Xadrez: Ascensão e queda de Robert James Fischer

PorAntónio Monteiro,30 abr 2017 6:00

Seguindo uma deixa do professor Carlos Bellino, escrevi há algum tempo uma recensão crítica ao livro “A Vida imita o Xadrez” da autoria de Garry Kasparov. Nessa crónica demonstrei, à luz das trágicas carreiras de Alesander Alekhine e Robert James Fischer (Bobby Fischer) o quão pernicioso poderá ser, seguir à risca as ainda que bem-intencionadas sugestões do 13º campeão do mundo de xadrez, conhecido também como “O Ogro de Baku”.

Ao apressado leitor que queira desde já saber o porquê da associação do necrofágico sobrenome a tão ilustre jogador, seja dito que Kasparov, apesar de toda a sua genialidade nas 64 casas do tabuleiro, na vida real não é uma pessoa simpática nem de trato fácil, chegando ao ponto de desconsiderar os seus próprios fãs. Já Baku é a capital da República do Azerbaijão, onde Kasparov nasceu, no dia 13 de Abril de 1963, como Garry Kimovich Weinstein.

Portanto além da associação ao mais assustador de todos demónios, Kasparov é também um mestre na arte de se metamorfosear, como veremos numa das próximas edições.

Esta crónica como tinha anunciado, será dedicada a Bobby Fischer, o outro trágico herói que também tentou imitar na vida o xadrez para, em 2008, pouco antes de sua morte, chegar à tardia clarividência: “No jogo da vida fui um fracassado”. Fischer morreu na Islândia aos 64 anos – por ironia, ou maldição do destino, o mesmo número de casas do tabuleiro de xadrez que ele pensava estar para além de qualquer realidade terrena.

Sobre Bobby Fischer, o génio do xadrez nascido a 9 de Março de 1943, em Chicago, EUA, considerado pelos grandes mestres seus pares como o melhor xadrezista do século XX, mesmo à frente de Kasparov, já se escreveu tudo e mais alguma coisa. Retiro da Wikipédia alguns dados importantes da sua curta mas brilhante carreira. Seja desde já dito, como o leitor haverá de constatar mais à frente que os seus biógrafos, sempre à procura de novos superlativos, iam ao ponto de falsificar os resultados dos torneios em que Fischer participou para desta forma colocá-lo num semidivino pedestal do qual terminada a Guerra Fria acabou por cair com todo o fragor e fúria.

Filho de pai alemão, Hans-Gerhardt Fischer [não é pacífica essa paternidade e é mais do que provável que Fischer tinha sido filho do cientista húngaro Paul Felix Nemenyi] um biofísico e mãe judia-suíça naturalizada norte-americana, Regina Wender. Aprendeu a jogar xadrez aos seis anos com a irmã mais velha, que o entretinha com diversos jogos (dentre eles o xadrez) enquanto a mãe ia trabalhar. Mudou-se cedo para a Califórnia e pouco tempo depois para Nova Iorque, onde pôde desenvolver-se em grandes clubes seculares como o Marshall e o Manhattan.

 

     “A partida do Século”

Aos 13 anos jogou a “Partida do Século” num torneio de Mestres em 1956 contra Donald Byrne, irmão de Robert Byrne, o qual também era Grande Mestre e foi vítima de uma das maiores partidas de Fischer no campeonato dos Estados Unidos em 1963, o qual Fischer venceu com 100% de aproveitamento, 13 em 13 possíveis e rating performance acima de 3000. Fischer venceu também o campeonato estadunidense oito vezes em oito participações (1957, 1958, 1959, 1960, 1961, 1962, 1973, 1975 e 1986), sendo a primeira aos 14 anos em 1957 e a segunda aos quinze, em 1958.

De Dezembro de 1962 até o fim da sua carreira, em 1992, Fischer venceu todos os torneios que disputou, excepto dois, nos quais terminou em segundo lugar: Capablanca Memorial, 1965, vencido por Boris Spassky e a Piatigorsky Cup, 1966, vencida por Smyslov.

Não são correctas algumas destas informações publicadas na internet. Primeiro, a carreira de Fischer terminou em 1972, com a conquista do título de campeão do mundo, daí não ter defendido o título em 1975. Depois, aos poucos, como escreve André Fontenelle, Fischer foi sendo esquecido. Trancou-se num apartamento em Pasadena, na Califórnia, tornando-se numa espécie de Greta Garbo do desporto. Depois de 1972, Fischer fez apenas algumas raras aparições públicas, entre as quais a inusitada e tardia revanche contra Boris Spassky (aos 49 anos quando tinha ultrapassado já há muito o seu zénite), em Sveti Stevan, na ex-Jugoslávia, em pleno período de sanções internacionais contra o regime de Slobodan Milosevic. Seguramente e pelas mesmas razões Fischer não venceu os campeonatos dos Estados Unidos em 73, 75 e 86, como se lê na Wikipédia. Aliás, mesmo até 1972, é um exagero afirmar que ele perdeu só dois torneios. Por razões de espaço, aponto apenas o Torneio de Sousse, 1967, na Tunísia, que devido aos maus resultados ele acabou mesmo por abandonar. Foi uma pedrada nas suas ambições, pois a desqualificação afastou-o do ciclo dos torneios de candidatos para a disputa do Mundial de Xadrez de 1969 que sagraria Spassky como novo campeão.

Desiludido, Fischer passa três anos sem disputar um único torneio e só regressa ao xadrez em 1970. Bom, a partir de 1970 o seu percurso até chegar à classificação para o mundial contra Spassky é simplesmente estonteante. 

Em 2004 Fischer foi preso no Japão e lutou contra sua extradição para os Estados Unidos por quase um ano. A Islândia ofereceu-lhe cidadania, onde chegou no dia 23 de Março de 2005 e morreu em 2008, aos 64 anos.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 804 de 26 de Abril de 2017.

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Autoria:António Monteiro,30 abr 2017 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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