Esta nova obra representa um marco especial na carreira do autor, não apenas por se tratar do seu quarto livro, mas principalmente pelas circunstâncias extraordinárias em que foi concebida. A maior parte dos contos foi escrita durante o período de recuperação de um AVC que Abrão Sena sofreu em 7 de Fevereiro de 2024, transformando a escrita numa verdadeira terapia de reabilitação. Foi “dar vazão ao vício de escrever que tenho entranhado dentro”, conta.
Assim, “de sopetão” e sem qualquer premeditação as histórias foram surgindo. São mais de meia centena de curtos contos que abordam temas relacionados com Angola, Cabo Verde e Portugal, misturando memória e ficção.
"Há muita coisa de real, há muita coisa de memória e muita coisa também de ficção", explica . "Por vezes, há uma salada russa que a gente não pode distinguir."
Os escritos surpreenderam a todos, incluindo os profissionais de saúde que o acompanhavam. Surpreendeu também a filha, Deolinda Sena, residente no estrangeiro, que na visita que fez ao pai na sequência da doença, vendo-o “rabiscar” quis conhecer os escritos. Sena reuniu-os, acrescentou um outro conto que já tinha, escolheu um nome e enviou-lhe.
A cabala
O que se seguiu foi o que Abrão Sena descreve, com humor, como uma "autêntica conspiração". Deolinda, a filha mais velha, em conluio com a esposa, Zilda , e com o apoio da SOCA, organizou secretamente a publicação do livro. A neta fez o desenho, e Salif Silva paginou. E depois da obra pronta, organizaram o seu lançamento coincidente com o aniversário do autor: a 28 de Julho.
Com tudo pronto e com o aproximar da data, finalmente contaram ao escritor o “nascimento” de mais uma obra sua.
"Eu, alheio... quando dei por mim, estava praticamente de pernas e mãos amarrados", confessa o autor, entre risos."A minha revelia, fizeram isso".
Novo Heterónimo
Este é o quarto livro de Abrão Sena. O primeiro foi "Bricabraque & algumas das letras tentêadas", um livro que compila crónicas que publicou em vários jornais sob o pseudónimo de C. Salgado. Seguiu-se uma obra documental sobre o Seminário de São José, intitulada "Cinquentenário sob Leitura". O livro de contos (e uma crónica) "À Espera das Trevas e outros umbilicais fantasias", também assinado como C. Salgado foi o terceiro.
Desta feita, na compilação que enviou à filha, assinou com um nome usado anteriormente em concursos literários: Francisco de São João. Este tornou-se assim o heterónimo "caçulo" de Abrão Sena.
Heterónimo que se estreia como resultado de um impulso criativo que nem a doença conseguiu silenciar.
A apresentação desta obra, que conta com o apoio da Sociedade Cabo-verdiana de Autores (SOCA), terá lugar esta segunda-feira, 28, pelas 18h00 no Salão Beijing, no Palácio da Presidência da República