O primeiro encontro entre os provavelmente dois maiores praticantes da história do xadrez, o polaco Akiba Rubinstein e o cubano Jose Raúl Capablanca teve lugar no torneio de San Sebastian, Espanha, em 1911. Era a primeira estação europeia do ainda desconhecido Capablanca à conquista no título máximo auferido no xadrez. Logo no primeiro duelo, os dois mestres produziram uma das partidas mais memoráveis dos anais do xadrez. Capablanca que Botvinnik considerava ter atingido a suprema mestria na arte de empatar com as pretas, serviu-se da Defesa Tarrasch. Podemos começar por aqui a história desta partida que tem várias histórias. A primeira, e certamente a não menos interessante, o nome da defesa.
A Defesa Tarrasch deve o seu sonoro e temível nome ao médico alemão Siegbert Tarrasch, nascido em Breslau, em 1862. Em 1888 inaugurou uma impressionante série de primeiros prémios nos torneios de Nuremberg (1888), Breslau (1889), Manchester (1890), Dresden (1892) e Leipzig (1894) o que lhe valeu o epíteto de “Campeão do Mundo de Torneios”, ou simplesmente o “Hércules dos Torneios”.
Não nos esqueçamos que estamos no século XIX e raros eram então os certames de xadrez. À excepção de Hastings (1895), sem exagero, o maior torneio do século XIX, não se realizaram naquela época outros torneios dignos de menção. Apesar de nunca ter ostentado o título de campeão mundial, talvez por um exagerado apego às suas ideias (“se o xadrez fosse de cristal, Tarrasch seria invencível”) dirá dele seu arqui-rival Lasker.
O Præceptor Germaiæ, como era também conhecido, alcançou grande renome em competições de alto nível, derrotando claramente, em encontros individuais, jogadores de primeira fila ou como sistematizador e difusor das técnicas do jogo através de duas obras clássicas que formaram várias gerações de mestres: Dreihundert Schachpartien (Trezentas Partidas de Xadrez) e Die Moderne Schachpartien (Modernas Partidas de Xadrez). Tarrasch foi, sem dúvida, o primeiro a tornar acessível ao grande público os conceitos e ideais do fundador do xadrez moderno, Wilhelm Steinitz.
Mas o professor às vezes exagerava o alcance dos seus ensinamentos… para desespero dos seus colegas de profissão. Tarrasch decretou que a melhor defesa contra o peão da dama era 1.d4 d5 2.Cf3 c5, a tal da Defesa Tarrasch. O Zaratrusta alemão, como era também conhecido, acreditava, e com certa razão, que o facto de surgir um peão preto isolado logo na abertura nesta posição era compensado pela liberdade de acção das pretas.
Tarrasch apregoou aos quatros cantos do mundo e não se cansou de demonstrar em todos os certames em que participou, às vezes à custa de preciosos pontos, que a sua defesa era a melhor.
Faltou um Homero para cantar a insana luta do mestre em prol dos seus fundamentos que, em certos casos, raros, diga-se em abono do mestre, não passavam de dogmas, mas fiquemos por aqui e regressemos ao que nos interessa. Dissemos que na primeira partida jogada entre Akiba Rubinstein e Capablanca o cubano serviu-se da Defesa Tarrasch – com resultado catastrófico como se verá. Esta seria a última vitória de Rubinstein sobre o futuro campeão do mundo.
O pragmático Capablanca haveria, em futuros encontros, de se socorrer de outras armas, muitas delas por ele próprio aprimoradas. O dogmático Tarrasch continuou fiel à defesa que temos o prazer de aqui apresentar.
Rubinstein – Capablanca
Defesa Tarrasch
San Sebastian, 1911
1.d4 d5 2.Cf3 c5 3.c4 e6 4.cd ed 5.Cc3 Cc6 6.g3...
A variante Rubinstein contra a Defesa Tarrasch. Ataca directamente o peão isolado preto com o bispo fianquetado.
6...Be6 7.Bg2 Be7 8.0-0 Tc8? 9.dc Bc5 10.Cg5! Cf6 11.Ce6 fxe. As brancas desfazem o isolamento do PD preto, mas criam pontos de ataque em d5 e e6, que passam a pressionar imediatamente.12.Bh3 De7 13.Bg5 0-0 14.Bf6 Df6 15.Cd5! Dh6! 16.Rg2 Tcd8.
Posição após 17.Dc1!
17.Dc1! ed 18.Dc5 Dd2 19.Db5 Cd4 20.Dd3! Dd3 21.ed3 Tfe8 22.Bg4! Td6 23.Tfe1 Te1 24.Te1 Tb6! 25.Te5! Tb2 26.Td5 Cc6 27.Be6 Rf8 28.Tf5 Re8 29.Bf7 Rd7 30.Bc4 a6 31.Tf7 Rd6 32.Tg7 b5 33.Bg8 a5! 34.Th7 a4 35.h4 b4 O final está ganho para as brancas mas existem problemas tácticos para frear a maioria preta que avança rapidamente na distante ala da Dama. Todo cuidado é pouco porque em posições desse tipo com grande desequilíbrio entre alas o tempo pode ser mais importante do que o material. 36.Th6 Rc5 37.Th5 Rb6 38.Bd5 b3? 39.ab! a3 40.Bc6! 40...Tb3. (Não adianta 40...a2 41.Tb5 Ra6 (41...Rc6 42.Ta5+-) 42.Tb8!+-).41.Bd5 a2 42.Th6! 1-0. Não há salvação. Se 42...Ra5 ou 42...Ra7 a resposta seria 43.Th8! e a Dama preta nasce morta. Um duelo de gigantes.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 814 de 4 de Julho de 2017