, confessa.

Mas reconhece que no seu caso conseguiu fazer o teatro, porque tinha apoio da sua família. “Talvez no meu caso seja diferente, porque o meu marido era de teatro, uma vez que se tens um companheiro que não é da mesma área que tu, para saíres de casa todos os dias às 7h00 de manhã e meia-noite para te dedicares ao teatro não é fácil”.

Conforme a actriz, as mulheres, se querem evoluir no teatro, elas têm que ser ou solteira, ou nova, para se dedicarem a essa arte.

Reconhecimento e cinema

Elisabete conta que foi com muita alegria que recebeu este prémio, por tudo aquilo que fez e pretende fazer no teatro. “Valorizo muito este prémio, porque sou uma das pessoas que trabalhou muito para o Mindelact estar onde ele está hoje, em toda a área de produção de teatro. Acho que considero um prémio merecido, porque trabalhamos muito para colocar o Mindelact onde ele está”.

Além de projectos no teatro, a actriz conta que tem desenvolvido trabalho no cinema, na direcção de arte. “Em Cabo Verde, quase não trabalho nos filmes que são feitos aqui pelos cabo-verdianos, faço trabalhos para filmes estrangeiros. Quase todos os filmes estrangeiros que têm de ser feitos na Praia, São Vicente e nas outras ilhas, sempre me convidam para trabalhar na direcção de arte”.

Por isso, criticou que não é reconhecida no país na área do cinema. “Interessante é que pessoas de fora reconhecem o meu trabalho e no país nem ligam, por aquilo que faço. Às vezes estou a trabalhar num filme, onde sou a única cabo-verdiana a trabalhar na direcção de arte. Tudo o que tenho ganhado é do trabalho que tenho feito, onde não sou reconhecida pela maioria, mas há pessoas que olham e que sabem o que faço”.

A actriz já recebeu o prémio do Governo, pelo trabalho que fez no teatro.

Mais de 20 anos de teatro

A actriz conta que há muito tempo que faz teatro, e quer continuar activa nessa área. “Quero dedicar mais ao teatro. Não vou fazer o balanço desses anos de teatro, porque acho que fiz pouco, pretendo fazer muito mais. Quero dedicar-me ao teatro até o fim da minha vida. Vou continuar sempre a fazer coisas que gosto”.

Elisabete Gonçalves afirma que quer dedicar mais ao teatro, “daqui a cinco anos irei reformar-me e vou dedicar mais. Por mais que já realizei, acho que ainda tenho muito mais para fazer. Não sou daquelas pessoas que dão por satisfeita”.

Gonçalves garante que há ainda muito por explorar e aprender no teatro. “Tem um amor grande pelo teatro. A única coisa que não troco por teatro são os meus filhos, de resto troco tudo. Quero dedicar-me ao teatro até o fim da minha vida”.

Contadora de história

Além de actriz, Elisabete Gonçalves é contadora de histórias há vários anos. “Conto histórias tradicionais, onde faço sempre adaptação à realidade de agora. Hoje em dia não vais cansar as crianças com as histórias que lhes passam valores que não estão na moda”.

Por isso, disse que pega sempre nas histórias tradicionais no sentido de passar os valores para as crianças, mas sempre trabalha para não ser moralista. “Conto as histórias de uma forma que convenço as crianças dessa época. Conto histórias tradicionais adaptadas à realidade actual”.

image

A actriz frisa que recebe sempre convites das escolas, mas também trabalha com a Biblioteca Nacional, “que sempre me chamam frequentemente para fazer trabalho com professores para a contação de histórias. Faço oficinas com os professores de contação de histórias, de maneira que contam histórias para os seus alunos”.

Mas actualmente tenho trabalhado pouco com as crianças. “Dos meus 25 até 35 anos, trabalhei mais com as crianças, se calhar tenho muita paciência com as crianças, aliás as crianças gostam muito de mim”.

A contadora de histórias disse que um dos projectos com as crianças que mais o marcou foi uma oficina que fez com as crianças de rua, em São Vicente. “Estive quase quatro meses a trabalhar com eles. É um trabalho que gostei muito de fazer, porque lá vi mudanças na vida dessas crianças e vi que a arte mudou o comportamento delas”.

Neste sentido, assegura que vai continuar a contar as suas histórias. “Vou continuar a contar as minhas histórias nas escolas, sempre que me solicitarem vou contar histórias. As vezes nas escolas no interior de Santiago e mesmo na cidade da Praia me convidam para contar históriass”, indica.

A actriz citou que na última edição do Mindelact foi contar as suas histórias, “então quero continuar a fazer as minhas coisas, apesar do meu tempo como professora não é possível estar sempre a realizar esses tipos de trabalho. Há professores que dizem que devemos escolher ou ser artista ou ser professor”.

Para Bety, artista é como pescador, um dia conseguimos pescar e outro dia não. Tens de ter uma profissão que consegues pagar as tuas contas e criar os filhos. Eu não podia dar-me o luxo de ser só artista, porque sou mãe de quatro filhos”, confessa.

Elisabete é professora de Artes e Design Gráfica, na Escola Técnica, na cidade da Praia. Há 12 anos que Elisabete lecciona nesse estabelecimento educativo. “Estudei a mesma área na Escola Técnica e sou professora e dou aulas na mesma área. Sou uma pessoa que nunca saiu do seu objectivo. Estou sempre ligada à arte”.

Por isso afirma que o seu ambiente familiar sempre está ligado à arte, “às vezes a tua escolha depende da tua cultura familiar, de como os teus pais te educaram, então é algo que faz parte de ti”.

“Se for dançar, dedicar-me ao teatro ou pintura a minha mãe fica contente, e me dá aquele apoio, então não tenho como não gostar de fazer aquilo que gosto. Às vezes, depende da tua cultura familiar, de como é que foste educada”, realça.

Bety é mãe do artista plástico e cartunista do Expresso das Ilhas, Yuran Henrique, “O Yuran veio com a arte na veia, desde criança que ele mostrou aquele amor pela arte. Assim como tens paixão por algo, também passas isso para o teu filho. Só tens que explicar ao teu filho como é que as coisas funcionam e deixar que ele siga o seu próprio caminho”.

Mensagem

A actriz pede mais união na classe feminina. “As mulheres devem colaborar umas com as outras. Às vezes o machismo não vem só dos homens, as mulheres também têm aquelas atitudes machistas que ajudam a complicar ainda mais”.

Bety disse que muitàs vezes, as mulheres são inimigas umas das outras e que isso nos prejudica. “Nós as mulheres, às vezes temos problemas, porque nós não nos unimos. E umas contra as outras, por isso muitas coisas erradas recaem sobre nós, porque não nos juntamos. Devemos unir-nos, defendermo-nos, e não olhar a forma como a outra veste como sendo coisa errada, ou definir outra mulher de forma errada pela forma de estar da outra”.

Conforme Elisabete, devemos nos unir mais para nos podermos defender das atitudes que nos prejudicam. “O facto de uma mulher estar na festa, na paródia e acharmos que ela não deveria estar, primeiro em vez de criticar devemos tentar saber porque que essa pessoa está lá, o que ela quer fazer, o que ela pensa, sente, qual o seu problema. Se não queremos ajudar também não podemos estragar. Por isso, é mais união que quero nas mulheres”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1233 de 16 de Julho de 2025.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Dulcina Mendes,20 jul 2025 8:54

Editado porDulcina Mendes  em  20 jul 2025 16:19

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.