“Mulheres de Txunbu” – Eurídice Monteiro estreia-se no teatro em versos

PorDulcina Mendes,5 dez 2025 9:48

A escritora Eurídice Monteiro, sob o pseudónimo literário Eurydice, lança esta sexta-feira, dia 5, na Cidade da Praia, o seu mais recente livro, intitulado “Pai di Fidju ku Mudjeris di Txunbu” (Pai di Fidju e as Mulheres de Aço). Com a chancela da Rosa de Porcelana Editora, a obra é uma peça teatral bilíngue, em língua cabo-verdiana e portuguesa, que celebra o emblemático cinquentenário da Independência Nacional de Cabo Verde e presta homenagem especial ao inesquecível humorista Nhu Puxim.

Pai di Fidju ku Mudjeris di Txunbu” é o oitavo livro da autora e marca a sua estreia no Teatro em Versos, um encontro entre poesia e dramaturgia que revisita, com sensibilidade e profundidade, um dos temas mais marcantes da sociedade cabo-verdiana.

Segundo a autora, o livro nasceu de uma dupla fascinação: a cultura popular cabo-verdiana e a mitologia grega. A convergência entre poesia e dramaturgia, artes que a acompanham desde sempre, encontrou nesta noveleta dramática o seu espaço natural.

“Nasci na Calheta, terra de Nhu Puxim, Nhu Donda e Gil d’Joia, humoristas da geração dos meus avós e guardiões da narração performativa. O teatro, no seu sentido pleno, entrou cedo na minha vida”, recorda.

Aos quinze anos, integrou o grupo Juliceu, no Liceu Domingos Ramos, na Praia, e participou numa digressão ao Mindelo, onde assistiu ao Mindelact, experiência que marcou profundamente a sua adolescência.

“A minha breve aventura como actriz terminou nesse mesmo ano, com uma única peça de sucesso juvenil, e cada um de nós seguiu rumos distintos. Contudo, essas experiências iniciais, aliadas ao deslumbramento que senti ao descobrir Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, reacenderam em mim o desejo de unir poesia e teatro, desejo que finalmente se materializa nesta obra”, explica Eurydice.

Para a autora, a formulação do título conheceu um processo de maturação lenta. Iniciou-se como simples Pai di Fidju, mas a recordação das “mulheres de aço”, da escultura de Martin Jennings, impôs-se como metáfora de particular fulgor.

image

Eurídice afirma que procurou um equilíbrio deliberadamente arriscado: em português, “Mulheres de Aço”; em crioulo, “Mudjeris di Txunbu”.

“O txunbu, matéria e símbolo profundamente enraizados nas vivências da minha infância no interior de Santiago, encerra uma ideia de resistência e de carácter. Estas mulheres representam, assim, as mulheres do quotidiano crioulo, firmes, resilientes, discretamente heroicas”, frisa Eurídice.

Embora já tivesse delineado a intenção de escrever este livro, a sua redacção propriamente dita teve início nos dias imediatos à morte de Nhu Puxim, num período em que as memórias da sua iniciação teatral se entrelaçaram com uma ressignificação do mito de Orfeu.

A autora conta que a obra germinou quase simultaneamente em português e em cabo-verdiano, circunstância que exigiu um labor minucioso e uma espécie de respiração dupla, mas que, não obstante, lhe conferiu uma intensidade singular.

Conforme Eurídice Monteiro, o seu propósito é oferecer ao leitor uma experiência estética enraizada na cultura cabo-verdiana, mas capaz de dialogar com o imaginário universal.

“Quero que esta peça evoque a coragem das nossas mulheres, a musicalidade da nossa língua e a vitalidade do nosso teatro. E, ao mesmo tempo, quero reabrir o diálogo com os mitos, que sempre retornam para iluminar o presente”, revela.

A escritora sublinha ainda que a peça está mergulhada no realismo social crioulo: as deslocações do campo para a cidade, entre ilhas e através do mundo; as dificuldades económicas; a maternidade solitária; a procura de melhores oportunidades; e o desejo profundo de edificar família e mátria.

“Tudo isto decorre num momento de forte simbolismo, quando Cabo Verde assinala cinquenta anos de independência, tempo propício para revisitar os desafios e as expectativas que continuam a moldar a vida das nossas comunidades”, observa.

Mensagem de Pai di Fidju ku Mudjeris di Txunbu

Eurídice Monteiro explica que a obra procura revelar a bravura quotidiana das mulheres crioulas, que enfrentam, com engenho e dignidade, a luta pela sobrevivência e pela protecção dos seus filhos.

“É também uma celebração do hibridismo estético e cultural, onde o sagrado e o burlesco, o épico e o comum se entrelaçam. No fundo, é um tributo à força feminina que, mesmo entre adversidades, mantém viva a capacidade de criar, resistir e reinventar-se”, sublinha.

Formato: teatro em versos

A autora esclarece que a opção pelo verso surgiu quase naturalmente:
“O verso confere musicalidade, intensidade e ritmo; o teatro oferece corpo, voz e presença. Juntas, estas formas permitem tocar a dimensão mítica e, ao mesmo tempo, profundamente humana das personagens.”

Encenação da peça em palco

Segundo a autora, a natureza versificada da obra reclama o palco. O ritmo, a musicalidade e a presença de um Orfeu crioulo abrem espaço a uma encenação que une música, corpo e palavra, conciliando as tradições africanas de narração performativa com a herança clássica.

“Mesmo a sessão de lançamento está a ser concebida como um momento cénico: contará com a apresentação do Professor Adilson F. C. Semedo e com leituras dramáticas protagonizadas pelas actrizes Raquel Monteiro, Sheila Martins e Vandrea Monteiro. O palco, portanto, já se está a abrir”, acrescenta.

Eurídice Monteiro é escritora, investigadora e professora universitária. Socio-politóloga, doutorada pela Universidade de Coimbra, foi já distinguida com vários prémios nacionais e internacionais.

Para além de artigos científicos em revistas especializadas e em colectâneas, este é o seu oitavo livro. A sua obra abrange livros académicos, infanto-juvenis, crónicas, romances e, agora, também teatro em versos. Tem sido convidada para programas académicos e literários em África, Europa, Estados Unidos e América Latina.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1253 de 03 de Dezembro de 2025.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Dulcina Mendes,5 dez 2025 9:48

Editado porAndre Amaral  em  6 dez 2025 12:19

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.