O bispo bom e o bispo mau

PorFrancisco Carapinha,1 abr 2019 6:34

Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez
Presidente da Federação Cabo-verdiana de Xadrez

​No próximo fim de semana, a cidade da Praia vai receber, pela primeira vez, uma grande competição oficial de xadrez. Refiro-me aos segundos Campeonatos Nacionais de Jovens que decorrerão nas instalações do Estádio Nacional.

Perspectivando os três campeonatos nacionais que se avizinham (iniciados, juvenis e juniores), vêem-me à memória duas histórias passadas comigo, enquanto árbitro de xadrez, e com quatro jovens jogadores deste milenar jogo.

A primeira dessas histórias é ilustrativa do fair-pay dos intervenientes e demonstra as boas práticas educacionais que lhes foram transmitidas pelos seus educadores.

A situação passa-se num torneio internacional que na sua 4.ª sessão colocou frente a frente, dois jovens jogadores: a Sara de 12 anos e Lucas de 11.

Durante a sessão, provavelmente cansado de um dia escolar intenso e fatigante, o Lucas, depois de ter respondido a um lance da sua adversária, enquanto esperava que ela executasse o movimento seguinte, acabou por adormecer, situação que já tinha acontecido em rondas anteriores.

A Sara, depois de encontrada a resposta considerada ideal, efectuou o seu lance e ficou esperando que o Lucas regressasse do seu reconfortante sono.

Passados uns bons minutos sem que o Lucas desses sinais de querer despertar, fui abordado pela sua adversária que, inocentemente, me veio pedir para acordar o “dorminhoco”.

Lá lhe expliquei que não o podia fazer, porque se assim fizesse estaria a beneficiar o seu adversário. Eu não podia, nem devia fazer nada.

Não muito contente com a minha resposta, a Sara lá se sentou no seu lugar esperando pelo acordar do adormecido Lucas. Como a espera estava a ser demasiado longa, com decisão, levanta-se da sua cadeira, acorda o Lucas e lá prosseguirem a partida. Afinal de contas, ela estava ali era para jogar e não para ganhar aproveitando-se do cansaço do seu adversário.

No final da partida o resultado foi um empate e eu aplaudi os dois jovens que souberam dar uma demonstração cabal de fair-play e do espírito que devem ter.

Auguro futuro promissor para a Sara e para o Lucas, que além de jogarem xadrez, divertem-se com isso e dão exemplos que os mais velhos deveriam tomar.

A segunda história é a antítese da primeira e demonstra a falta de fair play e a prática de conceitos educacionais que considero errados e prejudiciais, num futuro próximo, para quem os pratica.

Num torneio de xadrez na variante de rápidas, ou semi-rápidas, numa altura em que as regras ainda previam a perda imediata da partida após o primeiro lance ilegal, fui chamado a uma mesa para resolver uma situação. Assim que cheguei ao local verifiquei que os contendores eram dois jovens, cujos nomes não me recordo. A reclamação de um deles foi que o seu adversário tinha efectuado o roque (movimento de rei que envolve esta peça e uma das suas torres), com as duas mãos. A situação acabou por me ser confirmada pelo jogador faltoso.

Apercebo-me que o lance ilegal tinha sido cometido por alguém que estava a dar os primeiros passos na modalidade e com uma força de jogo bem inferior à do seu adversário. Extrapolando a minha função de árbitro, olho para os dois jovens e num tom, talvez paternal, digo-lhes qualquer coisa como:

- Como vocês são os dois muito jovens e a gravidade da ilegalidade não afecta o sentido do jogo, tendo sido cometida por inexperiência de quem está agora a começar, porque é que não continuam a partida?

Pensei que esta minha sugestão fosse acolhida com agrado, até porque o jogador reclamante, muito mais experiente, certamente acabaria por vencer a partida.

Pelo contrário, fui surpreendido pelo reclamante que veemente, de uma forma ríspida e num tom de quem queria bater em alguém, me responde:

- Mas eu quero ganhar!

- Ok, ok. Ganhaste, acabei por dizer balbuciando, enquanto olhava para o público, onde vi alguém, acho que ligado ao jogador a quem acabei por atribuir a derrota, a encolher os ombros como que a dizer: “fazer o quê com uma besta destas?”.

Nestas situações, não culpo os jovens, mas sim os educadores que em vez de ensinarem xadrez gostam mais de ensinar tácticas e formas de reclamar.

Prefiro lembrar-me das atitudes da Sara e do Lucas e faço votos para que a festa do xadrez aconteça na Praia no próximo fim-de-semana e que todos se divirtam, essencialmente os jogadores.

Os resultados?

Com tanta juventude, devem vir depois da amizade e do divertimento.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 904 de 27 de Março de 2019.

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Autoria:Francisco Carapinha,1 abr 2019 6:34

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 abr 2019 6:34

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