A figura xadrezística mais importante do mundo de língua espanhola, durante a segunda metade do século XX foi, indubitavelmente, Miguel Najdorf. Sua personalidade multifacetada era conhecida em todos os países e cidades por onde, por motivos profissionais, passava, e a visita ao clube de xadrez local era um ritual iniludível para Don Miguel. Era de todo um espectáculo inigualável vê-lo jogar contra os melhores da cidade, repetindo cortesmente: “A melhor!” ante qualquer jogada do seu contraente, ou ao capturar um peão ao seu rival: “Eu tinha uma tia que dizia melhor peão a mais do que peão a menos“. Em Cabo Verde, em resultado das pretéritas cíclicas crises que ainda pairam no nosso subconsciente, a maioria dos xadrezistas continua ainda a seguir literalmente o conselho da tia do venerável mestre, fiel ao motto: antes morrer farto do que com fome.
Como profissional Najdorf obteve incontáveis vitórias, tendo derrotado, pelo menos uma vez, a nada menos que seis campeões do mundo: Euwe, Botvinnik, Tal, Petrosian, Spassky e Fischer, e a todas as figuras mais importantes da segunda metade do século XX: Keres, Fine, Reshevsky, Bronstein, Boleslavsky, Stein, Geller, Taimanov, etc., ou da geração de Portisch, Kavalek, Larsen, Andersson, Timman, Browne, etc.
O mestre naturalizado argentino, perdeu toda a família na Polónia, durante um bombardeamento alemão na Segunda Guerra Mundial. Surpreendido por esse trágico acontecimento quando disputava um torneio em Buenos Aires, Najdorf resolveu ficar na capital argentina, onde se tornou o decano do xadrez desse latino-americano país por quase meio século. O grande mestre falecido em Málaga (Espanha), a 4 de Julho de 1997, na bíblica idade de 87 anos, era detentor de vários títulos, entre os quais o de recordista mundial de xadrez às cegas, uma modalidade em que uma (neste caso) ou duas das partes joga sem ver o tabuleiro.
O mestre enriqueceu o xadrez com várias ideias e linhas de jogo, sendo a variante Najdorf da Defesa Siciliana, a sua mais importante e perene contribuição para a teoria das aberturas. É provavelmente a variante da Defesa Siciliana mais jogada nos últimos 50 anos e seria quase infinita a lista dos campeões do mundo e grandes mestres que se serviram dela.
Partida da semana
Esta partida responde à velha questão se se pode perder em seis lances num torneio de xadrez. Paul Keres, conduzindo as brancas, mostra-nos como. A partida foi disputada em 1950 no torneio Internacional de Trzcinsko-Zdroj; seu adversário Edward Arlamowsky, jogando uma variante da muito sólida Defesa Caro-Kann é surpreendido com um violento e inesperado mate em apenas seis movimentos. Vejamos como:
Keres, P - Arlamowski, E
Szcawno Zdroj Szcawno Zdroj, 1950
1.e4 c6 2.Cc3 d5 3.Cf3 dxe4 4.Cxe4 Cf6 5.De2 neste momento Paul Keres levantou-se do seu assento e foi dar uma volta pela sala, observando as outras partidas dos participantes do torneio. Ao regressar à mesa reparou que seu adversário tinha movido 5...Cbd7??, portanto o cavalo de dama para a casa d7. Sem pestanejar Keres coloca seu cavalo em d6. O fim da festa.
(6. Cd6#. O mate da Karo-Kann)
Se aos olhos do jogador mais experimentado o caso parece pouco credível, seja-lhe apresentado outro ocorrido justamente 32 anos depois da primeira partida. Comentário: o jogo de xadrez é eterno – o que muda são os jogadores e os quadrantes geográficos.
Nishimura, H - Marko, H [B10] Luzern ol (Men) Luzern (13), 1982
1.e4 c6 2.Cf3 d5 3.Cc3 dxe4 4.Cxe4 Cd7 5.De2 Cgf6 6.Cd6#
(No xadrez a história repete-se literalmente)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 755 de 18 de Maio de 2016.